Um caso concreto envolvendo a anulação de processo criminal e a prescrição

Lula será beneficiado pela prescrição caso decisão de Fachin seja mantida pelo plenário do STF (Foto: divulgação)

Por Rogério Tadeu Romano*

Os Crimes de corrupção ativa e passiva e de lavagem de dinheiro, imputados ao ex-presidente Lula em diferentes processos pela Lava-Jato de Curitiba, prescrevem normalmente em 16 anos, de acordo com o Código Penal. No caso de réus que têm 70 anos ou mais no momento da sentença, o prazo cai pela metade. Hoje, Lula tem 75 anos.

Observo o que diz o Código Penal:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I -em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II -em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III -em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;IV -em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V -em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI -em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – pela pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III – pela decisão confirmatória da pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV – pela sentença condenatória recorrível; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(Revogado)

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).

V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(Revogado)

V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

VI – pela reincidência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(Revogado)

VI – pela reincidência. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

§ 1º – Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 2º – Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Como revela Júlio Fabbrini Mirabete a prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso de tempo.

A prescrição, tema de direito penal, é matéria de ordem pública, podendo ser objeto de pronunciamento judicial, em qualquer tempo: no inquérito, na ação penal, na primeira ou outra superior instância.

extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva prejudica o exame do mérito da apelação criminal (Súmula 241 do extinto TFR).

No passado, decidiu o Supremo Tribunal Federal que ¨a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva acarreta a proibição de fornecimento de certidões e de menção do fato na folha de antecedentes, salvo requisição de juiz criminal, tal como acontece na reabilitação¨(CPP, art. 748).

Na contagem do ano em matéria penal devem-se considerar dois princípios que são determinados, no artigo 10 do CP: o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo prescricional; contam-se os anos pelo calendário comum.

O artigo 109, caput, disciplina a chamada prescrição antes de transitar em julgado a sentença final. É a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença e cujo prazo tem como base de cálculo o máximo da pena cominada no crime.

Por sua vez, os prazos referentes à prescrição da pretensão executória estão previstos no artigo 110 do Código Penal, no que concerne à prescrição depois de transitada em julgado a sentença condenatória. Tal ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a acusação e cujo prazo tem por base de cálculo a pena aplicada.

Constituição Federal, em seu artigo , contém dois casos em que a pretensão executória não é alcançada pelo decurso do prazo prescricional: crime de racismo (artigo XLII); ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inciso XLIX).

As causas de aumento e de diminuição da pena, previstos na Parte Geral ou na Parte Especial do Código Penal, alteram o prazo prescricional da pretensão punitiva. Por outro lado, as circunstâncias legais genéricas, sejam agravantes (artigos 61 e 62) e atenuantes (artigo 65), não são consideradas na fixação do prazo prescricional da pretensão punitiva.

São reduzidos de metade os prazos da prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos (artigo 115 do CP).

O artigo 111 do CP dispõe sobre o início do prazo da pretensão punitiva. Por sua vez, o termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível é fixado pelo artigo 112 do Código Penal.

As causas interruptivas da prescrição estão traçadas, taxativamente, no artigo 117 do Código Penal, já as de suspensão do prazo, no artigo 116 do Código Penal.

A teor do artigo 110§ 1º do Código Penal, a prescrição depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido o seu recurso, regula-se pela pena aplicada. É a chamada prescrição intercorrente, que é, na verdade, prescrição da pretensão punitiva.

Por outro lado, por suas razões óbvias, corretos estão o Supremo Tribunal Federal (RE 602.527, QO/RS, Relator Ministro Cézar Peluso, 19.11.2009) e o Superior Tribunal de Justiça, ao não reconhecerem a aplicação da chamada prescrição virtual, como se lê da Súmula 438 do STJ, sob o fundamento em pena hipotética, independente da existência ou sorte no processo. Tal instituto não está previsto em lei penal.

No cálculo da pretensão punitiva, temos o seguinte: no concurso material (artigo 69), cada crime, considerados os termos iniciais próprios, tem o seu respectivo prazo; no concurso formal (artigo 70), cada delito componente conserva a sua autonomia; no crime continuado (artigo 71), o prazo prescricional da pretensão punitiva é regulado pelo máximo da pena detentiva de cada delito parcelar, considerado isoladamente, desprezando-se o acréscimo penal cominado.

Nos termos do artigo 108, primeira parte, Código Penal, no que concerne a pretensão punitiva e crime complexo, aplica-se: a prescrição da pretensão punitiva no tocante a crime que funciona como elemento típico de outro não se estende a este; a prescrição da pretensão punitiva em relação a crime que funciona como circunstância qualificadora de outro não se estende a este. Ainda, nos crimes conexos, a pena de cada infração regula o prazo prescricional respectivo, considerada isoladamente (CP, art. 108, segunda parte).

No concurso material reconhecido pela sentença condenatória, a pena de cada infração penal, regula o respectivo prazo prescricional, considerado isoladamente (artigo 119). No concurso formal, a pena imposta regula o respectivo prazo prescricional, cumprindo ser desprezado o acréscimo (artigo 70 CP) . Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação (Súmula 497 STF).

Citando Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, 17ª edição) dir-se-á que embora no julgamento de ação penal, que reconheça causa de extinção da punibilidade pela prescrição, não haja apreciação do mérito, não se examine a ocorrência efetiva do fato, nem se o réu seria realmente o seu autor, tal decisão estará solucionando a pretensão penal, no ponto em que se afirma expressamente a ausência do interesse estatal na punibilidade do delito, ainda que acaso existente. Fará coisa julgada material e formal, não se admitindo falar em revisão criminal.

Nesse sentido: STJ, RHC 6.488, 6.ª Turma, j. 11/12/1997, DJU, 23 mar. 1998, p. 169. É forçoso convir que a tese esposada tem fundamento, posto que sendo a sentença condenatória anulada é como se não existisse nenhum ato por parte do Poder Judiciário, haja vista que a referida decisão estava eivada de um vício formal que gerou a anulação do julgado.

Não há que se falar em interrupção da prescrição punitiva, posto que o ato foi nulo, ou seja, é como se não existisse no mundo jurídico, não tendo, destarte, força para interromper o prazo prescricional.

Disse Julio Fabrini Mirabete, in Manual de Direito Penal, Vol. 1ª, aduz que “A sentença anulada, por não produzir efeitos, não interrompe a prescrição.ª citando, ainda, em notas de rodapé os seguintes julgados que no sentido de sua tese: RTJ 467/446, 474/305, 479/379, 491/294, 537/364; RJTJESP 42/346, JTACrSP 27//398; RTJ 61/336, 59/794.

Cezar Roberto Bitencourt, em sua “Tratado de direito Penal Ä Parte geral, Vol. 1, 8.ª edição. 2003. Editora Saraiva”, na mesma linha dos demais mestres afirma que “a Sentença anulada, a exemplo de outros marcos interruptivos, por não gerarem efeitos, não interrompem a prescrição, pois é como se não existissem.”

Ainda aponto que no que concerne a declaração de incompetência absoluta da 13ª Vara de Curitiba para instruir e julgar as acusações contra Lula que envolvam a Petrobras, atos poderão ser convalidados por outro juízo, já que a competência, como pressuposto processual de validade envolve o juízo não o juiz. Já uma declaração de suspeição do ex-juiz Moro no caso do Triplex do Guarujá envolve o juiz, quanto ao pressuposto processual da imparcialidade necessária. Se isso acontecer esses atos por ele praticados sequer poderão ser convalidados, pois nulos de pleno direito.

Em síntese, com a anulação das condenações contra o ex-presidente Lula exaradas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, não  há que falar em hipótese de interrupção do prazo prescricional da pretensão penal condenatória.

No caso em tela o ex-presidente Lula terá a contagem da prescrição contada a seu favor pela metade.

Qualquer crime que for atribuído ao ex-presidente cuja data do fato esteja a partir da data do fato incluído no prazo de 8 anos tem a incidência da prescrição da pretensão punitiva, matéria prejudicial ao julgamento do mérito.

Como a anulação se faz até o recebimento da denúncia, que é um dos fatores interruptivos da prescrição, agora a prescrição pode ter ocorrido, pois vai ser contada do fato até o dia de hoje. Portanto, tendo Lula mais de 70 anos, a prescrição pela metade, evidentemente pode-se dizer que os fatos estão prescritos.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto