Por Bernardo Melo Franco
A certa altura, pareceu que Donald Trump ficaria no poder para sempre. O bilionário transformou a presidência dos Estados Unidos num palco de autopromoção permanente. Com sua oratória agressiva, ele eletrizou as redes sociais, dominou o noticiário e impôs a mentira como arma política. Inspirou uma onda reacionária que varreu democracias em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Deslumbrado, o republicano chegou a anunciar que não se limitaria a buscar o segundo mandato. Já planejava o terceiro, o que exigiria rasgar a Constituição americana. Ontem o projeto autocrático foi interrompido pela vitória de Joe Biden. Trump ainda deve espernear por algum tempo, mas terá que deixar a Casa Branca.
A derrota do ídolo de Jair Bolsonaro pode ensinar algumas lições para o Brasil. A primeira: o populismo de direita não é imbatível. O discurso do ódio atrai votos, mas não resolve problemas concretos dos eleitores. Com o tempo, a realidade se impõe ao obscurantismo. Líderes que insistiram em negar a ciência, como Trump, foram atropelados pela pandemia.
Segunda lição: no confronto com um extremista, é preciso apostar na discussão de valores. Biden tem pouco carisma, mas cresceu ao se apresentar como antítese do rival. Conseguiu transformar a eleição num plebiscito sobre a democracia e a decência que se espera de um governante.
No último debate, o democrata se diferenciou ao mostrar solidariedade com as vítimas da Covid e do racismo. “Vocês sabem quem eu sou, e vocês sabem quem ele é”, disse, olhando para a câmera. “O caráter do país está em jogo. Nosso caráter está em jogo”, reforçou. Essa estratégia depende da realização de debates, que Bolsonaro boicotou em 2018.
A terceira lição está ligada à escolha do candidato. Biden já havia fracassado em duas tentativas de disputar a Presidência. No início da terceira, chegou a ser visto como carta fora do baralho. Moderado e conciliador, ele convenceu os democratas de que tinha o melhor perfil para derrotar Trump. Progressistas como Bernie Sanders e Elizabeth Warren deixaram a disputa para apoiá-lo. A vice Kamala Harris acrescentou diversidade e energia à chapa.
O sistema político brasileiro é muito diferente do americano, mas quem tem planos para o Brasil de 2022 precisará refletir sobre os EUA de 2020. “A vitória de Biden é uma vitória de frente ampla”, afirma o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Ele sustenta que a esquerda só derrotará Bolsonaro se conseguir atrair forças de centro. “Quem não fizer isso não ganhará a eleição”, sentencia.
Na centro-direita, o triunfo democrata empolgou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “Biden é defensor da democracia e dos direitos humanos, e o Brasil tem falhado nos dois campos. A derrota de Trump mostra que os grandes absurdos têm um fim”, diz o tucano, que apoiou Bolsonaro em 2018 e hoje é inimigo do capitão.
O ex-presidenciável Fernando Haddad (PT) considera que a discussão de estratégia eleitoral ainda é prematura. Mesmo assim, ele festejou um efeito da derrota de Trump sobre o país. “Agora o Bolsonaro é um cachorro que caiu do caminhão de mudança”, ironizou.
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