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Reportagem mostra atuação de Beto Rosado em desfavor do meio ambiente

O Portal The Intercept trouxe nesta segunda-feira reportagem assinada pelo jornalista potiguar Paulo Nascimento em que ele aborda o lobby do deputado federal Beto Rosado (PP) em favor do decreto que tornou a atividade salineira de interesse social.

O parlamentar já tinha tentado, sem sucesso, fazer a proposta passar na gestão de Michel Temer, mas com Bolsonaro ele conseguiu.

A medida permitiu que a indústria salineira seguisse explorando Áreas de Proteção Ambiental Permanentes.

Isso significa que cerca de 10% das áreas exploradas pela indústria salineira são APPs.

Uma das alegações é de que se a exploração cessar não haverá recuperação. Trocando em miúdos: o estrago está feito.

Mas a reportagem mostra que IBAMA e IDEMA pensam diferente e acreditam que há meios para recuperar. Os órgãos contam com o apoio do MPF.

Confira a reportagem AQUI.

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Por que Moro ainda não caiu?

(Foto: Pedro França/Agência Senado)

Por Jessé Souza*

O escândalo da “Vaza Jato”, provocado pelo The Intercept e pela extraordinária coragem de Glenn Greenwald, desmascarou a hipocrisia do jeito brasileiro de fazer política que já vem acontecendo há mais de cem anos. A Lava Jato não é, afinal, uma história de cinco anos que começa em 2014 com o “escândalo da Petrobras”, mas sim uma história que vem desde 1930, quando Getúlio toma da “elite do atraso” o poder de Estado. Foi aí que se construiu a ideia estapafúrdia de que a “corrupção só da política”, usando o conceito de patrimonialismo como contrabando, é a raiz de todos os problemas brasileiros. A construção dessa ideia ridícula como suposta explicação central para os problemas brasileiros “coincide” com a ascensão de Vargas ao poder político contra as elites do dinheiro. Como a elite do dinheiro tem que “moralizar” sua rapina, desde então seus inimigos são perseguidos e sistematicamente depostos do poder com falsas acusações de irregularidade pelo uso supostamente “patrimonialista” e corrupto do Estado e da política.

Como nenhum fato isolado se explica por si só, é necessário articular conscientemente a cadeia entre as causas. Toda exploração econômica tem que se servir de um “álibi”, ou seja, de um recurso simbólico que torne o fato da exploração invisível enquanto tal, para poder ser exercida de modo que os próprios explorados a considerem aceitável ou inevitável. O caso brasileiro é, no entanto, um caso limite. Alguma forma de distorção da realidade está sempre presente em todos os casos de sociabilidade humana conhecidos na história. No caso do nosso país, como o escândalo da “Vaza Jato” mostra tão bem, a capa de moralidade não é mera distorção da realidade vivida. Aqui, tal realidade é “invertida” e posta de cabeça para baixo, o que explica o caráter patológico e neurótico para quem vive a conjuntura política atual.

Afinal, a descoberta irrefutável de uma quadrilha funcionando dentro do aparelho de Estado, usando os cargos públicos não apenas para enriquecimento e vantagens pessoais, mas também como uma forma despudorada de manipular a opinião pública e minar todos os pressupostos da democracia com fins partidários, não levou – ainda –sequer à perda dos cargos nem à prisão dos responsáveis. A lei parece não se aplicar aos desmandos de Moro e sua quadrilha, muito menos para as fontes de renda misteriosas da família Bolsonaro. Será que é porque esse pessoal assegura, por outro lado, o saque do Estado e das riquezas nacionais pela elite endinheirada? Quem ainda possuir dois neurônios intactos saberá responder.

Mas, e como fica a necessidade de se criar uma capa de moralidade e de falseamento da realidade para legitimar os desmandos? A Lava Jato funcionou como articulação explícita para a “corrupção real”, a da apropriação por agentes privados de empresas públicas a preço de banana, o mesmo que, aliás, aconteceu recentemente com a BR Distribuidora, pelos bancos que tiveram uma reunião secreta com Fux e Deltan. Ao que parecia, a questão era que o PT não podia ser alçado ao poder para não melar os “bons negócios”. Então, com uma corrupção tão descarada como essa, como ninguém dos “camisas amarelas” vai às ruas para pedir que a honestidade volte?

Ora, só pode ser porque a maior parte dos “camisas amarelas” nunca esteve de fato interessada em combater a corrupção. O que, de resto, apenas comprova a tese do falso moralismo do “combate à corrupção”, visto que só vale para partidos populares. A dificuldade geral, especialmente para a elite e a classe média, é a perda do único “álibi” existente para mascarar seu ódio e desprezo pela população negra e mais humilde sob a forma da falsa criminalização dos seus representantes. É a compreensão intuitiva disso, o que explica também as idas e vindas de órgãos da elite, como a Veja e a Rede Globo, na cobertura do caso. Eles precisam manter um vínculo com a realidade, agora desmascarada, sob o risco de perder qualquer legitimidade, até para a parte mais esclarecida do próprio público. Por outro lado, estão envolvidos até o pescoço na manipulação desse mesmo público. O jogo havia sido controlado de cima pela elite e sua imprensa venal. Moro e Deltan foram apenas os “laranjas”, os pequenos oportunistas que ficam com as sobras do negócio grande. Tudo indica que a parte mais esclarecida da classe média já desceu do barco. Reinaldo Azevedo e outros arrependidos falam para esse público.

É Bolsonaro e sua base de poder infensa a argumentos racionais que permite a continuidade da farsa. O seu público não precisa de legitimação porque seu protesto radicalizado está vincado em sentimentos irracionais como ressentimento, inveja social e preconceitos racial e de classe. Inveja e ressentimento contra os de cima, o que explica os ataques à arte, à cultura e ao conhecimento em geral. Também a vingança, há muito esperada, contra séculos de desprezo dos “doutores” contra os remediados entre os pobres, a base real de Bolsonaro, muitos dos quais são brancos e, por isso, se acham no direito “racial” de um futuro melhor do que de fato possuem. Contra os de baixo, por sua vez, a raiva se volta para os negros e mestiços pobres que tiveram a ousadia de ascender socialmente no período recente e de chegar ainda mais perto deles. É difícil saber o que causa mais revolta nestes 20% da população brasileira que são a base real da força de Bolsonaro: a raiva contra os de cima ou contra os de baixo. Esse é seu público cativo, os 20% que sempre apostaram nele mesmo antes da “fakeada”.

Para esse pessoal, a democracia não é mais do que uma palavra odiada, afinal ela nunca lhes serviu para nada. Ela só parece vantajosa para os já privilegiados e para a população negra e humilde que ascendeu com o PT. Por causa disso, Bolsonaro lhes parece o “vingador” perfeito. O discurso contra as elites, utilizado para a arregimentação dos “bolsominions” para o último dia 26 de maio, mostra o sequestro do tema da luta de classes pela direita, já que a esquerda foi covarde e incapaz de qualquer protagonismo nessa área. Por outro lado, a única política pública informal efetiva do bolsonarismo é armar milícias e polícias para a chacina indiscriminada dos negros, índios e pobres, o que alimenta seu desprezo e o de seu público pelos mais frágeis. Da mesma forma que a distância em relação à “cultura” os inferioriza, a violência aberta contra os mais frágeis os torna “aparentemente” poderosos. A destruição da cultura e do conhecimento satisfaz sua inveja. A destruição dos fragilizados satisfaz seu desprezo e seu medo deles. É tudo aparência para mentes doentias, mas a aparência pode ser tudo para quem não tem mais nada.

Essa “minoria barulhenta” pressente que o momento da vingança chegou. Ela se tornou abertamente fascista porque é ela que diz: não importa se é ou não verdade o que diz a “Vaza Jato”. O que importa é o que é “necessário” para se sentir melhor do que se é. São pessoas em boa parte frustradas na vida privada, que usam a política como forma de dar sentido a uma vida vazia e sem direção. O “bolsominion” típico é um pobre remediado, na maioria um “lixo branco” sem cultura e sem grandes esperanças na vida, que, de repente, pode se ver como protagonista de alguma coisa. Ao se definir como conservador e de direita, se sente como alguém que “protesta”, um pequeno herói, supostamente contra as tendências de seu tempo, que ao se identificar com o tirano que “tira onda” de poderoso, se sente igualmente poderoso. Como é incapaz de compreender uma realidade complexa, refugia-se em bravatas estereotipadas e finge conhecer muito do que nada conhece.

Para essas pessoas, Moro é, hoje, tanto seu herói quanto Bolsonaro. Os “likes” de Moro desceram a escala social, embora ele não tenha a menor ideia disso. Acredita-se onipotente. Como sua valia para Bolsonaro era ser uma ponte com a classe média estabelecida pseudomoralista, toda a sua base de apoio mudou ou está mudando. Os 20% de supostos “empoderados” barulhentos é a única sustentação real do atual arranjo de poder. Bolsonaro, por sua vez, também depende de Moro. Afinal, a mentira da Lava Jato se alongou na própria mentira. Sem a Lava Jato não existiria Bolsonaro. Os dois são carne da mesma carne e sangue do mesmo sangue. A solução não é simples para ninguém neste jogo. Ver a “casa cair” é o que o “bolsominion” mais quer. Enquanto isso, a elite mais saqueadora quer a grana fácil das grandes mamatas e sequer se dá conta do perigo. Bolsonaro institucionaliza o roubo pequeno e miliciano do botijão de gás sem bandeira. Esses são, hoje em dia, os apoios efetivos da Lava Jato. Os 80% restantes observam bestializados um mundo que não mais compreendem.

*É sociólogo  e autor de livros como “A Elite do Atraso”

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Reportagem

O Golpe de 64 não salvou o país da ameaça comunista porque nunca houve ameaça nenhuma

Por Alexandre Andrada

The Intercept 

Há uma farsa historiográfica que ronda a praça de maneira persistente: a tese de que que a “revolução de 64” teria salvo o Brasil da ameaça comunista.

Conversa para boi dormir.

A renúncia de Jânio Quadros em 1961, e a ascensão do seu vice João Goulart, odiado pelo partido mais conservador da época, a UDN, de Carlos Lacerda, e por parte dos militares, foi o ápice de uma cisão ideológica que perdurava havia quase 20 anos. De agosto de 1961 a março de 1964, Jango foi alvo de uma guerra discursiva que o pintou como corrupto e conspirador de uma ofensiva comunista. Era tudo fantasia.

O rolo começou em 1946 com uma briga política que se estendeu por duas décadas entre os três partidos dominantes da chamada Terceira República (1946-1964), incendiada pela UDN de Lacerda. Os udenistas, derrotados nas urnas por Vargas (1950) e depois por Juscelino Kubistchek (1955), faziam uma guerrilha com notícias e editoriais falando sobre o risco iminente de o país virar comunista sem base nenhuma na realidade.

Na Constituinte de 1946, os comunistas do PCB formavam uma bancada respeitável, com um senador – Luís Carlos Prestes – e 14 deputados. Entre esses, Carlos Marighella.

Marighella, que se tornaria mundialmente conhecido por sua guerrilha urbana e acabaria morto pela Ditadura Militar em 1969, era um congressista como outro qualquer. Fazia discurso, frequentava gabinetes, apresentava moções e tomava cafezinho com seus pares.

 O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista.

Em maio de 1947, a justiça declarou ilegal a existência do PCB e os mandatos dos comunistas foram cassados. Diante do golpe jurídico, os comunistas não apelaram para as armas. Ao longo da Terceira República, eram três os partidos dominantes. O PTB, partido de Vargas e Jango, que ocupava a porção à esquerda do espectro político; o PSD, partido centrista, que abrigava Dutra e JK, e a UDN, partido de viés mais liberal, cujo ponto central era o ódio a Vargas.

A UDN era o partido favorito da grande imprensa, de setores da classe média  e da intelectualidade nacional. Só não era o partido favorito dos eleitores. O fracasso nas urnas foi transformando a UDN em uma organização golpista. Se hoje é o “bolivarianismo” que assusta o “cidadão de bem” brasileiro, nos anos 1950 o fantasma regional era o “peronismo”.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara.

Carlos Lacerda em comemoração pela criação do Estado da Guanabara (Foto: Wikimedia Commons)

Às vésperas das eleições vencidas por Vargas, o jornal do udenista Carlos Lacerda, uma das grandes figuras do partido, publicava declarações de um general, afirmando: “o governo tem conhecimento de um vasto plano subversivo organizado pelos comunistas, cuja eclosão se daria ao mesmo tempo, em todo o território nacional. O governo brasileiro está de posse de dados concretos comprovando que o sr. Getúlio Vargas mantém relações com o general Perón, presidente da Argentina”. Dizia-se que Perón financiaria o movimento “para restaurar a Ditadura” no Brasil.

Apelava-se para o medo, plantava-se a semente da paranoia. Mas Vargas saiu-se vitorioso, com 48,5% dos votos. Quando a derrota ficou evidente, a UDN optou por não reconhecer o resultado. O jornal de Lacerda trazia em letras garrafais: “Getúlio não foi eleito legalmente”. Como Vargas não obteve mais de 50% dos votos, golpistas como Lacerda e Aliomar Baleeiro passaram a insistir na tese de que a maioria do eleitorado o rejeitara. Tentam na Justiça barrar a posse de Vargas.Ficou famosa a frase de Lacerda, repetida à exaustão naqueles tempos: “Vargas não deveria ser eleito. Se eleito, não deveria tomar posse. Se tomasse posse, não poderia governar”.

Ainda que tenha feito um governo algo conservador, segundo percepção de renomados historiadores do país, Vargas não pôde governar. Em 1954, em meio às denúncias de orquestrar um plano secreto junto com Perón e de corrupção no Banco do Brasil, a UDN pede seu impeachment, que é rejeitado no Congresso.

Após o episódio da rua Toneleros – quando morreu o oficial da Aeronáutica Rubens Vaz, e Lacerda é alvejado –, Vargas é instado pela cúpula militar a renunciar à presidência. Naquela noite, mata-se com um tiro no peito. Aos se aproximarem as eleições de 1955, temendo a derrota, a UDN volta a pregar o golpe. Primeiro são denúncias contra Juscelino Kubistchek, acusando-o de corrupto. Adiante, a defesa desavergonhada da não realização das eleições naquele ano.

Em editorial de junho de 1955, Lacerda afirmava:

“Não há mais a menor dúvida: a eleição, nas atuais circunstâncias, significa a vitória dos que há longo tempo se prepararam. […] Em nome de que se pretende que toleremos a volta da oligarquia, com o seu cortejo de corrupção e violência? Sustentamos que existe, ainda, uma saída ‘legal, para a falsa legalidade que se pretende manter… A saída que existe… é a concessão de plenos poderes a um Executivo responsável, capaz de realizar as reformas preliminares de que carece a nação…”

Com a chapa JK-Jango eleita, a UDN tenta o golpe na justiça. Afonso Arinos tenta barrar a diplomação dos vencedores, argumentando que teria havido participação do PCB (ainda ilegal) na campanha dos eleitos.

Em novembro de 1955, percebendo as movimentações de um golpe orquestrado por setores civis (leia-se UDN) e militares, o general Henrique Lott põe em marcha o chamado “golpe preventivo”, garantindo a continuidade da legalidade no país.

JK consegue tomar posse e chegar ao final de seu governo, feito raro para a época. Nas eleições de 1960, a UDN decide apoiar Jânio Quadros, fenômeno político e então governador de São Paulo, mas que não fazia parte do partido.

Jânio, porém, renuncia à Presidência em agosto de 1961, jogando o país no caos. É nesse cenário que João Goulart (PTB), seu vice, torna-se presidente. Iria se tornar, na verdade. É declarado persona non grata para a segurança nacional por parte do Congresso, que se articula para impedir que o herdeiro de Vargas tome posse. Setores civis e militares quiseram impedir o cumprimento do texto constitucional. Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

No Rio Grande do Sul, começava a campanha pela legalidade, liderada por Leonel Brizola. Entre os legalistas, estavam o chefe do Exército naquela região, o general Machado Lopes. Circula a notícia que o II Exército, com sede em São Paulo, se encaminharia para o sul, de forma a desbaratar a resistência.

Havia o que se chamava de “veto militar” ao nome de Goulart.

A ameaça passa a ser não de um golpe civil-militar, mas de guerra civil. O Jornal do Brasil em editorial afirmava: “a expressão guerra civil é a única que cabe para definir o que pode acontecer, a qualquer momento, no Brasil”. Até o The New York Times alertava: “os oficiais do Exército brasileiro, que desafiaram sua Constituição e a vontade dos eleitores ao se recusarem a deixar João Goulart assumir a presidência, trouxeram seu país à iminência de uma guerra civil.”

O jornal Correio da Manhã se manifestou em editorial intitulado “Ditadura”, no qual dizia: “o manifesto dos ministros militares, coagindo o Congresso… é o golpe abolindo o regime republicano no Brasil. É a ditadura militar.”

O meio-termo encontrado foi deixar Jango assumir, mas castrado dos poderes presidenciais, graças a um parlamentarismo de ocasião. Era o golpe envergonhado. Voltavam-se a utilizar as velhas armas contra Jango: uma suposta conspiração internacional de caráter peronista, as supostas tendências comunistas do latifundiário e as alegações de corrupção.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia.

Em 1964, o deputado udenista Bilac Pinto afirmava, sem qualquer prova concreta, que Goulart preparava uma revolução, que o presidente organizava uma guerrilha armada no país. Aproveitando-se do ambiente caótico de 1964, em que se somavam a crise econômica e alta polarização política, fez-se o golpe civil-militar de 31 de março.
A suposta guerrilha de Jango, o suposto armamento em posse das Ligas Camponesas (o MST da época), a suposta infiltração comunista nas Forças Armadas, era tudo fantasia.

O golpe ocorreu quase sem resistência, pois resistência não havia. Deu-se um golpe, pois um golpe se queria dar desde 1951, pelo menos. A luta armada comunista, que jamais colocou em risco o governo brasileiro, só emergiu após a implementação da ditadura, não antes. Enfim.

Houve um tempo no Brasil no qual políticos civis não reconheciam o resultado das eleições, que não se conformavam com uma democracia na qual os eleitores elegem seus adversários.

Houve um tempo no Brasil no qual militares de alta patente se arvoravam o direito de falar de política. Tempo em que generais ameaçavam não reconhecer o resultado das urnas, caso o eleito não fosse do seu agrado.

Às vésperas das eleições de 2018, o cenário se repete.

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Reportagem

CARTA DE OLAVO DE CARVALHO EM 2006 ANUNCIAVA AS DISCUSSÕES DO BRASIL DE HOJE

Por João Brizzi e Fabricio Pontin

The Intercept

EM JUNHO DE 2006, Olavo de Carvalho estava em um beco sem saída.

Ele havia se mudado há pouco mais de um ano para os Estados Unidos, época em que também perdeu sua coluna no jornal O Globo. Seu estilo bonachão e irônico, um estranho cruzamento da sofisticação clássica com a gritaria patriótica de Enéas Carneiro, não tinha feito muitos amigos para Olavo nos círculos intelectuais.

Parece estranho imaginá-lo andando entre jornalistas, mas Olavo acumulava passagens por Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, entre outros. Em dado momento dos anos 90, chegou a trocar farpas com Muniz Sodré, um dos fundadores da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Apesar dos desafetos criados, Olavo teve todo o tempo do mundo para estudar seu alvo – a esquerda brasileira – com alguma proximidade.

Planos traçados, o filósofo escreveu, no dia 20 de junho de 2006, uma carta pedindo doações pela internet para terminar um livro.

Identificando o inimigo

“Desde que cheguei aos EUA, em maio de 2005, assumi como dever pessoal, fora e independentemente do meu trabalho de correspondente jornalístico e da preparação do livro A Mente Revolucionária, informar ao maior número possível de jornalistas, intelectuais, empresários e políticos americanos a verdade sobre o estado de coisas no Brasil, a abrangência dos planos do Foro de São Paulo, a aliança entre partidos de esquerda e organizações criminosas, a colaboração ativa e essencial do governo Lula na revolução continental cujas personificações mais vistosas são Hugo Chávez e Evo Morales.”

No espaço de uma década, a ideologia de Olavo conseguiu derrubar um presidente e eleger outro.

Como diabos um intelectual marginalizado e exilado consegue influenciar, longe do Brasil, um movimento e se torna um dos maiores atores da direita na história recente do Brasil?

Para compreender isso precisamos, antes de mais nada, fazer algo que é proibido dentro dos altos círculos intelectuais brasileiros. Teremos de reconhecer alguns méritos de Olavão.

Entre 1994 e 1996, o escritor lançou uma triologia mezzo filosófica mezzo crítica à esquerda, na qual ele diz que a “elite formadora da opinião pública” teria aparelhado universidades, veículos de comunicação e o raio que o parta na missão de instaurar a mentalidade comunista sobre a incauta população brasileira. Na carta em que pede doações, ele explica as intenções do livro, nunca publicado e que teria objetivo imediato de “conscientizar a elite americana da loucura que faz ao dar suporte político, jornalístico e financeiro a organizações latinoamericanas de esquerda” que conspirariam “no sentido de manter uma ajuda bilionária sem a qual a revolução comunista na América Latina morreria de inanição”.

Olavo vai adiante e explica como, nos Estados Unidos, aprendeu o que é democracia:

“A democracia não dá liberdade a ninguém. Apenas dá a cada um a chance de lutar pela liberdade. A gente percebe isso, materialmente, na coragem e disposição de combate com que tantos americanos, hoje, se erguem contra o establishment esquerdista chique e não raro conseguem vencê-lo usando os meios postos à sua disposição pelo Estado de direito. Esses meios estão também ao alcance de quem deseje restabelecer a verdade sobre o Brasil.”

Para além disso, o filósofo goteja nomes famosos – Rockefeller, Foro de São Paulo, Ford e por aí vai – na missão de estabelecer ligações financeiras e políticas que justificariam a tal ascensão da esquerda no Brasil.

De certa forma, é como se a carta de Olavo fosse recitada a cada defesa de Bolsonaro, a cada fala de Kim Kataguiri pelo MBL e a cada briga no Zap da família. Mas se A Mente Revolucionária nunca saiu, como ele conseguiu espalhar a palavra?

O período de transição

No mesmo ano, Olavo começou a publicar o True Outspeak, podcast que usava para comentar política e cultura. Mas foi só em 2009 que ele deu início ao que seja, talvez, seu trabalho mais importante: o Curso Online de Filosofia.

Olavo reconheceu uma carência enorme de orientação por parte não apenas de jovens de direita, mas de jovens – ponto. Olavo ofereceu uma saída com uma linguagem sofisticada o suficiente para que o seu alvo não se sentisse burro, mas engraçada o suficiente para que ele se sentisse legal, e ofereceu isso nos termos da internet. Olavo criou fóruns de discussão, fazia crônicas semanais temáticas junto com apostilas de orientação intelectual falando dos clássicos gregos em uma linguagem acessível. Olavo, acima de tudo, entregava (e ainda entrega!) um excelente produto que dava retorno ao investimento feito pelo aluno.

Imaginem a surpresa de seus estudantes. Este cara que está nos Estados Unidos e manja de filosofia, misticismo, política e fala um monte de palavrão, esse cara responde minhas mensagens!, fala comigo como se eu fosse uma pessoa normal!, diz que eu sou inteligente!

Diante da postura intelectual dos baluartes da alta cultura nacional, que perdem tempo falando mal de funk enquanto vomitam lugares comuns sobre psicanálise e ignoram qualquer manifestação ou sentimento popular como uma espécie de sujeira acrítica, Olavão oferece uma alternativa: um mecanismo de inclusão dentro de uma espécie de alta cultura alternativa, algo que é, ao mesmo tempo, uma contracultura e uma comunidade onde transitam pessoas que acreditam ter acesso a um caminho alternativo – e melhor! – para pensar o mundo.

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Eram quatro os livros na mesa de Jair Bolsonaro durante o primeiro discurso do Presidente eleito: a ‘Bíblia Sagrada’; a constituição brasileira de 1988; ‘Memórias da Segunda Guerra Mundial’, de Winston Churchill; e ‘O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota’, de Olavo de Carvalho.

Até 2013, o olavismo era consideravelmente periférico, ainda que bem-sucedido. Entre 2006 e 2013, Olavo alimentou seus fóruns, fez visitas guiadas para seu bunker nos EUA, editou livros e organizou transmissões semanais em áudio e vídeo com sucesso absurdo. Também reeditou seus trabalhos de leitura dos clássicos (especialmente o Jardim das Aflições, livro da trilogia que o próprio Olavo ainda encara como sua magnum opus), e foi editado por Felipe Moura Brasil, influenciador político da Jovem Pan e O Antagonista, em O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota, coletânea de escritos seus.

Este último foi um divisor de águas: lançado em 2013, chegou às prateleiras das livrarias ao mesmo tempo em que o pessoal de verde e amarelo vagarosamente começava a aparecer nas ruas e a bater panelas. De repente, a frase “Olavo tem razão” aparecia em protestos. Figuras em preto e branco com o Olavão fumando eram carregadas por jovens que agora repetiam incessantemente uma ladainha sobre Foro de São Paulo, doutrinação gayzista-comunista e a presença de cloro na água para emascular nossos jovens – essa última é do Doutor Fantástico, mas vá lá. O livro teve mais de 300 mil cópias vendidas; mais de 12 mil alunos passaram pelas fileiras de seus cursos.

O estrago ainda era ignorado, mas já estava feito.

Olavo hoje

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Foto: Vivi Zanatta/Folhapress

De lá para cá, Olavo deixou de ser uma figura periférica para gradualmente se tornar a figura intelectual mais importante e influente do Brasil. Essa frase não vai nos fazer nenhum novo amigo nas universidades públicas, mas dane-se: Olavo de Carvalho se torna a figura intelectual mais importante e influente do Brasil ao entender que existe um movimento carente de uma linguagem que possa criar aderência rápida, que possa capturar a imaginação das pessoas sem grandes complicações e que, sobretudo, não ofenda as pessoas as chamando de burras – ou, para ser mais preciso, dizendo a todos que são burros, menos a seus seguidores.

Olavo detesta Gramsci. O velho marxista italiano admirado por muitos dos ideólogos do PT, inclusive, é um dos alvos mais constantes de ataque por parte do Olavão. Desde 1994 alguém – não nós – ouve o Olavão falando da nova classe intelectual, da multiplicação de uma hegemonia de esquerda, e usando os conceitos de Gramsci para acusar o governo Fernando Henrique Cardoso, ou Lula, ou Dilma, desta ou daquela nova e relevante conspiração para dominar tudo que a sociedade civilizada considera importante. É irônico, portanto, que Olavo, mais que ninguém no Brasil de hoje, se encaixe tão bem com o que Gramsci chamava de “intelectual orgânico” – aquele que se mantém conectado aos dilemas que o originaram.

Olavão, ao verificar que não havia clima para o tipo de discurso que ele andava fazendo ali no início dos anos 2000, fez um movimento estratégico para criar esse clima. Ele explora vulnerabilidades do nosso sistema educacional e da própria configuração do nosso ensino superior; ele explora a atitude classista da alta intelectualidade carioca e paulistana que teima em discutir esse ou aquele detalhe na obra de Adorno e não se dá conta que está alienando uma fatia enorme da população que teria, inclusive, potencial de colaborar para a construção de uma universidade realmente plural.

É fácil acusar seus admiradores de serem burros, manipulados, idiotas. Mas fazer isso é garantir uma manada de novos admiradores ao Olavo. É fácil dizer que Olavo é maluco, pirado, que ele comete erros na interpretação do livro Z da Metafísica de Aristóteles no Imbecil Coletivo, ou que a interpretação que ele faz deste ou daquele aspecto da fenomenologia husserliana é completamente inaceitável. Tudo isso é muito fácil. E também estúpido.

O leitor de Olavo está feliz da vida que alguém esteja falando com ele sobre todos esses temas ao mesmo tempo que fala sobre política, religião, mostra foto dos cachorros, vai caçar, admite que errou ou que acertou e ainda por cima lacra muito nos debates com esquerdopatas. O leitor do Olavo tem uma comunidade de afeto, política e intelectual, que ele dificilmente teria conseguido em qualquer universidade, especialmente nos termos que o professor oferece: uma inclusão sem conversão automática. É uma conversão gradual, voluntária, comunitária. Quando visto de perto, o fenômeno é absolutamente espantoso.

Agora, em 2018, Olavo pauta a direta e, indiretamente, a linguagem de Bolsonaro no horário eleitoral e tem impacto relevante em alguns dos deputados federais mais votados em São Paulo. Olavo virou um guru para toda a nova direita que se consolidou nestas eleições. Essa consolidação do discurso de Olavo, que passou da insignificância para a periferia e da periferia para o mainstream talvez tenha atingido seu ponto mais alto no último capítulo dessa novela ridícula, com Caetano Veloso atacando Olavo por ser autoritário e pedindo a “mobilização daqueles que não concordam com esse tipo de discurso”.

O ataque soa como um ato de desespero, fruto da percepção de que uma oportunidade foi perdida; uma tentativa de entrar correndo num trem que já passou. Caetano agora – quem diria? – ocupa posição periférica no discurso cultural brasileiro. Ele precisa surfar a onda de Olavo para tentar aparecer para além de seu público podre de rico sedento por rimas ricas. Caetano Veloso, um dos grandes símbolos da alta cultura, que já foi notícia até quando estacionou o carro no Leblon, precisa apelar para ser reconhecido por Olavo como alguém digno de discussão para realmente aparecer.

Caetano agora – quem diria? – ocupa posição periférica no discurso cultural brasileiro. Ele precisa surfar a onda de Olavo para tentar aparecer para além de seu público podre de rico sedento por rimas ricas.

Exausto, ele declara no final da carta:

“Preciso de ajuda já. Não quis pedi-la antes de chegar ao meu limite. Já cheguei. Por favor, me ajudem a salvar a honra do Brasil. Não quero chegar à velhice extrema pensando que vim de um país que se deixou estrangular sem exercer nem mesmo o direito de espernear. Quero exercer esse direito até o fim, com esperneadas vigorosas que pelo menos deixem o assassino da pátria com uma inesquecível dor na bunda.”

Se ele era uma piada, cabe perguntar quem está rindo agora.

A cultura agora é do Olavão. A gente só vive nela.