Por Rogério Tadeu Romano*
I – O FATO
Informou o site de notícias do Correio Brasiliense, em 28 de junho do corrente ano:
“O presidente Jair Bolsonaro (PL) escalou o advogado-geral da União, Bruno Bianco, para dar a última palavra quando o governo criar benefícios sociais neste ano de eleições gerais. No texto do decreto publicado, ontem, no Diário Oficial da União (DOU), caberá ao jurista a palavra final sobre a legalidade dos atos do Poder Executivo nas áreas eleitoral e financeira, criando um respaldo jurídico a mais contra eventuais medidas que o levem a responder na Justiça por condutas vedadas aos agentes públicos durante ano de eleição.
O comunicado da Secretaria-Geral da Presidência tenta descaracterizar a clara tentativa do presidente de se proteger de eventuais processos que levem à impugnação, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da chapa à reeleição por propaganda antecipada. “No último ano do mandato presidencial, todos os governantes se deparam com as limitações da legislação eleitoral e da legislação financeira. Entre as restrições normativas, encontram-se dispositivos cujos contornos são ambíguos e geram muitas dúvidas na aplicação prática”, justifica a secretaria.
O decreto define que passou a valer, desde ontem, que as atribuições do advogado-geral da União envolvem emitir parecer sobre: “I — a constitucionalidade e a legalidade de propostas de atos normativos a ele submetidas; e II — os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de Direito Eleitoral e de Direito Financeiro, no último ano do mandato presidencial.
A ideia é gerar segurança jurídica para que o presidente possa ampliar ou conceder novos benefícios sociais em ano eleitoral, a exemplo do aumento no Auxílio Brasil — que, segundo anúncio de Bolsonaro na semana passada, saltará de R$ 400 para R$ 600 —, do vale-gás e do “voucher caminhoneiro”. Este último é, sobretudo, a grande aposta do Palácio do Planalto, que pretende fazer repasses de R$ 1 mil para manter o apoio da categoria, tida como estratégica pela campanha à reeleição. O benefício alcançaria em torno de 700 mil motoristas.”
O caso é um claro e nítido exemplo da máquina do poder público ser colocado a serviço de um candidato, situação que se revela um abuso de poder econômico e político.
II – ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO
De acordo com José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 2017) [é] intuitivo que a máquina administrativa não possa ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação estatal, além de desequilibrar o pleito – ferindo de morte a isonomia que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas ou classes sociais.
Trata-se de abuso do poder econômico e político de candidatura, conduta vedada pela Lei Complementar 64/90 e ainda pela Lei das Eleições que proíbe, à luz do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei Eleitoral tal conduta, que é vedada no pleito. Ele diz que não pode haver “instituição” de novos gastos no período anterior às eleições.
O Tribunal Superior Eleitoral já assentou que (i) “o abuso de poder político é “condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República” (TSE – ARO no 718/DF – DJ 17-6-2005); (ii) “Caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato” (TSE – REspe no 25.074/RS – DJ 28-10-2005).
Isso se comprovaria independente de dolo ou culpa da parte do agente público.
[…] A aferição do abuso do poder econômico, político ou do uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos. […]” (Ac. de 7.2.2017 no RO nº 138069, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)
É conduta vedada ao agente público aquela tendente a afetar a igualdade entre os candidatos durante as eleições: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006).”
Isso leva ainda ao cancelamento do registro do candidato.
O chamado aditivo no benefício que substituiu e rebatizou o Bolsa Família vem a pouco mais de 100 dias das eleições. Trata-se de clara burla à vedação da lei eleitoral que impede novos gastos a menos de seis meses do pleito.
Dir-se-ia que tal seria permitido por uma futura emenda constitucional que assim permitiria esse novo gasto.
Dita ademais o artigo 237 do Código Eleitoral:
“Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.
- 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público. Inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.
- 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.
- 3º O Corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes fôr aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.”
Caso isso seja concretizado estar-se-ia diante de um abuso de poder econômico.
Como disse Pinto Ferreira (Código Eleitoral Comentado, terceira edição, 1991, pág. 233) “quando disse que “a interferência do poder econômico e o desvio u abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto serão coibidos e punidos.”
Bem disse Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pág. 525) que “o abuso de poder econômico e político são hipóteses causadores de inelegibilidade, e, como tais previstas na Lei Complementar 64/90. Destarte, se ocorrerem antes do registro, e não forem suscitadas quando da AIRC, precluirá a faculdade de vergastá-las por meio de AIJE, eis que não são causa de inelegibilidades decorrentes de preceito constitucional.”
Mas, entenda-se que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que é meio próprio para combater o abuso de poder econômico e político por parte de candidato ou partido, pode ser ajuizada em qualquer tempo, desde que entre o registro de candidato e diplomação. Nem antes, nem depois.
Dir-se-ia, outrossim, que esses gastos viriam da edição de uma emenda constitucional, que permitiria o reconhecimento de um “estado de emergência” da parte do governo federal e a concessão de benesses assistenciais durante a eleição. Seriam “um pix caminhoneiro e um novo auxílio”.
A Lei das Eleições proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior como se disse.
Penalidades: suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso; multa no valor de cinco a cem mil UFIR aos agentes responsáveis, aos partidos políticos, às coligações e aos candidatos beneficiados, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (cf. §§ 4° e 8° do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997); e cassação do registro do candidato ou do diploma do eleito que tenha sido beneficiado, agente público ou não (cf. § 5° do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997).
De toda sorte isso fere cláusula pétrea.
Vitor Rhein Schirato, professor do Departamento de Direito do Estado da USP, afirma que PEC “não pode tudo”, mesmo ela tendo o poder de mudar a Constituição.
— Temos que entender que as cláusulas eleitorais são cláusulas pétreas, pois estão diretamente relacionadas à democracia. Existem as regras de igualdade de justiça do pleito, que tem que ser isonômico. Isso implica nas vedações da lei eleitoral, como criar e ampliar benefícios, diretamente relacionada à cláusula democrática da Constituição — diz. — Não posso criar uma PEC que autoriza um estado de emergência inexistente para quebrar a isonomia das eleições.
III – OS LIMITES DO DECRETO
O decreto editado é norma secundária que deve ser visto e analisado dentro dos limites da lei.
A propósito escreveu Marcos Aurélio P. Valadão (Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, com base no artigo 49, V, da Constituição Federal – Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002):
“Ocorre que, se os atos normativos editados pelo Poder Executivo forem editados com obediência aos princípios inscritos no art. 37 da CF/88, esses atos não poderão ser atacados pela via do controle previsto no artigo 49, inciso V, da CF/88. A exorbitância do poder regulamentar eiva o ato de inconstitucionalidade, por vício de ilegalidade (vai além dos limites da lei). No entanto, pode-se ter um ato inconstitucional que não exorbite do poder regulamentar, mas que seja inconstitucional por ferir um dos princípios do citado artigo 37, que não seja o da legalidade. Por exemplo, um decreto presidencial, que, dentro dos estritos limites da lei, amplie determinados benefícios, porém violando o princípio da impessoalidade. Não há aqui exorbitância do poder regulamentar, mas há inconstitucionalidade. Não é possível, nesse caso, que o Congresso Nacional edite um decreto legislativo sustando o decreto presidencial. Quanto aos atos executivos autônomos, que não correspondem à regulamentação de leis, o seu controle fica mais complexo, já que o parâmetro de controle, que é, normalmente, a lei, passa ser a própria Constituição. Neste caso, i.e., dos regulamentos autônomos, ou decretos autônomos, que são passíveis do controle direto de constitucionalidade, não podem ser objeto de sustação pelo Congresso Nacional, pois não são atos da espécie “poder regulamentar”, mas inseridos no “poder normativo”.
E conclui por dizer:
“Ou seja, o controle que pode ser exercido pelo Poder Legislativo, com base no art. 49, inciso V, da CF/88, é limitado e restringe-se às hipóteses de extrapolação do poder regulamentar, no sentido de não-adequação aos limites da lei regulamentada (disposições contra legem, extra legem ou ultra legem), configurando violação ao princípio da legalidade, e diz respeito somente aos atos do chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos regulamentares, não abrangendo os decretos autônomos ou qualquer outro ato emanado na esfera do Poder Executivo. Qualquer outra hipótese de inconstitucionalidade só poderá ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Entender-se de outro modo seria como se ler no supercitado inciso V do artigo 49 da CF/88 não a expressão “atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar”, mas “atos normativos no âmbito do Poder Executivo eivados de inconstitucionalidade direta ou indiretamente”; o que configuraria, evidentemente, uma ampliação distorcida do comando constitucional.”
O decreto editado invade os limites da lei.
Não pode um decreto do executivo federal aditar matéria que está na lei. No caso a Lei Complementar 73/93 já dava os parâmetros e limites de atuação da Advocacia Geral da União(AGU).
Entre os italianos, Ranelletti, além de outros, entende que o caráter especifico da lei, no sentido material, está na novidade ou modificação (“novità), e não na generalidade, se bem que seja esta uma característica habitual trazida à norma jurídica.
Ranelletti, com razão, nega o caráter de lei às regras que o Estado regula a sua própria atividade, por lhe parecer que não produzam efeito jurídico em relação a terceiros.
Ao lado da generalidade é, sem dúvida, elemento intrínseco, inapartável da lei, a modificação do direito preexistente alterando situações juridicas anteriores. A novidade de que falou Ranellleti.
Ora, no Brasil, não ocorre no ato administrativo normativo (decreto), mas somente na lei, generalidade e novidade.
Aliás, dita o artigo 5º, inciso II, da Constituição, quanto ao princípio da legalidade e da reserva de lei, que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou não fazer senão em virtude de lei.
A lei que se fala é formal e material de modo que é ato normativo oriundo de reserva do Parlamento.
Há, para o caso, uma supremacia e preeminência de lei formal.
O princípio da legalidade eleva a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado.
Decreto não é lei. É norma secundária que se dá nos limites da lei, repita-se.
Não há no Brasil regulamentos independentes, há regulamentos de execução, em matérias que digam respeito à Administração, que servem para aplicação da lei. Não podem operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Operam secundum legem.
No passado, durante o império, foi editada em 1840 um lei interpretativa do Ato Adicional de 1834. Não há decreto interpretativo de lei eleitoral, ademais para extrapolar seus limites.
IV – A QUESTÃO DAS CALAMIDADE PÚBLICA
Observa-se naquela mesma reportagem do Correio Brasiliense que destaco:
“Doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro explica que a manobra do governo tem pouca margem de aceitação no meio jurídico, caso seja alvo de contestação na Justiça Eleitoral.
“O Brasil está muito longe de uma situação que poderia se enquadrar na calamidade pública (na qual a criação do pacote de bondades poderia ser enquadrada). A gente não está em uma situação emergencial. Nós temos um custo elevado decorrente de duas situações especiais: política de preços da Petrobras e guerra na Ucrânia. É forçoso o argumento de que isso justificaria uma atividade emergencial por parte do governo federal. É um argumento que não se sustenta”, afirmou.”
Pergunta-se: haveria caso de calamidade pública para o momento?
O que é estado de calamidade pública?
Para entender o conceito de calamidade pública se faz necessária a compreensão prévia de outros dois termos: primeiramente o conceito básico de desastre, e complementarmente o conceito de situação de emergência. A definição de tais conceitos é apresentada pelo texto do Decreto 7.257, de 04 de Agosto de 2010, que assim afirma em seu Art. 2º, incisos II a IV:Art. 2º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:[…
II -desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais; III -situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; IV – estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.
Tanto a situação de emergência quanto o estado de calamidade são decorrentes da existência prévia de um desastre (ou conjunto de desastres) cujos efeitos (prejuízos) evoluíram para um estágio anormal, implicando no comprometimento da capacidade de resposta do entre público diante da situação.
Perceba-se que a diferença entre a situação de emergência e o estado de calamidade está no nível de intensidade dos danos e prejuízos decorrentes que, neste último, são mais abrangentes e severos.
O estado de calamidade pública se configura em um conjunto de situações reconhecidamente anormais que impliquem em grave perturbação da ordem pública, decorrentes de desastres potencialmente nocivos, sejam de origem natural ou provocada.
Portanto, o estado de calamidade pode ser configurado em um conjunto de situações reconhecidamente anormais que impliquem em grave perturbação da ordem pública, decorrentes de desastres potencialmente nocivos, sejam de origem natural ou provocada.
O estado de calamidade pode ser nitidamente reconhecido sempre que um desastre (ou conjunto de desastres) evolui para estágios críticos, de modo a acarretar séria ameaças à vida dos cidadãos e ao equilíbrio social, implicando em expressivos danos, sejam estes humanos, materiais e/ou ambientais.
O estado de calamidade pública é considerado no direito financeiro uma situação anormal em que a capacidade de ação do poder público fica seriamente comprometida.
Nessas situações, com a devida aquiescência do Congresso Nacional, o Executivo pode solicitar a declaração da calamidade pública.
Assim pode-se visar à flexibilização de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No art. 65, a LRF prevê flexibilidade em casos especiais como desaceleração de atividade econômica ou crescimento negativo do PIB e estado de defesa, de sítio ou calamidade pública. Em Despesas com pessoal na recessão e Despesas com pessoal em fim de mandato (e na recessão),
Deverão ser analisamos a duplicação de prazos para enquadramento aos limites na recessão. No caso de calamidade pública, ficaria suspensa a contagem dos prazos para enquadramento aos limites do estoque da dívida e das despesas com pessoal. É como se os prazos fossem “congelados” pelo tempo em que persistisse a situação. Porém, como, devido à recessão, a duplicação já se aplica desde o 1º trimestre de 2015, não haveria grande vantagem na decretação da calamidade pública sob esse ângulo.
Ainda como essa situação excepcional, originalmente, contemplava eventos adversos naturais que causassem danos humanos, materiais e ambientais, o art. 65 da LRF dispensou também o cumprimento de metas fiscais e o corte automático.
Ora, o mundo capitalista, a partir dos Estados Unidos da América e Europa passa por um período de estagflação. Alta inflação e recessão.
Parece-nos que não há essa calamidade pública.
As cláusulas pétreas são encontradas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.
V – UMA AFRONTA A UMA CLÁUSULA PÉTREA
As cláusulas pétreas são encontradas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.
Ali se diz:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
- 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Ora, qualquer proposta de emenda tendente a excluir os limites materiais do poder reformador se afigura inconstitucional, porquanto as cláusulas pétreas são imprescindíveis e insuperáveis.
Imprescindíveis porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora depositados pela própria manifestação constitucional originária, é usurpar o caráter fundacional do poder criador da Constituição.
Insuperáveis, pois alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover uma fraude à Constituição.
Essa fraude à Constituição consiste numa agressão à superioridade de atividade constituinte de primeiro grau, colocando em risco a ordem jurídica estabelecida.
As cláusulas pétreas são as que possuem uma supereficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso dos incisos I a IV já traçados. Daí não poderem usurpar os limites expressos e implícitos do poder constituinte secundário.
Logram eficácia total, pois contém uma força paralisante de toda a legislação, que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma. Ultrapassá-las significa ferir a Constituição.
Esse decreto é afronta o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico pelas razões já acentuadas.
Será caso, a seu tempo, de ajuizamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral(AIJE) visando a punir eventuais atos fulcrados no decreto aqui noticiado.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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