Um caso de abandono de mandato parlamentar

Foto: reprodução/Youtube

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo a reportagem do Estadão, em 19.3.24:

“O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pediu ontem licença do mandato na Câmara dos Deputados para viver nos Estados Unidos, onde pretende “buscar sanções aos violadores dos direitos humanos”. Em postagem publicada nas redes sociais, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse ser alvo de perseguição, criticou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e chamou a Polícia Federal de “Gestapo”, a polícia secreta da Alemanha nazista.

“Irei me licenciar sem remuneração para que possa me dedicar integralmente e buscar sanções aos violadores de direitos humanos. Aqui, poderei focar em buscar as justas punições que Alexandre de Moraes e a sua Gestapo da Polícia Federal merecem”, afirmou ele, que está nos EUA desde o fim de fevereiro”.

Ainda ali se disse:

“Eduardo afirmou que sua decisão foi difícil, mas que era a melhor forma de “pressionar” Moraes, já que, na sua opinião, Jair Bolsonaro “está condenado”.

Será caso de abandono de mandato?

Há quem entenda que a cassação do parlamentar é matéria de reserva do Poder Legislativo, através do previsto em Regimento Interno da Casa, desde que autorizada pela Constituição.

Os casos do artigo 55, III, IV e V, são de simples extinção do mandato, de modo que a declaração pela Mesa da perda deste é meramente declaratória, envolvendo o mero reconhecimento da ocorrência do fato.

A  extinção do mandato do mandato do parlamentar incide nas hipóteses do Parlamentar deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Lei.

Dir-se-á que o caso envolve pedido de licença de mandato. Mas tal hipótese merece o correto enquadramento em norma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sob pena de entendimento que seja pelo abandono do mandato parlamentar.

A Câmara prevê quatro tipos de licença para os deputados: desempenhar missão temporária de caráter diplomático ou cultural; tratamento de saúde, tentar outro cargo eletivo ou tratar de interesse particular, desde que o afastamento não ultrapasse 120 dias por sessão legislativa. Também são previstas licenças maternidade e paternidade, garantidas em lei.

Tem-se o artigo 55, III, da CF:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

….

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

,,,

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução no 30, de 31.10.72) tratou dessa matéria no artigo 253: “Artigo 253 – Perde o mandato o deputado: III – que deixar de comparecer à terça parte das sessões ordinárias da Câmara, em cada sessão legislativa anual, salvo doença comprovada, licença ou omissão autorizada. $ 29- no caso do inciso III a representação poderá ser de inciativa de qualquer deputado, de partido político ou do primeiro suplente do partido e a perda do mandato será declarada pela Mesa, assegurada ao representado plena defesa, podendo a decisão ser objeto de apreciação judicial.

5º – a representação será encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça, que proferirá seu parecer em quinze sessões, concluindo: b- no caso do inciso III, pela procedência, ou não, đa representação. $ 98 -o parecer da Comissão de Constituição e Justiça, uma vez lido no expediente e publicado no Diário do Congresso Nacional é em Avulsos será: nos casos do inciso III encaminhado à Mesa para decisão”.

Trago a lição de J. Cretella Júnior (Comentários à Constituição de 1988, volume V, 2ª edição), quando explica a perda do mandato do parlamentar por falta de comparecimento às sessões ordinárias.

“A ausência ou falta de comparecimento às sessões da Câmara a que pertence o congressista constitui falta gravíssima, cuja consequência é a perda do mandato parlamentar.”

As sessões de que se fala seriam as ordinárias e as extraordinárias, certamente.

É incabível falar em licença de parlamentar para afastamento no exterior com intuito de promover campanha contra a democracia e as instituições brasileiras, a Constituição, quando jurou respeitar à época de sua posse no mandato.

Deve-se se dar, no entanto, ao parlamentar pleno direito de defesa diante de um eventual pedido de cassação, no caso de afastamento do mandato, fora da hipótese prevista para os casos de licença de parlamentar.

A esse respeito já se entendeu:

“CONSTITUCIONAL. DEPUTADO. PERDA DE MANDATO. NÃO COMPARECIMENTO AS SESSÕES DA CÂMARA . AMPLA DEFESA. C.F./88, ART . 55, III, PAR.3.. I. PERDA DE MANDATO DECLARADA DE OFICIO PELA MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, TENDO SIDO OBSERVADO O REQUISITO DA AMPLA DEFESA ( CF, ART. 55, III, PAR.3 .). II. MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.

(STF – MS: 20992 DF, Relator.: Min . MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/12/1990, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 23-04-1993 PP-06920 EMENT VOL-01700-01 PP-00173 RTJ VOL-00146-01 PP-00077).”

Foi dito, então, pelo relator:

“Quanto ao aspecto formal, o$ 3º reveste-se das características básicas das normas autoaplicáveis, destacadas pela doutrina clássica norte-americana, pois define as entidades, órgãos e autoridades legitimados para a instauração do procedimento e o órgão competente para a decisão e, por outro lado, não indica nem exige processo especial de sua execução. Enquadra-se, portanto, entre as normas de eficácia plena, que são, na definição de José Afonso da Silva, as que “estabelecem conduta jurídica positiva ou negativa com comando certo e definido, incrustando-se, predominantemente, entre as regras organizativas e limitativas dos poderes estatais, e podem conceituar-se como sendo aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular” (Aplicabilidade da Normas Constitucionais, 2a Edição, 1982, pagina 89). Resta saber se, no caso concreto, foi garantida a ampla defesa, exigida no mesmo $ 3º do artigo 55 da Constituição Federal. As peças do processo administrativo que acompanham as informações demonstram que o Requerente exerceu direito garantido no citado preceito constitucional, tendo oferecido defesa escrita, produzido prova documental requerido e obtido a oitiva de testemunhas, com a realização de diligência tendente à sua intimação para a audiência respectiva (folha 241-verso), sendo certo, ainda, que compareceu à reunião da Mesa, convocada para a decisão, fazendo defesa oral durante trinta minutos. Por outro lado, embora tenha considerado exíguo o prazo de cinco dias, o Requerente produziu todas as provas sobre os fatos reputados relevantes para a defesa, em seu intento de descaracterizar a infração prevista no artigo 55, inciso III da Lei Maior.”

Sem dúvida, deve ser caso de representação perante a Casa apresentada por ente legitimado, no sentido de abandono de mandato diante dos fatos acima narrados.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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