Por Rogério Tadeu Romano*
I – O FATO
Observo o que foi informado no site de notícias do Estadão, em 16.7.23:
“O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi hostilizado nesta sexta-feira, 14, por um grupo de brasileiros no aeroporto internacional de Roma, na Itália, e o filho dele chegou a ser agredido.
O magistrado foi atacado por três brasileiros de uma mesma família por volta das 18h45 no horário local (13h45 em Brasília).
Eles foram identificados pela Polícia Federal e serão alvos de um inquérito.
Segundo informações da PF, ao avistar o ministro, Andréia Mantovani o xingou de “bandido, comunista e comprado”. Os termos costumam ser usados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra integrantes da Suprema Corte.
Na sequência, o marido dela, o empresário Roberto Mantovani Filho, reforçou os xingamentos e chegou a agredir fisicamente o filho do ministro, um advogado de 27 anos. Ele teria dado um tapa no rosto do jovem.
E o homem identificado como Alex Zanatta Bignotto, genro de Roberto, se juntou aos dois primeiros disparando palavras de baixo calão contra a família do ministro. Mantovani e Zanatta são empresários do interior de São Paulo e voltavam de férias em família na Itália.”
Ainda segundo a Folha, o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou ao Ministério Público Federal (MPF) que tome as medidas cabíveis contra os agressores que hostilizaram o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e seus familiares, na sexta-feira (14), durante passagem pelo aeroporto de Roma. Posteriormente, em sua coluna no Estadão, em 28.7.23, no Estadão, disse:
“Atenção! O vídeo do aeroporto de Roma confirma a versão de Alexandre de Moraes à Polícia Federal: o empresário Roberto Mantovani atacou o ministro do STF, sua mulher e filho, com insultos e grosserias, não apenas uma, mas duas vezes. Depois do primeiro ataque, Mantovani voltou e, ao se deparar com o filho de Moraes gravando a cena com um celular, deu-lhe um tapa, derrubando seus óculos.
Contra fatos e vídeos (sem edição), não há argumentos. O vídeo, porém, ainda não chegou oficialmente ao Brasil e não pode ser anexado às investigações e ao processo, sob risco de ser embargado depois. Você acha que a burocracia no Brasil é infernal? Pois a da Itália é igual ou pior…
Por um acordo de cooperação entre a polícia brasileira e a italiana, o vídeo foi encaminhado ao juiz da Comarca de Roma, mas, apesar de se tratar de imagens, de fatos, ele achou por bem encaminhar ao Ministério Público, que ainda não autorizou o envio oficial para o Brasil. Sabe-se lá quando vai fazê-lo, mas as investigações avançam e o intenso debate sobre o tratamento aos ataques, também.”
II – CRIMES EM DISCUSSÃO
Estamos diante de crimes de desacato diante de ofensas proferidas contra a honra cometidos no exterior por brasileiros. As palavras de baixo calão contra a família do ministro poderão ser entendidas como crime contra a honra, injúria. A injúria fere o íntimo do ser natural. Ela agride a honra subjetiva, ou seja, o sentimento de autoestima. A honra subjetiva é o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo. E ainda há o fator consumativo, no qual este crime se difere dos demais crimes contra honra. No caso da difamação e calúnia o momento consumativo se dá quando terceiros tomam conhecimento da ofensa, e na injúria quando a vítima toma conhecimento.
Observo com relação aos crimes contra a honra:
Caluniar -é dizer de forma mentirosa que alguém cometeu crime. Para a ocorrência do crime de calunia é essencial que haja atribuição falsa de crime.
Difamar – é tirar a boa fama ou o crédito, desacreditar publicamente atribuindo a alguém um fato específico negativo, para ocorrer o crime de difamação o fato atribuído não pode ser considerado crime.
Injuriar– é atribuir palavras ou qualidades ofensivas a alguém, expor defeitos ou opinião que desqualifique a pessoa, atingindo sua honra e moral. O exemplo mais comum são os xingamentos.
Houve, outrossim, a prática de injúria real contra a pessoa do filho do ministro atingido.
Fala-se numa forma de injúria real.
Ocorre injúria real quando a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, sejam consideradas aviltantes.
A constatação de que as atitudes foram “aviltantes” pode decorrer da natureza (tapa no rosto) ou do meio empregado (arremesso de excrementos ou de projéteis).
Na injúria real as vias de fato são sempre absorvidas. Havendo lesão corporal, as penas serão aplicadas em concurso formal.
Na injúria real as vias de fato (contravenção) são sempre absorvidas. Havendo lesão corporal, as penas serão aplicadas em concurso formal.
Fala-se do crime de desacato cometido contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Para o delito cabe o sursis processual definido no artigo 89 da Lei 9.099/95.
Na lição trazida por Paulo José da Costa Jr.(Comentários ao Código Penal, volume III, pág. 511), “o que se faz indispensável é que o funcionário seja atingido diretamente, que ouça o aleive que lhe é assacado”. Disse Paulo José da Costa Jr. que “não será necessário que a ofensa seja irrogada facie ad faciem. Será bastante que o ofendido esteja próximo.”
O desacato, que é um crime de expressão, como disse Riccio (Oltraggio alla pubblica amministrazione, in Novissimo Digesto Italiano, vol. 11, pág. 828), representa a manifestação de um pensamento, por palavras ou gestos. Consequentemente, deverá perfazer-se a conduta na presença do funcionário ofendido. Tal presença é um pressuposto do fato, uma condição indispensável do delito (RT 491:323).
Assim a objetividade jurídica é o interesse em garantir o prestígio dos agentes do Poder Público e o respeito devido à dignidade de sua função, tendo-se em vista que a ofensa que lhes é irrogada, em sua presença, no exercício de sua atividade funcional ou em razão dela, atinge, em verdade, a própria Administração Pública. A lição de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, volume II, artigos 213 a 359, 5ª edição, pág. 461) é aqui repetida, no sentido de que não há, aqui, injúria, difamação ou desrespeito ao funcionário (que seria, eventualmente, crime contra a pessoa), mas atentado a um interesse geral, relativo à normalidade do funcionamento da administração pública. Mas, para que se possa afirmar a presença do funcionário, deve ele encontrar-se no local onde a ofensa é praticada. Não se exige que o ofendido veja o ofensor, nem que perceba o ato ofensivo, bastando que lhe fosse possível conhecimento diretamente do fato.
Observa-se que o crime se configura ainda que o funcionário público não esteja no exercício de sua função, mas é ofendido em razão dela (nexo funcional).
O desacato absorverá a infração cometida em sua execução, caso seja mais leve (vias de fato, lesão corporal leve, ameaça etc), pois, do contrário, haverá concurso formal ( CP, art. 70).
O delito de desacato absorve o de injúria, por ser este elemento constitutivo e conceitual daquele (STJ, RTJ 106/494).
Não há no crime de desacato apenas injúria, difamação ou desrespeito ao funcionário, mas atentado a um interesse geral que diz respeito à normalidade do funcionamento da administração pública.
Entenda-se que o desacato é um crime doloso cometido por particular contra a Administração Pública.
Foi recepcionada pela CF de 1988 a norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato. Sob este entendimento, o plenário do STF julgou improcedente ADPF 496 proposta pela OAB alegando que o dispositivo viola preceitos fundamentais. O placar do julgamento, que ocorreu em meio virtual, foi de 9 a 2.
Tem-se o que dita o Código Penal:
Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
II – contra funcionário público, em razão de suas funções.
Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior, Fábio M. de Almeida Delmanto ( Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 306) ensinaram que “é indispensável que a ofensa seja cometida por motivo da função pública do ofendido. Se praticada na presença do funcionário, pode configurar desacato (art. 331)”.
Para o caso há os que entendem que situações como essa configuram, na verdade, crimes contra o regular funcionamento das instituições democráticas. Em casos anteriores, os indivíduos que assim agiram responderam por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 359L do CP. Trata-se de um crime de perigo presumido e contra o Estado Democrático de Direito, exigindo o dolo como elemento do tipo.
O projeto de Lei nº 1.494/2011, fala em intimidação vexatória.
Ali se diz:
“Intimidação vexatória Art. 136-A. Intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor pessoa a constrangimento físico ou moral, de forma reiterada. Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”
Sancionada em 31 de março de 2021, a Lei 14.132/2021 tipificou o crime de perseguição contumaz ou obsessiva no art. 147-A do Código Penal e revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, antes prevista no art. 65 do Decreto-lei 3.688/1941.
O stalking caracteriza-se pela ocorrência de contatos forçados ou indesejados entre o agressor e a vítima, de forma repetitiva, numa frequência e configuração que interferem em sua vida privada, em suas atividades cotidianas ou em seu trabalho. É uma forma abusiva de assédio pessoal.
III – A APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA A CRIME COMETIDO NO EXTERIOR
Segundo o princípio da territorialidade a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a editou, não importando a nacionalidade do sujeito ativo ou passivo.
Para a aplicação da regra da territorialidade é mister que se esclareça o local do crime.
A esse respeito temos as seguintes teorias:
- A teoria da atividade (ou da ação), em que o lugar do crime é o local de conduta criminosa (ação ou omissão);
- A teoria do resultado (ou do efeito), em que se considera para a aplicação da lei o lugar da consumação (ou do resultado) do crime;
- A teoria da ubiquidade (ou da unidade, ou mista) pela qual se entende como lugar do crime tanto o lugar da conduta como o do resultado.
O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5 – CP).
A regra no direito penal brasileiro é a territorialidade. A exceção se dá com a extraterritorialidade que se dá com relação a aplicação de lei brasileira a delitos praticados no estrangeiro. São exceções ao princípio da territorialidade.
Há a chamada extraterritorialidade condicionada. Dela diverge a extraterritorialidade incondicionada sempre que se faça aplicação do princípio da defesa, onde a nacionalidade e a natureza do bem jurídico ofendido pela ação delituosa desenvolvida no estrangeiro é que justificam a aplicação da lei pátria. São os casos dos crimes praticados no exterior contra o Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União ou contra a Administração Pública, a teor do artigo 7º, inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei 7.209/84.
Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal. São esses os pressupostos:
- a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984), não importando que seja breve ou longa, a passeio, a trabalho, legal ou clandestina;
- b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
- c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
- d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
- e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984). Caso o agente tenha sido perdoado ou tenha ocorrido outras das causas de extinção da punibilidade previstas no artigo 107 do CP, ou estando o agente ao abrigo do dispositivo da lei estrangeira que consigna outras hipóteses de causas extintas ou lhes dá amplitude, não é possível a aplicação da lei nacional.
IV – A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR OS CRIMES COMETIDOS
Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça dispondo que aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7º, inciso II, alínea b, e § 2º, alínea a, do Código Penal, se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou em território nacional e que o crime cometido, no estrangeiro, contra brasileiro ou por brasileiro, é da competência da Justiça Brasileira e, nesta, da Justiça Federal, a teor da norma inserta no inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal, por força dos princípios da personalidade e da defesa, que, ao lado do princípio da justiça universal, informam a extraterritorialidade da lei penal brasileira ( Código Penal, artigo 7º, inciso II, alínea b,e parágrafo 3º) e são, em ultima ratio, expressões da necessidade do Estado de proteger e tutelar, de modo especial, certos bens e interesses, como se lê das conclusões no RHC 95595 / PR, relator ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 2 de outubro de 2018.
A atribuição para ajuizar a ação penal pública é do Ministério Público Federal.
Para o caso específico, a ministra Rosa Weber, presidente do STF, fixou competência da Corte Suprema, para instruir e julgar o feito, determinando a busca e apreensão (medida cautelar de produção de provas) em endereços da cidade de Santa Bárbara d’Oeste, em São Paulo, que são ligados aos três familiares suspeitos de agredirem e xingarem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Acompanhemos os próximos passos desse caso.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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