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O caso do ex-chefe da prf: aspectos criminais e administrativos

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Como informou a Folha de São Paulo, a Polícia Federal abriu, no dia 10.11.22, inquérito para que o então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, seja investigado sob suspeita de prevaricação e violência política.

O inquérito também deve investigar se as abordagens feitas no último domingo de outubro de 2022, 30, dentro do horário de votação, afetaram o “livre exercício do direito de voto”.

Mesmo após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir operações relacionadas ao transporte público de eleitores, a PRF fez ao menos 560 operações, com foco no Nordeste. Eleitores denunciaram abordagens irregulares e o PT encampou a narrativa de que a corporação foi usada politicamente para dificultar o voto na região, predominantemente lulista.

No dia do segundo turno das eleições, Vasques foi intimado por Moraes, ministro do STF e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a interromper “imediatamente” as operações da corporação sobre transporte público de eleitores.

O ministro Moraes estabeleceu que, se Vasques não cumprisse a ordem, receberia multa pessoal e horária de R$ 100 mil e sofreria imediato afastamento das funções e prisão em flagrante por desobediência e crime eleitoral.

Vasques foi convocado ao prédio do TSE, na tarde daquele domingo, para prestar esclarecimentos a respeito de operações policiais relacionadas ao transporte público de eleitores.

Segundo o Correio Braziliense, o TSE foi acionado pela coligação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A campanha alegou que a PRF estaria fazendo operações e dificultando o transporte público de eleitores, especialmente no Nordeste, região onde o candidato petista tem maioria dos votos.

Pelo menos 560 abordagens de fiscalização a coletivos fazendo transporte público de eleitores foram relatadas. O número de manifestações consta em controle interno da PRF. A notícia foi publicada inicialmente pelo jornal Folha de S.Paulo. A TV Globo confirmou as informações.

No sábado (29/10), o TSE já havia determinado que a PRF não fizesse operações no transporte público, para não atrapalhar a votação.

Naquele mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu explicações para a PRF sobre eventuais operações.

Naquele domingo, diante dos relatos de descumprimento da ordem, o ministro Moraes determinou que Vasques apresentasse esclarecimentos imediatos.

Ele ainda declarou o voto no ex-presidente da República naquela eleição de 2022.

A Polícia Federal reúne dados que mostram que ex-diretor da PRF fez reunião sigilosa em 19 de outubro de 2022.

De acordo com depoimentos colhidos ao longo dos últimos meses, Vasques teria dito, em uma reunião cercada de sigilo realizada em 19 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno, que a corporação precisava “tomar um lado” – que seria, obviamente, o de Bolsonaro.

O principal objetivo do encontro era planejar as blitze que impuseram obstáculos aos eleitores de Lula.

No sábado (29), ele postou no Instagram uma foto da bandeira do Brasil, acompanhada do texto “vote 22. Bolsonaro presidente”. A imagem, apesar de ter sido excluída, viralizou nas redes sociais.

De acordo com os dados enviados ao STF (Supremo Tribunal Federal), a punição por organizar ação para interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito representa apenas 0,8% das 6.200 multas aplicadas entre os dias 1º e 6 de novembro.

Conforme relatado pela Polícia Federal, no dia do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, SILVINEI VASQUES, então ocupando o cargo de Diretor-Geral da Polícia Rodoviária Federal, teria emitido ordens ilegais a seus subordinados, visando a dificultar ou até impedir o livre trânsito eleitores, nas regiões em que o então candidato Luis Inácio Lula da Silva havia obtido votação mais expressiva no primeiro turno,

Considerada gravíssima, a multa para esse tipo de infração pode chegar a R$ 17 mil, uma vez que o Código de Trânsito prevê que a multa base de R$ 293,47 seja multiplicada por 60 quando o alvo for um organizador da ação.

Por certo a Polícia Rodoviária Federal é órgão de estado e não de governo e assim deve agir em nome do princípio republicano.

Foi absurda e escandalosa a conduta de Silvinei Vasques ao aumentar o cerco contra o transporte público de eleitores no dia da eleição objetivando beneficiar a reeleição do atual presidente da República.

II – CRIMES A INVESTIGAR

Segundo o ministro Alexandre de Moraes haveria fortes indícios do cometimento pelo ex-diretor geral da PRF da prática dos crimes previstos nos artigos 319 e 359-P, ambos do Código Penal, e nos artigos 297 e 304 do Código Eleitoral e ainda do artigo 23, caput, e parágrafo único, II,  da Lei de Abuso de Autoridade, todos em concurso material, a exigir a soma de penas. .

Art. 359-P. Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O crime restará consumado diante da restrição, impedimento ou embaraço do exercício dos direitos políticos da vítima (crime material).

Por se tratar de crimes materiais e plurissubsistentes, é possível a tentativa. Exige-se o dolo como elemento subjetivo do tipo.

De todos esses crimes enfocados é o mais grave, pois envolve afronta ao Estado Democrático de Direito.

Há a prática de prevaricação a ser investigada.

Prevaricar é a infidelidade ao dever de oficio. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida.

Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3 (três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva (retardando ou omitindo o oficio). Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário a disposição expressa de lei.

O elemento subjetivo é o dolo específico. O dolo consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Este último crime é de menor potencial ofensivo em face da pena: detenção, de três meses a um ano, e multa. Cabe a transação penal.

Fala-se na prática de delitos eleitorais:

Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio:

Pena – Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.

Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato:

Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.

São ainda crimes de menor potencial ofensivo, cabendo a proposta de transação pelo Parquet.

A isso se acresça a possível prática de crime de abuso de autoridade:

Art. 23: Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminal alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena – detenção de 1(um) a 4(quatro) anos e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

I – eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;

II – omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.

É crime próprio a ser cometido pelo agente público, que exige o dolo específico.

Considera-se que é uma forma de fraude processual feita pelo agente público.

Mas essa inovação há de ter a capacidade de enganar, constituindo em modificação do estado natural das coisas.

É crime formal (que não exige para a sua consumação o resultado naturalístico previsto no tipo), comissivo, excepcionalmente omissivo impróprio, instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente (delito cuja ação é composta de vários atos), admitindo-se a tentativa.

Aqui trata-se de crime que permite a proposta de acordo de não persecução penal pelo Parquet.

Os serviços, as instalações e os funcionários de qualquer repartição federal, estadual ou municipal, autarquia, fundação pública, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público ou que realiza contrato com este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderão ser utilizados para beneficiar partido ou organização de caráter político, sob pena de prática de crime.

III – A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação de improbidade administrativa, com pedido de liminar, contra o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, pelo uso indevido do cargo, com desvio de finalidade, bem como de símbolos e imagem da instituição policial com o objetivo de favorecer um dos candidatos nas eleições presidenciais. Liminarmente, o MPF pediu o imediato afastamento do diretor de suas funções por 90 dias e, no mérito, a condenação pela prática dolosa de improbidade administrativa, por violar os princípios da Administração Pública, notoriamente da legalidade e da impessoalidade, previstos no art. 11, caput e inciso XII, da Lei nº 8.429/92.

Tal se deu no processo n. 5086967-22.2022.4.02.510.

Diz assim a Lei de improbidade administrativa:

XII – praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.

Observa-se daquela exordial:

“No período compreendido entre o anúncio oficial da candidatura e a realização do primeiro ou segundo turno das eleições, toda menção ou referência escrita, verbal ou não-verbal à figura do presidente da República e candidato à reeleição, feita por agente público em razão dessa condição, de forma ostensiva ou velada, sobretudo aqueles investidos em altos cargos ou funções da administração pública federal, nos eventos públicos ou oficiais, meios de comunicação, internet, redes sociais ou por meio de atos administrativos, é passível de valoração jurídica quanto à legitimidade, moralidade administrativa e licitude em relação às normas de natureza eleitoral, administrativa, cível ou penal”, destaca o procurador da República Eduardo Benones, do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial e autor da ação. “

Os atos administrativos praticados por Silvinei Vasques, naquele período retratado na inicial reportada, revelam-se em evidente desvio de finalidade o que levam a sua absoluta nulidade.

Repito, na íntegra, a lição de Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos, 2ª edição, pág. 89 e 90), assim disposta; “A atividade administrativa, sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultados, não pode a Administração Pública dele se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.”

Prossegue o eminente administrativista, que tantas lições deixou entre nós, alertando que se a lei previu que o ato fosse praticado visando a certa finalidade, mas a autoridade o praticou de forma diversa, há um desvio de finalidade.

Na doutrina, aliás, do que se tem de Roger Bonnard, as opiniões convergem no sentido de que, a propósito da finalidade, não existe jamais para a Administração um poder discricionário.

Há no ato administrativo, para sua higidez e validade, um fim legal a considerar. Marcelo Caetano (Manual de direito administrativo, pág. 507) distinguia os desígnios pessoais, os cálculos ambiciosos, as previsões que o agente faz de si para si, no momento em que se determina a exprimir a vontade administrativa, sem repercussão positivamente exteriorizada, na prática do ato, daqueles que se refletem de modo objetivo na sua prática, vindo a desvirtuá-lo em sua finalidade objetiva.

O agente público não pode usar de seus motivos pessoais para atingir fins outros através de um ato administrativo.

IV – NOTAS FINAIS

Vem a notícia da prisão preventiva de Silvinei Vasques.

A conduta do investigado, narrada pela Polícia Federal, revela-se ilícita e gravíssima pois são apontados elementos indicativos do uso irregular da máquina pública com objetivo de interferir no processo eleitoral, via direcionamento tendencioso de recursos humanos e materiais com o intuito de dificultar o trânsito de eleitores”, diz trecho da decisão do ministro Moraes.

A prisão preventiva, a teor do art. 312 do CPP, é decretada se há risco à ordem pública ou econômica, “por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”.

Há a  necessidade de decretação da prisão preventiva em face da conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, conforme posicionamento pacífico da SUPREMA CORTE (HC 216003 AgR, Relator: NUNES MARQUES, Segunda Turma, DJe 24/3/2023; HC 224073 AgR, Relator: DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 14/3/2023; HC 217163;  AgR, Relator: LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 25/11/2022; HC 217887 AgR, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe 24/8/2022; HC 196907 AgR, Relator: GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 2/62021).

Como afirmou o jornal O Globo, em 9.8.23, em seu site de notícias, a Polícia Federal reuniu depoimentos de policiais rodoviários federais e mensagens trocadas entre diretor de inteligência da PRF e um subordinado que levam à conclusão de que o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, direcionou a “Operação Eleições 2022” para coibir a movimentação de eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno.

De acordo com depoimentos colhidos ao longo dos últimos meses, Vasques teria dito, em uma reunião cercada de sigilo realizada em 19 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno, que a corporação precisava “tomar um lado” – que seria, obviamente, o de Bolsonaro.

A tudo se evidencia a materialidade e a autoria criminosas do ex-dirigente da Polícia Rodoviária Federal, cujo objetivo era golpear a democracia no Brasil.

Aguardemos os termos da denúncia que vier a ser oferecida pelo Ministério Público Federal.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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