Um crime contra a humanidade

Ilustração: Antonio Junião / Ponte Jornalismo

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Informou o site de notícias do Jornal do Brasil, em 22.01.2023:

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva compartilhou neste domingo (22) impressões sobre sua viagem a Roraima neste sábado, para oferecer o suporte do governo federal a crianças Yanomami em situação de desnutrição. Ao citar medidas a serem tomadas para melhorar a situação, o chefe do Executivo disse que o que viu no Estado foi um “genocídio” cometido pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, declarou o presidente no Twitter. “Adultos com peso de crianças, crianças morrendo por desnutrição, malária, diarreia e outras doenças”, apontou. “Os poucos dados disponíveis indicam que ao menos 570 crianças menores de 5 anos perderam a vida no território Yanomami nos últimos 4 anos, com doenças que poderiam ser evitadas.”

Além do descaso e do abandono cometido pelo governo anterior, conforme pontuou, Lula disse que a principal causa do genocídio é a invasão de garimpeiros ilegais “cuja presença foi incentivada pelo ex-presidente”. “Os garimpeiros envenenam os rios com mercúrio, causando destruição e morte.”

O presidente citou algumas conversas que teve com lideranças e indígenas Yanomami na região, que destacam o garimpo ilegal na terra, falta de atendimento básico e de transporte. No sábado (21), durante a viagem, Lula prometeu acabar com o garimpo ilegal na região, além de enviar equipes de saúde e melhorar os serviços de transporte.

Seguindo na esteira das promessas, o petista disse que irá aumentar o número de voos e melhorar a pista de pouso nas comunidades para viabilizar a aterragem de aviões de grande porte. “E quero mudar a lógica atual: em vez das pessoas saírem de suas comunidades para buscar tratamento em Boa Vista, vamos levar equipes médicas permanentes”, prometeu. O presidente também declarou que não haverá mais genocídios.”

II – O CRIME DE GENOCÍDIO

Para o caso há genocídio e crime ambiental.

O genocídio, cuja expressão foi inventada por Lemkin, serviu para designar vários atos dirigidos intencionalmente à destruição de um grupo humano, como já se lia na Convenção de 9 de dezembro de 1948, artigo 2º.

No Brasil, a matéria é disciplinada pela Lei nº 2.289, de 1º de outubro de 1956.

Ali se dizia:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

  1. a) matar membros do grupo;
  2. b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
  3. c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
  4. d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
  5. e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;

Será punido:

Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;

Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;

Com as penas do art. 270, no caso da letra c;

Com as penas do art. 125, no caso da letra d;

Com as penas do art. 148, no caso da letra e;

Art. 2º Associarem-se mais de 3 (três) pessoas para prática dos crimes mencionados no artigo anterior: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena: Metade da cominada aos crimes ali previstos.

Art. 3º Incitar, direta e publicamente alguém a cometer qualquer dos crimes de que trata o art. 1º: (Vide Lei nº 7.960, de 1989)

Pena: Metade das penas ali cominadas.

  • 1º A pena pelo crime de incitação será a mesma de crime incitado, se este se consumar.
  • 2º A pena será aumentada de 1/3 (um terço), quando a incitação for cometida pela imprensa.

Art. 4º A pena será agravada de 1/3 (um terço), no caso dos arts. 1º, 2º e 3º, quando cometido o crime por governante ou funcionário público.

Art. 5º Será punida com 2/3 (dois terços) das respectivas penas a tentativa dos crimes definidos nesta lei.

Art. 6º Os crimes de que trata esta lei não serão considerados crimes políticos para efeitos de extradição.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

Sendo assim o genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.

O crime de genocídio é praticado mediante dolo específico consistente na destruição de um grupo humano.

Configura o genocídio ainda que um só seja a vítima, desde que atingido em caráter pessoal como membro de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como disse Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, parte especial, 7ª edição, pág. 85). O genocídio especifica crime autônomo contra bem jurídico coletivo, diverso dos ataques individuais que compõem as modalidades de sua execução.

A matéria está sujeita à Convenção Internacional, que foi ratificada pelo Brasil, tendo sido promulgada através do Decreto n 30.822, de 6 de maio de 1952, devendo o novo Código Penal revogar a Lei 2.889, de 1956, que trata da tipificação do crime de genocídio, incluindo como tipo o genocídio provocado por gênero, língua ou etnia.

O genocídio, que foi incluído no Código Penal de 1969, entre os crimes contra a pessoa, em orientação oriunda do anteprojeto Hungria, passa, em função dos estudos promovidos por comissão de juristas que formulou uma proposta de reforma do Código Penal, como crime contra a humanidade. A ele deverão ser somados outros crimes nessa categoria, tais como: escravidão, extermínio, tortura provocada contra um grupo de pessoas em razão dele, gravidez e esterilização, falando-se ainda na transgenerização forçada.

A inclusão do genocídio como crime contra a humanidade seguiu o modelo do Código iuguslavo, que o incluiu sob a rubrica ações puníveis contra a humanidade e o direito das gentes (artigo 124). Por sua vez, o projeto alemão de 1962 classificou esse crime num título especial: fatos puníveis contra a comunidade dos povos.

Não seguiu o Projeto do Código Penal pátrio o Código Penal alemão que foi introduzido em 1954, § 220, inserindo o genocídio entre os crimes contra a vida.

Devem as vítimas pertencer a determinado grupo nacional, étnico (que se refere a povo, como grupo biológico e culturalmente homogêneo) ou religioso, ou a determinada raça.

No Projeto do Código Penal, no artigo 459, há o tipo objetivo desse crime, que envolve a prática de condutas (matar alguém, ofender a integridade física ou mental de alguém, realizar qualquer ato com o fim de impedir ou dificultar um ou mais nascimentos, no seio de determinado grupo; submeter alguém a condição de vida desumana ou precária ou transferir, compulsoriamente, criança ou adolescente do grupo ao qual pertence para outro) com o propósito de destruir, total ou parcialmente, um grupo, em razão de sua nacionalidade, idade, idioma, origem étnica, racial ou social, deficiência, identidade de gênero ou orientação sexual, opinião política ou religiosa.

Como lecionou Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 85) não se trata, pois, de considerar a humanidade como bem jurídico, mas, sim, de identificar valores particularmente dignos de proteção jurídica no respeito humano de pessoas que integram certos grupos que de outros se destacam apenas por sua nacionalidade, raça ou religião.

A ação típica configura-se com a efetiva submissão de uma coletividade de pessoas integrantes de grupos, de qualquer forma ou através de qualquer meio, a condições capazes de causar a sua eliminação. Não se exige a superveniência desse resultado, bastando a criação de condições com potencialidade causal para produzir a morte de uma pluralidade de pessoas componentes de um grupo. Essa ação exige como elemento subjetivo o dolo específico.

O crime requer vontade consciente dirigida no sentido de matar, como ainda, e particularmente, o propósito de aniquilamento, no todo ou em parte, no grupo como tal.

Se a ação de matar não for praticada para destruir membros de determinado grupo nacional, étnico (povo, grupo biológico e culturalmente homogêneo) ou religioso como tais, o crime a identificar será apenas o de homicídio, simples ou qualificado, conforme o caso.

No Brasil, há exemplo recente com o massacre de Haximu, em Roraima, um massacre cometido por garimpeiros contra os índios ianomâmis.

No genocídio realizado, 12 (doze) pessoas foram mortas a tiros e mutiladas com facão. Pelo menos, 22 (vinte e dois) garimpeiros foram acusados de participar da execução dos indígenas.

Em 2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o crime foi um genocídio e manteve o genocídio, cuja expressão foi inventada por Lemkin, serviu para designar vários atos dirigidos intencionalmente à destruição de um grupo humano, como já se lia na Convenção de 9 de dezembro de 1948, artigo 2º.

Sendo assim o genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.

III – CRIME DE POLUIÇÃO

O crime de poluição, crime ambiental, como crime-obstáculo caracteriza-se por uma fase que precede o início de verdadeiras atividades poluentes. De outra parte, os crimes de perigo dão ênfase a uma fase sucessiva, que é do preparo ou do exercício de tal atividade. Longe estamos dos chamados crimes de dano.

Resumindo, diga-se que o crime obstáculo refere ás incriminações que antecipam a intervenção penal a momentos anteriores à realização do perigo imediato. São chamados de¨ delitos de perigo de perigo¨. Ora, tal instituto não é novo no direito pátrio: vejam-se os artigos 260, 261 e 262 onde se punem condutas que causam perigo direto e imediato ao meio de transporte. Por sua vez, no artigo 264 do Código Penal, o legislador antecipou a tutela penal e pune não o perigo direto e imediato, senão o próprio arremesso de projétil, ainda que não tenha ocorrido perigo concreto para o meio de transporte, como já afirmou Luiz Flávio Gomes (Direito Penal, parte geral, volume II, São Paulo, RT, 2007, pág. 532).

Tem-se o crime de poluição da Lei de Crimes Ambientais(Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998):

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Trata-se de crime de perigo, permanente.

Vem a pergunta: O que é poluição? O artigo 1º da Lei Belga de 26 de março de 1971, qualifica como tal qualquer contribuição da atividade humana que possa alterar a água em sua composição ou em sua qualidade, de modo a torná-la inidônea ao uso, ou de degradá-la.

Fábio Nusdeo (Desenvolvimento e ecologia, pág. 23) conceitua poluição como ¨a presença de elementos exógenos num determinado meio, de molde a lhe deteriorar a qualidade ou a lhe ocasionar perturbações, tornando-o inadequado a uma dada utilização”. Mas, já se entendeu que não se pune toda a emissão de poluentes, mas tão-somente aquela efetivamente danosa ou perigosa para a saúde humana, ou aquela que provoque o desaparecimento ou extermínio de animais, um desaparecimento significativo da flora.

No direito europeu, Gérard Mouvier (La pollution atmosphérique, pág. 10) afirma que apenas devem ser considerados como poluentes as substâncias presentes em concentrações bastantes para produzir um efeito mensurável sobre o homem, os animais, os vegetais ou os materiais. Poluição é degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem materiais ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Qualquer pessoa pode cometer o crime previsto no artigo 54 da Lei de crimes ambientais. Protege-se a saúde pública diante de crime de perigo.

Discutem-se as expressões utilizadas no caput do artigo 54.

De qualquer natureza abrange seja qualquer for a forma de poluição: atmosférica, hídrica, sonora, térmica, por resíduos sólidos, etc.

A expressão “em níveis tais”, deve ser interpretada como um certo quantitativo de forma a significar, de maneira expressiva, uma gravidade considerável para trazer lesão à saúde humana.

Faz-se imprescindível o exame pericial para efeito de prova. Vigora o sistema liberatório onde o juiz tem inteira liberdade para aceitar o rejeitar o laudo produzido pelos peritos. Isso porque vigendo o sistema da livre apreciação da prova, não está o juiz obrigado e adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo no todo ou em parte (artigo 182 do Código de Processo Penal). Aliás, esse exame pericial poderá servir para constatar o quantum de reparação a ser apurado, cujas condições a serem impostas pelo juiz relacionam-se a proteção ao meio ambiente.

O crime do artigo 54 pode ter modalidade culposa, envolvendo negligência, imperícia, imprudência, na forma prevista no parágrafo primeiro.

As modalidades qualificadas no crime previsto no artigo 54 estão inseridas nos parágrafos segundo e terceiro.

Uma empresa pode tornar imprópria área urbana ou rural para ocupação urbana, se atuando nas proximidades de um conjunto residencial abre um depósito clandestino de seus resíduos industriais, contaminando solo, subsolo, ar e água. Age ainda o agente, dentro da qualificadora prevista no artigo 54, parágrafo segundo, I, se contamina a população, lançando gases tóxicos como benzeno, metano, o clorobenzeno, dentre outros.

Contaminação, mister se diga, é a presença indesejável de materiais radioativos em pessoas, materiais, meios e locais. Por sua vez, a contaminação ambiental é a introdução, no meio ambiente, de agentes que afetam negativamente o ecossistema, provocando alterações na estrutura e funcionamento das comunidades (Lei 7.802, artigo 5º, de 11 de julho de 1989). A contaminação pode ser em superfície, externa ou interna.

Área urbana quer dizer um conjunto coerente e articulado de edificações multifuncionais e terrenos contíguos, desenvolvido segundo uma rede viária estruturante, podendo não dispor de toda a infraestrutura urbanística do aglomerado urbano (DL 448, de 29 de novembro de 1991, artigo 3º).

Poluição atmosférica quer dizer a introdução pelo homem na atmosfera, direta ou indiretamente, de poluentes atmosféricos. Já a poluição da água envolve alterações das propriedades físicas, químicas e biológicas de quaisquer águas, em consequência do despejo de quaisquer substâncias sólidas, liquidas ou gasosas, que produzam ou possam produzir condições nocivas ou ofensivas à saúde, à segurança ou bem estar público, ou tornam as águas inadequadas para o uso doméstico, agrícola, industrial, recreativo ou para fins justificados e úteis ou ainda prejudiciais à fauna e à flora (DLG 3063, de 29 de junho de 1973, cláusula primeira). A poluição sonora é a emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança ou ao bem-estar da coletividade ou transgrida as disposições fixadas em ato normativo (Decreto 8.185, de 7 de março de 1983, artigo 3º, I).

O que é resíduo sólido? Vem o conceito trazido por Paulo Afonso Leme Machado (Direito ambiental brasileiro, 7ª edição, São Paulo, Malheiros, 1998, pág. 462), quando diz que significa lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais e agrícolas e de atividades de comunidade, mas não inclui materiais sólidos ou dissolvidos nos esgotos domésticos ou outros significativos poluentes existentes nos recursos hídricos, tais como a lama, resíduos sólidos dissolvidos ou suspensos na água, encontrados nos efluentes industriais, e materiais dissolvidos nas correntes de irrigação ou outros poluentes comuns. A Lei 9.921, artigo 2º, de 27 de julho de 1993, fala de resíduos provenientes de: atividades industriais, atividades urbanas (doméstica e de limpeza urbana), comerciais, de serviços de saúde, rurais, de prestação de serviços e de extração de minerais; outros equipamentos e instalações de controle de poluição.

Resíduos são substâncias, materiais ou objetos dos quais o seu detentor se pretenda desfazer ou tenha a obrigação legal de se desfazer. Há resíduos perigosos, que são resíduos ou misturas de resíduos que em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade podem apresentar riscos à saúde pública, provocando ou contribuindo para um aumento da mortalidade ou incidência de doenças, apresentando efeitos adversos ao meio ambiente, quando manuseados ou dispostos de forma inadequada (ABNT – NBR 10004).

Discute-se a poluição hídrica. Esta não pode ser definida em relação a pureza das águas, mas, sim, em relação às alterações de suas características existentes após a ação humana que implique uma alteração substancial no ecossistema, a registrar como: a substituição da biota, desaparecimento da biocenose, de forma que a alteração das propriedades física, química, biológica, possam demandar uma diminuição da saúde do homem, morte de animais, devastação da flora.

Discute-se a pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a autorização, permissão, concessão ou licença ou em desacordo com a obtida, consoante o disposto no artigo 55. Trata-se de mais um crime de perigo, que exige a modalidade dolosa, como elemento subjetivo do tipo.

A pesquisa mineral compreende, entre outros, os seguintes trabalhos de campo e de laboratório: levantamentos geológicos pormenorizados de área a pesquisar, em escala conveniente, estudos dos afloramentos e suas correlações; levantamentos geofísicos e petroquímicos; abertura de escavações visíveis e execução de sondagens no corpo mineral; amostras sistemáticas, análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos de sondagens e ensaios de beneficiamento de minérios ou das substâncias minerais úteis, para obtenção de concentrados de acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento industrial (Decreto-lei 227/67, Código de Minas, artigo 14, parágrafo segundo).

Lavra, por sua vez, é o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração de substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas (Decreto-lei 227/67, Código de Minas, artigo 36). Autorização é ato administrativo, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta o exercício de certa atividade material, condicionada por lei à prévia aquiescência do Poder Público.

A licença é ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais considerados efetiva e potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental (Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, artigo 1º, II). Por fim, a permissão é, em princípio, discricionária e precária, mas admite condições e prazos para a exploração do serviço a fim de garantir rentabilidade e assegurar a recuperação do investimento do permissionário visando atrair a iniciativa privada, como ensinou Hely Lopes Meirelles (Direito municipal brasileiro, São Paulo, RT, 1977, pág. 461). A concessão é delegação contratual, a permissão e a autorização constituem delegações por ato unilateral da Administração; aquela, com maior formalidade e estabilidade para o serviço; esta, com mais simplicidade e precariedade na execução. A licença é ato precário e não vinculado, sujeito sempre às alterações ditadas pelo interesse público (Revista de direito ambiental, 1/200-203, janeiro-março de 1996). O entendimento jurisprudencial é de que a licença ambiental é ato precário e não vinculado, sujeito sempre às alterações ditadas pelo interesse público. Sua natureza aponta para a de autorização já que nesse caso necessita de renovação (artigo 10, § 1º).

O licenciamento ambiental, conforme os dispositivos legais, é dividido em três fases: a) licença prévia; b) licença para instalação; licença de operação. Durante o decorrer do processo de licenciamento há a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) e do seu respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA). A esse propósito, veja-se o que dispunha o artigo 19 do Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990.

Luiz Régis Prado (Crimes contra o ambiente, São Paulo, RT, pág. 154) considera que consuma-se o delito do artigo 56 da Lei de crimes ambientais com a efetiva produção, processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização, fornecimento, transporte, armazenamento, guarda, manutenção em depósito, uso ou abandono dos referidos produtos ou substâncias, mesmo que não ocorram danos ao meio ambiente. Cabe a tentativa. Ora, se trata de mais um crime de perigo abstrato.

Substância é elemento químico e seus compostos, quer no estado natural, quer produzidos industrialmente, contendo eventualmente qualquer aditivo necessário à sua colocação no mercado

A Lei 12.305, de 2010, dita que, nas mesmas penas incorre quem: abandona os produtos ou substâncias referidos no caput do artigo 56 ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança, manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da prevista em lei ou regulamento (norma penal em branco). Está aí, para lembrança, como triste exemplo, o acidente radiológico em Goiânia, ocorrido em 1987, considerado um dos maiores acidentes radiológicos do mundo, que somente só não foi maior do que aquele ocorrida em Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. O incidente teve início depois que dois jovens catadores de papel encontraram e abriram um aparelho contendo o elemento químico césio-137. A peça foi achada em um prédio abandonado, onde funcionava uma clínica desativada. Nunca se sabe o que vai se encontrar num lixo, lembrando-se que segundo dados o Brasil gasta cerca de setecentos e sessenta milhões de reais por ano para tratar de doenças decorrentes do lixo. Os mais afetados são catadores de materiais recicláveis e as populações que vivem às margens desses lixões. Deve se encarada, com seriedade, uma política de gestão de resíduos soídos. Fica a pergunta: Será que, até 2014, como previsto na Lei 12.305/10, todas as cidades terão eliminado os lixões, apresentando planos de gestão integrada de resíduos, aumentando a taxa de reciclagem, incluindo os catadores no processo?

Por sua vez, determina o parágrafo segundo do artigo 56, aumento da pena se o produto ou a substância forem nucleares ou radioativos, em um sexto a um terço. Combustível nuclear é o material capaz de produzir energia, mediante processo de autossustentação de fissão nuclear. Já os rejeitos radioativos são os materiais radioativos obtidos durante o processo de produção ou de utilização de combustíveis nucleares. Minério nuclear é substância encontrada na natureza com a qual são produzidos alguns combustíveis nucleares, como o urânio, o tório e outros. Energia nuclear é aquela que se desprende quando, numa reação nuclear, a soma das massas das partículas que reagem é maior que a soma das massas das que se produzem.

Há previsão de tipo culposo, para o crime previsto no artigo 56, consoante se lê do parágrafo terceiro, um crime de menor potencial ofensivo, que permite o direito ao agente de concessão de transação penal.

O artigo 58 da Lei de crimes ambientais estabelece causas de aumento de pena, para os crimes dolosos previstas naquela seção:

Disseminar significa espalhar, propagar, difundir. Doença é o processo que provoca a debilitação, o enfraquecimento, ou mesmo a superveniência de morte de plantas e animais, como na peste aftosa, peste suíno, lagarta dos cafezais. Praga é um surto maléfico e transeunte. Espécies são exemplares potencialmente lesivos como vírus, bactérias que são capazes de danificar a agricultura (plantações, campo cultivados), a pecuária (criação de gado), a fauna (conjunto de espécies animais de uma determinada localidade), a flora (acervo de vegetais pertencentes a uma região) ou os ecossistemas. Por sua vez, o ecossistema é a unidade fundamental da ecologia, constituído pelo conjunto de seres vivos que habitam uma área determinada (plantas, animais, microorganismos) e pelo ambiente (reunião de condições físico e químicas) que os acolhe. Os componentes biológicos do ecossistema recebem o nome de biocenose e são de natureza orgânica. Já os componentes físicos e químicos chamam-se de biótipo. Esses fatores bióticos e abióticos interagem de forma contínua, proporcionando um sistema dotado de relativo equilíbrio, chamado de ecossistema. Biota é o conjunto de todos os seres vivos de um determinado local, que difere de biosfera, massa total dos organismos constituintes de um dado nível trópico ou a massa viva animal e vegetal, que povoa, num determinado período, um volume de água definido ou uma superfície de solo delimitada (Lei 8.171, artigo 93, § 1º, de 17 de janeiro de 1991).

O caso ainda poderá ser objeto de apreciação pelo Tribunal Penal Internacional uma vez que se trata de crime contra a humanidade.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Reportagem especial

Canal Bruno Barreto