Por Pedro Lúcio Góis*
A transição energética, embora pareça um objetivo unânime, revela uma complexidade de visões e interesses divergentes. As propostas atualmente debatidas, longe de serem consensuais, desenham futuros contrastantes para nossas cidades e sociedades.
Tive essa reflexão ao iniciar a leitura do livro “Estrada para lugar nenhum”, de Paris Marx, recentemente lançado pela Editora Ubu, um livro que recomendo a leitura. Marx traça um panorama histórico das cidades projetadas para o automóvel e da ideologia tecnoutópica predominante no Vale do Silício, criticando as propostas da indústria tecnológica para o futuro da mobilidade urbana.
Dito isso, vamos imaginar, breve e superficialmente, dois modelos para o futuro dos transportes e das cidades, fazendo um exercício imaginativo, mas com base na realidade. O primeiro modelo, característico do neoliberalismo, é defendido pelas grandes empresas de tecnologia. Nesse cenário idealizado, cada habitante do planeta teria um carro elétrico, circulando em rodovias inteligentes e autodirigíveis. Sem dúvidas, esse modelo reduziria as emissões de gases de efeito estufa em comparação aos veículos a combustão, além de ser um modelo individualmente mais confortável para a ideologia carro-centrada dominante, mas obviamente esbarra na realidade de desigualdade social, em que poucos teriam condições de ter um carro elétrico, do impacto ambiental com o descarte de baterias, do consumo de recursos minerais finitos e que tem grandes impactos ambientais na sua extração, além de várias outras questões que, por mais óbvias que sejam, não impedem que esse tipo de modelo esteja em consideração, especialmente por contar com a força de um lobby poderoso e multibilionário.
Em contraponto, existe um modelo que visa criar cidades mais humanas e sustentáveis, com foco em pedestrais, ciclovias e transporte público eficiente. Essa proposta, amplamente defendida por diversos grupos da sociedade, busca reduzir a poluição, melhorar a qualidade de vida e promover a inclusão social. Esse é um modelo que reduziria ainda mais as emissões de gases de efeito estufa que o anterior, mas iria além, reduzindo a poluição sonora, aumentando a eficiência energética, reduzindo o risco de acidentes, estimulando o exercício físico, possibilitando maior acesso a serviços e oportunidades para todos, mas esbarra em dois grandes problemas: a necessária alteração da ideologia dominante em que o carro é, ao mesmo tempo, um hábito e um sonho de consumo, e o lobby das empresas de tecnologia que querem garantir sua fatia de mercado e farão de tudo para isso. E para superar esses dois desafios, é necessário romper com a ideologia neoliberal, individualista e competitiva.
Em última análise, o modelo de transição energética não é uma questão técnica, mas uma escolha da sociedade que irá moldar nossas cidades, nossa economia e o futuro do planeta e da humanidade. Por óbvio, no mundo real, um modelo não necessariamente exclui o outro, podendo coexistir em alguma medida, e a saída em última instância deverá ser tomada a partir da participação ativa de todos os setores da sociedade: governos, empresas, universidades, movimentos sociais e cidadãos através da colaboração e do diálogo.
*É dirigente do Sindpetro
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