Por Rogério Tadeu Romano*
Observo o que foi retratado no portal do jornal O Globo, em 6.9.24:
“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, para uma conversa nesta sexta-feira à tarde, após retornar de agendas em Goiânia (GO).
A organização Me Too Brasil afirma que recebeu denúncias de assédio sexual praticado pelo titular da pasta. Ele nega as acusações. Lula também vai se reunir com a ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), que teria sido um dos alvos de assédio. Procurada, ela não comentou. O caso será investigado pela Polícia Federal.”
O fato deve ser investigado em todas as suas circunstâncias de autoria a materialidade.
O assédio sexual (artigo 216 – A do CP)_ é forma de agressão, constituindo ainda um atentado à dignidade da mulher, falseando a relação de trabalho, pois sobrepõe a sexualidade ao papel de trabalhadora. E, por isso, se considera o assédio uma forma de discriminação no trabalho.
O crime de assédio sexual é formal, pois consuma-se com a conduta de constranger, independente de se obter ou não os favores sexuais pretendidos, sendo admissível a tentativa.
Constranger é forçar, compelir, compelir, obrigar.
Trata-se de crime próprio; formal; comissivo, sendo que especialmente pode ter a modalidade omissiva imprópria, instantâneo, pois a sua consumação não se prolonga com o tempo.
Observo o que disse a equipe LFG:
“Já no crime de importunação sexual é de suma importância para que ele se tipifique (de forma consumada ou tentada) que o ato libidinoso seja praticado com o fim específico de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, mas não há o emprego de violência ou da grave ameaça, como ocorre no estupro, por exemplo. Aqui se verifica mais um caso em que o dissenso ou consentimento (válido) da vítima é elemento essencial para a tipificação ou o afastamento da tipicidade da conduta. Se a vítima consente na prática do ato libidinoso não há crime.
Já o crime de assédio sexual definido no artigo 216-A do Código Penal, consiste no fato de o agente “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
O crime do artigo 216 – A assim como do artigo 215 – A do CP envolve forma dolosa. Não há forma culposa.
O crime em apreço trata-se de crime próprio com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo, visto que a lei exige uma relação hierárquica ou de ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, não podendo ser cometido por qualquer pessoa. O objeto jurídico protegido do crime de assédio sexual é a liberdade sexual, relacionada ao ambiente de trabalho, no sentido de a vítima não ser importunada por pessoas que se prevalecem da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência com a finalidade de obterem favorecimento sexual.”
O assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e “que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico – a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição -, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por danos físicos e morais”. (Paulo Viana de Albuquerque Jucá, O Assédio sexual como justa causa típica in LTR 61-02-175).
Disse Guilherme de Souza Nucci ( Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 875) que superior hierárquico “trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de mais autoridade na estrutura administrativa pública, civil, ou militar, que possui poder de mando sobre outros”. Repita-se o crime do artigo 216 – A é próprio. Por sua vez, ascendência, significa superioridade ou preponderância.
Como disse ainda Nucci (obra citada) “embora não se exija, no tipo penal, que exista uma ameaça grave, é preciso considerar que a obtenção de favor sexual do subordinado não deve prescindir de uma ameaça desse tipo de comprometer a tranquilidade da vítima, podendo ser de qualquer espécie – desemprego ou preterição na promoção.”
O crime do artigo 216 – A do CP envolve infundir temor ao empregado, pouco interessando se há justiça ou injusta na ameaça velada.
Disse bem sobre o tema, Luiza Nagib Eluf (O assédio sexual e a sua aplicabilidade, in Consultor Jurídico , em 29 de setembro de 2021):
“Embora a intenção dos (as) legisladores (as) tenha sido a melhor, tanto no caso do assédio sexual quanto no caso da contravenção transformada em crime de importunação as imprecisões acabaram por prejudicar a aplicabilidade das mencionadas figuras penais, acima de tudo a do artigo 216-A do CP.
No caso do assédio sexual, a cominação penal se confunde, em certa medida, com a importunação sexual. Ainda assim, há outros artigos previstos entre os crimes contra a dignidade sexual que acabam se adequando melhor à realidade do dia a dia do que o artigo 215-A do Código Penal, que começa dizendo “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual…”. É de se perguntar: constranger como? Quem “constrange” o faz para obter o quê? Constranger com o “intuito” de obter vantagem sexual seria o quê? Na Justiça do Trabalho essa figura penal acaba sendo mais utilizada do que na área criminal, mas a ideia inicial nunca foi essa. É certo que o intuito dos (as) legisladores (as) de 2001 foi criar um delito que impedisse os abusos ocorridos nos locais de trabalho, aproveitando-se o patrão de sua ascendência sobre as funcionárias. Porém, o mencionado crime, em sua redação, não exige que a conduta seja praticada no local de trabalho, diz apenas “prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Essa redação da lei acaba dificultando a aplicação da mencionada figura penal. Dentista tem ascendência sobre a paciente? Médico tem ascendência sobre clientes, ou esposas e filhas de clientes? Professor tem ascendência sobre a aluna? Podemos entender que sim, claro, mas a jurisprudência é titubeante. Há caso de absolvição sumária pelo Tribunal de Justiça de São Paulo porque a acusação não logrou comprovar a superioridade hierárquica como sendo eventual “ascendência”. O histórico do caso dizia “que o funcionário teria esfregado seus genitais contra as nádegas da estagiária formalmente subordinada a outro departamento”. Assim, não se logrou comprovar a “superioridade hierárquica” como “eventual ascendência” (TJ-SP. APR: 00115483201668260566. 9ª Câmara de Direito Criminal. Publicado em :02/12/2019). Ou seja, será preciso reescrever o crime de assédio sexual para que o dispositivo penal passe a proteger efetivamente as vítimas.”
Quanto ao modo, a professora e magistrada Alice Monteiro de Barros informa que são poucos os países que possuem um conceito jurídico de assédio sexual, sendo que esses conceitos destacam dois tipos de assédio sexual: assédio sexual por intimidação e o assédio sexual por chantagem.
O assédio sexual por intimidação, segundo a ilustre autora, mais genérico, caracteriza-se por incitações sexuais inoportunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho, como revelou Elizeu da Silva (O assédio sexual como justa causa típica).
O assédio sexual por chantagem” traduz exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios da relação de emprego”.
Ainda Elizeu da Silva (obra citada) nos lembra Pinho Pedreira que “traz as espécies de assédio indicadas em doutrina alienígena: O assédio da contrapartida, como sendo a imposição de exigências sexuais em troca da manutenção das vantagens ligadas ao emprego e o assédio sexual clima de trabalho ou ambiental, exemplificando com os seguintes fatos que geralmente ocorrem em um ambiente de trabalho: abuso verbal ou comentários sexistas sobre a aparência física do empregado; frases ofensivas ou de duplo sentido e alusões grosseiras, humilhantes ou embaraçosas; perguntas indiscretas sobre a vida privada do trabalhador; separá-los dos âmbitos próprios de trabalho para maior intimidade das conversas; condutas sexistas generalizadas, destacando persistentemente a sexualidade em todos os contextos; insinuações sexuais inconvenientes e ofensivas; solicitações de relações íntimas, mesmo sem exigência de coito, ou outro tipo de conduta de natureza sexual, mediante promessas de benefícios ou recompensas, exibição de material pornográfico, como revistas, fotografias ou outros objetos, assim como colocar nas paredes do local de trabalho imagens de tal natureza; apalpadelas, fricções ou beliscões deliberados e ofensivos: qualquer exercício de violência física ou verbal.”
Enfim, o assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e “que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico – a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição -, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por danos físicos e morais”. (Paulo Viana de Albuquerque Jucá, O Assédio sexual como justa causa típica in LTR 61-02-175).
Como lembrou Ernesto Lippmann (Advogado discute valor de indenização por assédio sexual após nova lei, in Consultor Jurídico, em 20 de maio de 2001), “a simples intenção sexual, o intuito de sedução do companheiro de trabalho, superior, ou inferior hierárquico, não constitui assédio. É o caso de um inofensivo galanteio, de um elogio, ou mesmo namoro entre colegas de serviço, desde que não haja utilização do posto ocupado, como instrumento de facilitação”. (Andrade, Dárcio Guimarães de – Assédio sexual no trabalho: RJTE 172/35.)
Em excelente comentário sobre assunto ainda disse Ernesto Lippmann (obra citada):
“Geralmente o assédio ocorre a portas fechadas. Porém, para que o assediante seja punido, e o assediado indenizado, as provocações devem ser claramente demonstradas. Assim, não basta a mera alegação do assediado. A alegação deve ser confirmada pelos meios de prova habitualmente aceitos em Juízo. Seguramente, os melhores meios são a gravação de conversas, ainda que por meio de gravador oculto, nos quais se comprove a prática de reiterados e ofensivos convites à dignidade do trabalhador. Cartas, bilhetes e e-mails, também são aceitáveis.”
A pena do crime de assédio sexual é de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Permite-se para o crime de assédio sexual a transação penal e o sursis processual, pois se trata de crime de menor potencial ofensivo.
Esse crime, inclusive, para o caso já noticiado, pode ocorrer em concurso material (artigo 69 do CP), o que determina a soma de penas aplicadas, o que inviabiliza o sursis processual e ainda uma transação penal.
Para esse crime questionado é possível aplicar o artigo 29 do Código Penal( CP) no que diz respeito a concurso de agentes, ou seja: autor, coautores, partícipes como cúmplices ou instigadores.
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*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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