Cláudio Palheta*, especial para o Blog do Barreto.
A Boa Vista é, sem dúvidas, um dos bairros mais tradicionais e antigos de Mossoró. Conhecida pelas ruazinhas estreitas (e um tanto confusas), mas também pela efervescência cultural dos barzinhos e praças, a localidade tem tudo a ver com nosso personagem.
Foi pelas ruas da Boa Vista que caminhamos em busca de Yonaes Infante Rodrigues, o Doutor Cubano, médico de 43 anos, vereador eleito da Câmara Municipal de Mossoró e sensação neste período eleitoral. Com 1.515 votos ele surpreendeu até os analistas políticos mais competentes, superou alguns “figurões” da política local e se tornou o primeiro estrangeiro a vencer um pleito na história do Rio Grande do Norte.
A tarefa de encontrar Infante não foi difícil: todos que nos deram informações sempre o fizeram com um largo sorriso no rosto e a sensação de que falávamos de um amigo em comum. Dr. Cubano é quase uma unanimidade nas ruas do bairro.
Nosso bate-papo começou com um importante aviso: “Por favor, vamos chamá-lo de Dr. Cubano, esse é o nome que está na boca do povo”, disse uma das assessoras presentes, pedindo para esquecermos o “cubanesco” nome Yonaes Infante. A conversa foi filmada (e talvez transmitida) na íntegra pela equipe do vereador eleito.
Dr. Cubano nos recebeu com largo sorriso no rosto e mostrou os portões de sua casa sempre abertos, lembrando que mesmo antes de pensar em se tornar vereador, já recebia os vizinhos e amigos para um café na varanda e uma consulta informal.
É surpreendente a aconchegante e arborizada casa do médico, que em nada se assemelha com as mansões da grande maioria de seus colegas de profissão em Mossoró. Também chama a atenção o paredão (que descobrimos ser emprestado) estacionado na garagem. O veículo foi peça chave nas passeatas realizadas pelo Cubano em todos os bairros da cidade e que lhe garantiram a vitória no pleito municipal.
Chegada a Mossoró foi por meio do Programa Mais Médicos
Dr. Cubano fala com carinho do Brasil e do povo brasileiro. Hoje ele se considera um “brasileiro de sangue” (e legalmente já é um compatriota, uma vez que possui cidadania brasileira). Segundo ele, a paixão pelo país foi instigada pela boa impressão levada pelas novelas que chegavam a Cuba.
“O Rio de Janeiro era a imagem que eu tinha cristalizada na mente de como seria o Brasil. Depois que cheguei a Recife, fui informado que ia morar em Mossoró, fui pesquisar e fiquei sabendo que era uma terra quente, rica em petróleo. Descobri que quem toma a água de Mossoró não quer mais sair daqui e tenho a impressão que me joguei no poço dessa cidade. Sou mossoroense!”, narra divertidamente o cubano que hoje mora com sua mãe e seu filho na cidade.
Ele chegou em solo brasileiro em 2014, trazido pelo Programa Mais Médicos, dos Governos de Lula e Dilma (PT), que viabilizou a vinda de médicos cubanos e teve como objetivo diminuir a carência de profissionais, fortalecer os serviços de atenção básica, aprimorar a formação médica no país e ampliar a inserção dos médicos em formação nas unidades do SUS.
“Vim para o Brasil em 2014, pelo Programa Mais Médico. Cheguei e logo fui trabalhar na UBS da Boa Vista. Foi meu trabalho lá que me deu projeção e me aproximou das pessoas de Mossoró”, conta Dr. Cubano
O médico destaca que o jeito irreverente e humanizado foi seu diferencial e trouxe à Boa Vista um público de diversos bairros buscando por atendimento. “Eu sempre dizia – quem precisar de mim pode vir que eu atendo. Não existe área, existe Mossoró, existe o povo brasileiro. Se você precisar de um médico, pode chegar”, relembra.
“Se era dia de atendimento do Dr. Cubano a UBS lotava”. Essa é a máxima reconhecida pelos populares da Boa Vista, que viram no médico uma possibilidade para consultas em casos mais complexos, mas também em demandas mais simples (muitas vezes emperradas pela burocracia e precarização do serviço), como a liberação de uma simples receita ou uma avaliação pós-procedimento.
Governo Bolsonaro “desqualificou” Dr. Cubano, que foi trabalhar como balconista em farmácia
Entre 2018 e 2019 o inescrupuloso Governo de Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje no PL) iniciou sua cruzada ideológica e um dos principais alvos foi o Programa Mais Médicos, desmontado e substituído pelo pífio Programa Médicos pelo Brasil. O objetivo de Bolsonaro era romper qualquer laço diplomático com o Governo de Cuba e a decisão atingiu diretamente o Dr. Cubano, que precisou decidir se ficaria no Brasil ou se voltaria para sua terra natal, em especial porque seu diploma não era mais considerado válido aqui e ele não poderia clinicar.
Em uma inesperada decisão, Infante optou por ficar em Mossoró e para pagar as contas teve de trabalhar como balconista em uma farmácia. Ele conta que o período foi de muito aprendizado e confessa que o balcão da farmácia começou a ficar lotado de clientes ávidos por sugestões e conselhos do profissional.
“Aprendi muito na farmácia e tive a oportunidade de ajudar as pessoas levando meu conhecimento como médico. As pessoas diziam – Vá lá, tem um Dr. Cubano, ele pode lhe ajudar – e a farmácia vivia lotada. Todo trabalho na vida tem seu valor e sou muito grato pela experiência que tive”, comenta.
Durante o papo, Dr. Cubano fez questão de reforçar a importância que dá a valores como o amor, a fé e a alegria. Perguntado se guardava alguma mágoa do Governo de Bolsonaro e do período em quem trabalhou no balcão da farmácia ele garante que não.
“Isso de que nós não erámos médicos foi cultivado na cabeça das pessoas para que elas espalhassem com mentiras. Mas nosso trabalho provou às pessoas todo nosso valor e competência. Garanto que não tenho nenhuma mágoa do que foi feito conosco, não sou eu quem dá perdão a ninguém, quem faz isso é deus. O que eu posso oferecer às pessoas é amor, mesmo quando me oferecem ódio”, comenta, finalizando o assunto.
“Não recebi parabéns de ninguém do meu partido”
Podemos aferir, pelo tempo dedicado à produção desse material, que uma das principais características de Dr. Cubano é a sinceridade e irreverência em temas que normalmente seriam tratados com total melindre por políticos mais experimentados. Talvez os próximos anos na Câmara mudem a personalidade do médico. Esperamos que não.
Ele é sincero e comprovou clareza política ao admitir que escolheu o PSDB para ser seu partido a partir de um cálculo bem feito de quantos votos precisaria pra entrar e do suporte que receberia dentro de uma legenda. Para Infante, o partido é menos relevante do que as ações individuais do candidato e elas é que deveriam ser levadas em consideração pelos eleitores.
“O PSDB me acolheu, mas praticamente não tivemos nenhum apoio na campanha. Nosso trabalho foi feito de porta em porta. Acreditei que teríamos bem mais recurso, mas não chegou praticamente nenhum”, conta.
O cubano confessa que se sentiu subestimado, em especial pela cúpula do PSDB local.
“Quando começamos essa campanha eu comecei a aparecer nas pesquisas e vi que tinha chance de ganhar. Mas fui subestimado sim, especialmente pelo partido. Sem recurso, sem ajuda de ninguém, só dos meus apoiadores cotidianos, conseguimos vencer”, afirma.
Ele relembra com certa chateação que até o momento de nossa entrevista (realizada na última quarta-feira, dia 9) ainda não havia recebido nenhum telefonema de parabenização ou agradecimento pelas principais figuras do partido (incluindo o candidato à Prefeito, Lawrence Amorim e o presidente estadual da legenda, que também é Presidente da AL/RN, Ezequiel Ferreira).
“Eu não era o preferido do partido para entrar. Elas não queriam que fosse eu”, desabafa o cubano.
Allyson foi um bom prefeito para Mossoró, mas a saúde precisa melhorar
Questionado sobre a gestão do Prefeito Allyson Bezerra (UB), que nestas eleições foi adversário de Lawrence Amorim, candidato de seu partido, Doutor Cubano ri mas não foge da pergunta: “Até agora ele tem melhorado muito Mossoró. Sobre a saúde eu reclamo, ainda está precária, tem que melhorar muito. Mas ele faz um bom trabalho sim” crava.
Sobre seu futuro na Câmara, Dr. Cubano destaca que a saúde será a prioridade e que o Governo do Estado e Federal serão procurados para parcerias e apoio.
“Quero levar as lutas saúde para Câmara de Mossoró. Olhar diretamente para as UPAS, as UBS, o Hospital Tarcísio Maia. Quero bater à porta do Governo Estadual, do Governo Federal, para mostrar os problemas da saúde da cidade. Mossoró é o segundo maior município do estado, está entre duas capitais, e deveria ter uma maior visibilidade e cuidado”, destaca.
Cubano sim, comunista não!
Uma das principais dúvidas levantadas desde a eleição de Dr. Cubano seria sobre uma possível relação do médico com o partido e o movimento comunista vigente na ilha da América Central desde 1959.
Perguntado sobre o comunismo, Dr. Cubano demonstra um imediato desconforto, mas não tergiversa: nasceu em Cuba, mas não se considera comunista. Mesmo com a negativa ao modelo revolucionário, o médico também não disfarça a tendência a posições mais progressistas.
“Eu sempre digo para as pessoas que não existem partidos. Existem pessoas! O que importa é o que você faz da sua vida em prol da sociedade e quem define isso não é o partido. Para fazer o bem para as pessoas, não importa se você é de direita ou esquerda”, conclui.
Projeto coletivo e construído por várias mãos
Dr. Cubano garante que sua eleição foi fruto de um trabalho realizado por muitas mãos e pensando cabeças. Dentre elas, é impossível não destacar a do empresário Aldo Arrais, que já havia sido candidato a vereador (sem sucesso, mas com votações consideráveis) duas vezes e optou por não tentar uma terceira vez e apoiar e coordenar a campanha do cubano.
O coordenador, que acompanhou de perto o papo que tivemos com o vereador eleito, explicou que o cálculo para a eleição do cubano levou em consideração seus votos em pleitos anteriores, o destaque conseguido pela atuação do médico e um trabalho coletivo e árduo durante a campanha.
“Em outras campanhas eu atingi a casa dos 650 votos, mas por falta de apoio de mais gente dentro da campanha acabei não entrando. Dessa vez decidimos apostar no nome do Dr., em um primeiro momento até pensamos na possibilidade de um mandato coletivo entre eu e ele, mas avaliamos que ele era mais conhecido junto à população e precisava de alguém para pensar e coordenar suas atividades. Quando as primeiras pesquisas começaram a aparecer eu tive certeza que ele ia ser eleito, mesmo contra a análise de alguns que achavam que os políticos mais tradicionais o venceriam na reta final”, narrou Aldo.
*Agradecimentos especiais à equipe de comunicação da ADUERN, que deu suporte na construção do material e à diretoria da entidade que garantiu materialmente a produção da reportagem.