Por Carlos Alberto Firmino Filho*
É público e notório que o Brasil está enfrentando a maior crise sanitária da sua história em razão da pandemia do novo coronavírus. E para fazer frente a essa ameaça invisível, o Estado do Rio Grande do Norte, na linha de outros estados, tem adotado medidas rígidas no sentido de diminuir o número de pessoas infectadas e evitar o colapso do sistema de saúde.
Dentre essas medidas, tem-se como as mais graves aquelas que afetam diretamente o comércio, cujo funcionamento na maioria dos estados e munícipios tem sido limitado aos chamados serviços essenciais, a exemplo de supermercados e farmácias.
Apesar dos grandes impactos provocados pelas restrições ao funcionamento do comércio, essa medida em especial tem se mostrado como a mais eficaz contra a disseminação do coronavírus, pelo que evita a aglomeração de pessoas – comportamento eleito como o mais arriscado à proliferação de um vírus com altíssimo potencial de contágio nessas circunstâncias.
A justa preocupação com os rumos da economia e com as mortes decorrentes da COVID-19, tem ofuscado as graves consequências de uma outra medida, essa adotada pela Secretária de Estado e Administração Penitenciária do Estado do Rio Grande do Norte (SEAP), cuja aplicação esbarra na natureza essencial do exercício pleno da Advocacia Criminal.
No dia 22 de março, a pasta comandada pelo Sr. Pedro Florêncio determinou a suspensão dos atendimentos presenciais aos (as) Advogados (as) em todo o sistema prisional do estado, sob o argumento de garantir a integridade dos servidores, sociedade, advogados e apenados.
Referida medida viola, no entanto, uma das mais importantes prerrogativas da Advocacia, qual seja, o direito de comunicar-se pessoal e reservadamente com os clientes presos, conforme preceitua o art. 7º, III, da lei federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).
Apesar da descabida e perversa violação dessa prerrogativa, cujo destinatário é o cliente, embora dela seja detentor(a) o(a) Advogado(a), o secretário voltou atrás no dia 15 de maio, mediante pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (RN), ainda que parcialmente, isso porque liberou o atendimento presencial somente nas unidades detentoras de parlatório – área em que Advogado(a) e cliente se comunicam separados por um vidro ou outra barreira semelhante.
Ato contínuo, em vídeo amplamente veiculado nas redes sociais, a presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Estado do Rio Grande do Norte (SINDPPEN/RN), vociferou contra a decisão da SEAP, o que provocou novo recuo do secretário. Vilma Batista comparou o sistema penitenciário do estado à “casa de mãe Joana’’, isso porque os (as) Advogados (as) teriam assegurada uma prerrogativa insculpida em lei federal e que jamais poderia ter sido suprimida ou relativizada.
A expressão “casa de mãe Joana”, para quem não conhece, é utilizada para caracterizar lugares que não estão sujeitos a qualquer regra de funcionamento e/ou comportamento, assumindo a feição de um verdadeiro cabaré, isso mesmo, uma casa de prostituição.
Para a presidente da referida entidade sindical, portanto, a presença pessoal de Advogados e Advogadas seria responsável por instaurar verdadeira “bagunça” nas unidades prisionais do estado neste momento de pandemia. Sucede que o exercício pleno da Advocacia Criminal, repito, constitui atividade essencial, tal como o médico; que não pode ser impedido de atender o paciente pessoalmente, sendo o seu trabalho delegado aos enfermeiros.
A luta pela liberdade ou pela custódia digna do ser humano encarcerado nunca estará dissociada da manutenção da vida, porque não há vida sem liberdade, bem como não há vida ao encarcerado tratado de forma indigna. Enquanto a presidente do sindicato dos policiais penais deixa acuado o secretário da SEAP, correm soltas denúncias de maus tratos feitas por familiares – para não dizer tortura – àqueles que estão encarcerados, conforme vêm noticiando exaustivamente alguns veículos de imprensa local.
Noutra ponta, o arremedo realizado pelo secretário Pedro Florêncio, através da implantação de atendimentos exclusivamente por videoconferência, não garante o exercício da prerrogativa em discussão; nem poderia. Como exemplo, cito a violação do sigilo do atendimento do advogado ao cliente, representado pela presença de um policial penal no recinto que, na maioria das vezes, escuta a todo ouvidos – segundo denúncias de alguns Advogados – a conversa que deveria ser revestida de sigilo, conforme preceitua o Estatuto da Advocacia.
Além disso, Advogados e Advogadas são impelidos a aguardar a coleta de assinatura para uma procuração na parte externa das unidades prisionais, debaixo de sol e chuva. A título de exemplo, não podemos, paradoxalmente, aguardar em sala de espera exclusiva para Advogados de que dispõe a Cadeia Pública de Mossoró, cuja construção se deu em parceria com a OAB.
Por último, cumpre registrar que se o sistema penitenciário do Rio Grande do Norte for um cabaré, o é pelo desrespeito à Advocacia e pela falta de humanidade para com os enclausurados, decorrente da má atuação daqueles POUCOS servidores que infelizmente habitam o subterrâneo de todo e qualquer órgão público, e não em razão da garantia de uma prerrogativa inserta em lei federal e garantidora do exercício de uma atividade essencial à vida humana.
*É Advogado Criminalista.