Um crime de epidemia? 

Bolsonaro estimulou espalhamento de patógenos (Foto: Joedson Alves)

Por Rogério Tadeu Romano*

O atual presidente da República afirmou no dia 17 de junho de 2021, segundo o Portal G1, durante transmissão ao vivo pela internet, que — para efeito de imunização contra a Covid — é mais eficaz contrair o vírus que se vacinar.

A fala de Bolsonaro remete à estratégia da chamada “imunidade de rebanho”, contestada por infectologistas e especialistas em saúde pública.

 A tese da imunidade de rebanho pressupõe a superação da pandemia por meio de um alto número de infectados, o que, supostamente, deixaria grande parcela da população imunizada. Só que essa estratégia, de acordo com especialistas, não funciona para a Covid. Muitas pessoas morreriam no processo. Além disso, quem já teve a doença pode ser reinfectado.

Ora, os estudiosos na matéria entendem que a imunidade coletiva deve ser possibilitada por meio da vacinação em massa.

Estamos diante um crime de epidemia que precisa ser objeto da devida atenção do atual procurador-geral da República.

Determina o artigo 267 do Código Penal:

Art. 267 – Causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.

Pena: Reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.

Parágrafo 1º: se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro

Parágrafo 2º: No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Epidemia, como explicou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 959) significa uma doença que acomete, em curto espaço de tempo e em determinado lugar, várias pessoas.

O objeto do crime é a incolumidade pública, considerando-se o perigo decorrente da difusão de epidemias, que põem em risco à saúde de indeterminado número de pessoas.

Trata-se de um crime de perigo para a incolumidade pública, perigo que se presume de forma absoluta. Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição, pág. 960) trata-se de crime de perigo comum concreto, mas há posição oposta, como a de Delmanto e outros (Código Penal Comentado, pág. 486), para quem é crime de perigo abstrato. Mas o tipo exige que o agente provoque alguma doença. No mesmo sentido da posição de Nucci, tem-se a lição de Luiz Régis Prado (Código Penal anotado, pág. 823).

Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, parte especial, volume II, 5º edição, pág. 199) vê também a existência no delito de epidemia de um crime de dano, já que a epidemia constitui em si mesmo evento lesivo da saúde pública.

De toda sorte, a presunção de perigo funda-se na possibilidade notável de difusão da moléstia.

O crime é comissivo e, de forma excepcional, omissivo impróprio ou comissivo por omissão, quando o agente tem o dever jurídico de evitar o resultado . Magalhães Noronha (Direito Penal, volume IV, pág. 5) e ainda Delmanto e outros (Código Penal Comentado, pág. 486) observam que pode haver um delito passivo de cometimento na forma omissiva: quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado.

O delito é instantâneo.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo é a coletividade.

O tipo objetivo do crime em discussão consiste em causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos. Está excluído o tipo penal se a propagação se der por qualquer outro meio.

O modo pelo qual a ação de propagar (espalhar, difundir, reproduzir) se pratica, é irrelevante.

Germes patogênicos, como dito na Exposição de Motivos ministerial do Código Penal Italiano, são todos os microrganismos (vírus, bacilos, protozoários), capazes de produzir uma moléstia infecciosa. São os micro-organismos capazes de gerar doenças, como os vírus e as bactérias, dentre outros.

O crime se consuma pela superveniência da epidemia que não se refere, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso, à luz das conclusões de Manzini, a qualquer moléstia infecciosa e contagiosa, mas somente àquela suscetível de difundir-se na população, pela fácil propagação de seus germes, de modo a atingir, ao mesmo tempo, grande número de pessoas, com caráter extraordinário. Deve se tratar de moléstia humana.

Diverso das epidemias são as endemias, que são moléstias que atingem determinadas regiões e que se devem a causas ambientais.

O tipo subjetivo é o dolo especifico, bastando o dolo eventual, de forma que o agente assuma o risco de produzir a epidemia.

O objeto material é o germe patogênico. O objeto jurídico do crime é a saúde pública.

Disseram bem Artur de Brito Gueiros Souza e Carlos Eduardo Japiassú(O novo coranavírus e o direito penal, in GEN JURÍDICO. COM. BR) que “o núcleo do tipo penal do art. 267, do CP, pressupõe que o agente “cause epidemia”. Causar quer dizer provocar ou produzir. A norma exige, portanto, para a caracterização do tipo um comportamento ativo. Contudo, como se verifica com os crimes de forma geral, é cabível a punição na forma de omissão imprópria, quando há a figura do garantidor na forma do art. 13, § 2o, do CP. É o que ocorre, v.g., com o diretor de um centro epidemiológico, garantidor das normas de biossegurança para a pesquisa com organismos potencialmente letais aos seres humanos que, ao sair do trabalho, deixa uma porta aberta por onde escapa um germe patogênico.”

Ora, o presidente da República, pelo exercício do mandato que ocupa, é o maior garantidor da saúde dos brasileiros.

Resultado Qualificador: De acordo com o parágrafo 1º do art. 267 do CP, se o fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro o resultado morte é imputado ao agente a título de culpa, na maioria das hipóteses, culpa consciente.

Modalidade Culposa: O tipo culposo se caracteriza pela inobservância do cuidado objetivo necessário, dando causa ao evento se da conduta culposa resulta morte, o crime é qualificado pelo resultado. O delito de epidemia é material.

Ação Penal: A ação penal é pública incondicionada.

Acentuo que o crime de epidemia com resultado morte é, sem dúvida, o mais grave indiciamento feito pela CPI da covid contra o atual presidente da República.

Deve ser lembrado que, há pouco tempo atrás, ex-integrantes da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentaram um pedido ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que ele ofereça denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Jair Bolsonaro pela conduta dele no enfrentamento da pandemia.

O documento afirma que há elementos de que Bolsonaro cometeu o crime de favorecer a disseminação de epidemia, previsto no Código Penal e cuja pena é de cinco a 15 anos de prisão.

Segundo o site Migalhas, os autores sustentam que as condutas de Bolsonaro, desde o início da pandemia da Covid-19, tipificam também o crime de epidemia, previsto no artigo 267 do Código Penal.

“O propósito do crime de epidemia, porque voltado à salvaguarda da saúde pública, é exatamente livrar a população de atitudes que aumentem a possibilidade de propagação de germes patogênicos.”

Conforme reportagem do site Migalhas, em 1 de fevereiro de 2021, uma segunda-feira, os requerentes receberam por e-mail a informação do arquivamento sumário do caso:

“Por ordem da chefia de gabinete do Procurador-Geral da República, por tratar-se de manifestação semelhante à protocolada anteriormente pelo mesmo cidadão e já encaminhada ao setor competente para análise, procede-se ao seu arquivamento sumário. Referência: Manifestação 20210008221 – PGR 00027876/2021.”

Fica a pergunta: O que fará o atual PGR com relação a esse grave indiciamento apresentado contra o presidente da República por uma CPI que atingiu  no país um imensa representatividade  e que discutiu, não apenas, sobre corrupção, mas sobre vidas perdidas durante uma pandemia que assolou o Brasil?

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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