Rogério Tadeu Romano *
Observo o que disse o Estadão, em sua edição de 23.11.2022:
I – O FATO
“O pedindo a anulação dos votos de 279,3 mil urnas eletrônicas, sob a justificativa de que houve “mau funcionamento” do sistema. Para o partido de Jair Bolsonaro, o presidente teve 51,05% dos votos no segundo turno e venceu a disputa contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último dia 30.
Pouco depois da ofensiva do PL, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou que em 24 horas a coligação de Bolsonaro apresente um relatório completo sobre as eleições. No despacho, ele destacou que as urnas foram usadas nos dois turnos e, portanto, o pedido deve abranger todo o pleito para não ser indeferido.
A iniciativa do PL, porém, contesta apenas a vitória de Lula. No primeiro turno, o partido obteve a maior bancada na Câmara, com 99 deputados federais, e nunca questionou o resultado. A sigla elegeu, ainda, oito senadores.
As urnas eletrônicas foram validadas, nos últimos meses, por auditorias das Forças Armadas e do Tribunal de Contas da União (TCU). O relatório do PL, produzido pelo Instituto Voto Legal (IVL), afirma, no entanto, que os equipamentos apresentaram “desconformidades irreparáveis de mau funcionamento”.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que os modelos de urnas anteriores a 2020 têm o mesmo número de patrimônio, o que impediria a fiscalização. Os mesmos aparelhos, porém, foram usados nas eleições de 2018, quando Bolsonaro venceu a disputa.”
II – A INÉPCIA DA INICIAL
A petição é inepta e uma prova de litigância de má-fé.
Trata-se do que chamam em linguagem popular de “operação tabajara”.
O peticionário pediu a anulação dos votos do segundo turno, mas nada falou quanto aos votos do primeiro turno que levaram o partido a uma grande vitória nas eleições parlamentares.
Na prática, o partido quer que o TSE jogue milhões de votos no lixo e proclame Bolsonaro como vencedor da eleição que perdeu. Isso não vai ocorrer, mas a mera apresentação do pedido já ajuda a manter acesa a chama do golpismo.
Um ponto ignorado pela representação do PL é a análise sobre como as urnas dos diferentes modelos foram distribuídas dentro de um mesmo estado ou de acordo com a quantidade de eleitores. Ela afirma apenas que as urnas de modelo 2020 foram “distribuídas aparentemente de forma proporcional e equitativa pelo país pela própria Justiça Eleitoral”.
A partir disso, conclui que “os votos válidos e auditáveis do segundo turno” atestariam resultado diferente e dariam 51,05% dos votos a Bolsonaro. O documento indica que as urnas 2020 seriam as únicas que teriam “elementos de auditoria válida e que atestam a autenticidade do resultado eleitoral com a certeza necessária – na concepção do próprio Tribunal Superior Eleitoral”.
A petição é inepta e uma prova de litigância de má-fé.
Leia-se o artigo 330 do CPC:
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321 .
- 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.
…….
Causa de pedir, ou causa petendi em latim, denomina o conjunto de fatos e fundamentos jurídicos expostos na demanda e instrumentalizados na petição inicial, De é um dos três elementos da ação, juntamente com o pedido e as partes, como ensinou Daniel Amorim Assumpção Neves(Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, vol. único. 2018).
O pedido é a conclusão da exposição dos fatos e dos fundamentos jurídicos, exprimindo aquilo que o autor pretende do Estado frente ao réu.
Uma manifestação inaugural do autor é chamada de pedido imediato, no que se relaciona a pretensão a uma sentença, a uma execução ou a uma medida cautelar; e pedido mediato, é o próprio bem jurídico que o autor procura proteger com a sentença.
A inépcia ocorre quando a petição inicial não é considerada apta pelo juiz, razão pela qual ele a indefere. Uma vez classificada como inepta, a inicial não poderá ser reformada – ou seja, não se admite emenda ou aditamento a esse tipo de peça.
Luiza Vaccaro Mello Machado(Causas de inépcia da petição inicial, em 5.3.2015) nos disse:
“Petição inicial inepta é aquela considerada não apta a produzir efeitos jurídicos em decorrência de vícios que a tornem confusa, contraditória, absurda ou incoerente, ou, ainda, por lhe faltarem os requisitos exigidos pela lei, ou seja, quando a peça não estiver fundada em direito expresso ou não se aplicar à espécie o fundamento invocado. A inépcia enseja a preclusão e proíbe-se de levar adiante a ação.”
Segundo o ensinamento de Vicente Greco( Direito Processual Civil Brasileiro, Editora Saraiva, 20ª edição tem-se que: A inépcia do libelo é um defeito do conteúdo lógico da inicial. O pedido não se revela claro ou mesmo não existe,
de modo que é impossível se desenvolver atividade jurisdicional sobre algo indefinido ou inexistente. Como o objeto do processo é o pedido do autor, é evidente que deve ser certo de definido, a fim de que a decisão corresponda a um verdadeiro bem jurídico, solucionando o conflito definido. O defeito expressional ou lógico impede a compreensão e o efeito natural que a inicial deveria produzir, qual seja, dar início à atividade processual. O mesmo ocorre se o pedido é juridicamente impossível. A possibilidade jurídica do pedido é uma das condições da ação. Se desde logo está claro que o pedido não poderá ser atendido porque a ordem jurídica não o prevê como possível ou mesmo o proíbe expressamente, é inútil que sobre ele se desenvolva atividade processual e jurisdicional, devendo ser indeferida imediatamente a inicial.”
Observo a lição de Eliézer Rosa(em carta): “Indefiro a petição inicial por ser inepta”, é uma forma de sentenciar. Tudo está dito, mas amarga e frustra. O profissional fica humilhado e ofendido. Justificada a decisão, no entanto, verificará o advogado que: “o juiz deu atenção à sua inicial, estudou e decidiu com calma e fundamentadamente, quando pela lei poderia ser em forma concisa.’
O autor da exordial tem a necessidade em elaborar uma peça lógica, de modo que da narração dos fatos decorra logicamente a conclusão; objetiva, a fim de que se demonstre um pedido claro, definido e juridicamente possível, bem como uma peça bem organizada e estudada, não havendo pedidos incompatíveis entre si, como disse ainda Luiza Vaccaro Mello Machado(obra citada).
III – A LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ
É manifesta a má-fé processual do requerente.
Temos do CPC de 2015:
Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
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Temos do CPC de 2015:
Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
Como características mais evidentes da má-fé, como acentuou Arruda Alvim (Manual de Direito Processual Civil, volume II, 7ª edição) diz-se que a parte deve acreditar subjetivamente no que postula, que os fatos alegados terão de ser possíveis de serem provados, como ainda ensinou Josef Truter (Bona fides im Zivilprozesse Ein Beitrag zur Lehre von der Herstellung der Urteilsgrundlage (A boa-fé nos processos civis, uma contribuição para o estudo da modificação da base da sentença, Munique, 1892).
Essa a contribuição que foi recepcionada no artigo 18 do CPC de 1973, com a redação dada pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994 e, modernamente, no CPC de 2015, com a redação exposta acima no artigo 80.
Para tanto com o objetivo de coibir a má-fé e velar pela lealdade processual o juiz deve agir com poderes inquisitoriais, deixando de lado o caráter dispositivo do processo civil.
Na lição de Andrioli (Lezioni di Diritto Processuale Civile, 1973, volume I, n. 62, pág. 328) as noções de lealdade e probidade não são jurídicas, mas sim da experiência social. A lealdade é o hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e a traição; enquanto a probidade é própria de quem atua com retidão, segundo os ditames da consciência.
Ocorre, outrossim, violação do dever de lealdade em todo e qualquer ato inspirado na malícia ou má-fé e principalmente naqueles que procuram desviar o processo da observância do contraditório, como explicou Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, volume I, 25 ª edição, pág. 86). Isso se dá quando a parte desvia de forma astuciosa o processo do objetivo principal e procura transformá-lo numa relação apenas bilateral, onde só os seus interesses devam prevalecer perante o juiz, como ainda assegurou Andrioli (obra citada, pág. 328).
O litigante é responsável pelos prejuízos que causar, além de despesas e honorários, aplicando cumulativamente multa superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e quando irrisório, podendo chegar até dez vezes o salário mínimo, fixado pelo juízo competente ao funcionamento do judiciário.
Lembrou Jean Silvestre (O abuso processual da parte frente à litigância de má-fé), à luz da obra de Gazdovich, que o litigante é responsável pelos prejuízos que causar, além de despesas e honorários, aplicando cumulativamente multa superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e quando irrisório, podendo chegar até dez vezes o salário mínimo, fixado pelo juízo competente ao funcionamento do judiciário.
A partir daí vem a aplicação da multa, vista como pena no processo civil.
Arruda Alvim (Tratado de Direito Processual Civil, 2ª edição, volume II, 1996, pág. 647) ensinou:
“Sanção pecuniária prevista em lei, aplicada pelo Estado-juiz de ofício ou a requerimento, contra qualquer sujeito que participe do processo em virtude da inobservância dos deveres processuais”, como “consequência de ordem pecuniária, decorrentes do inadimplemento, com má-fé, de determinados deveres expressos nestes artigos e em outros do Código.”
Assim, quando a conduta no processo estiver coadunada com alguma das hipóteses do art. 80, tendo em vista a expressa previsão legal, será condenado nos efeitos previstos no art. 81 (multa de 1 a 10%). Trata-se de uma indenização com caráter sancionatório.
O art. 79 do CPC diz que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé”. Correspondem à responsabilidade subjetiva, dependendo da comprovação do ato (litigância de má-fé), os danos que a parte sofreu (quantificação e liquidação destes danos) e o nexo causal (se os danos que foram suportados possuem origem na litigância de má-fé) e isso são feito em ação autônoma de indenização pelos danos acarretados.
O § 3º do art. 81 do Novo CPC revogou tacitamente o teto existente para o valor da indenização, onde é cumulada a reparação juntamente com a sanção, onde o código anterior que estabelecia o limite do valor de 20% (vinte por cento) da causa, como bem lembrou Jean Silvestre (obra citada).
IV – CONSEQUÊNCIAS
Além das apenações de natureza processual cabe acrescentar as punições em face da agressão nítida da democracia, de sorte a devida investigação, pois esse ato se insere no desenrolar de atos golpistas que não reconhecem a derrota do atual presidente nas recentes eleições.
O procedimento é igual ao de Donald Trump, que é o modelo autocrático para o atual governante.
Bem acentuou o site da Carta Capital, em 23/11/22:
“Bolsonaro imita o republicano Donald Trump, que diz até hoje que a vitória do democrata Joe Biden foi roubada, resume a imprensa francesa, acrescentando que a tentativa de melar a eleição no Brasil, assim como nos Estados Unidos, não deve dar em nada…”
Como disse Vera Magalhães, em artigo para O Globo, em 23/11/2022 “,é preciso que Valdemar Costa Neto, os responsáveis pela “auditoria” sem parâmetros técnicos e os ideólogos dessa farsa sejam incluídos no inquérito das fake news, o único instrumento de que a democracia brasileira dispõe no momento para fazer frente a um avanço orquestrado, violento e que conta com entusiastas instalados em instituições de Estado, das Forças Armadas ao Executivo, passando pelos órgãos de controle.”
A resposta do Tribunal Superior Eleitoral a essa tentativa de ultraje à democracia somente poderia ser uma.
O ministro Alexandre Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou no dia 23.11.22, o pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, para anular parte dos votos no segundo turno das eleições. O ministro ainda condenou a legenda a pagar uma multa de R$ 22,9 milhões por “má-fé”.
O ministro Moraes também determinou o bloqueio imediato dos fundos partidários da coligação bolsonarista até o pagamento da multa.
“Os partidos políticos, financiados basicamente por recursos públicos, são autônomos e instrumentos da democracia, sendo inconcebível e inconstitucional que sejam utilizados para satisfação de interesses pessoais antidemocráticos e atentatórios ao Estado de Direito”, escreveu.
* É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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