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A influência do positivismo e os militares

Por Rogério Tadeu Romano*

“O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas, somente se pode afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não consideram os conhecimentos adquiridos por meio de crenças religiosas, superstição ou qualquer outro, do campo espiritualintuitivo ou transcendente, que não possa ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos. Assim, o positivismo desenvolvido na segunda fase da carreira de Comte, associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética apenas humana radical”(Wikipédia).

São de importância para o tema as ideias de Augusto Comte, pensador no século XIX.

Para Comte, o positivismo é uma doutrina filosóficasociológica e política. Eram ideias que se contrapunham ao que dizia-se na Revolução francesa, a pregar a liberdade. Com o positivismo ditava-se a ordem e o progresso.

O positivismo teve forte influência sobre os militares.

Antes da Adesão de Miguel Lemos, que foi o primeiro Sacerdote Positivista, brasileiro, encontramos a tese apresentada na Escola Militar – da Praia Vermelha, para o doutorado em Matemática, por Miguel Joaquim Pereira de Sá, sendo considerado a primeira manifestação da influência de Augusto Comte no Brasil, em 5 de fevereiro de 1850.

A respeito disso temos o positivismo e exército – Adriana Iop Bellintani:

“O positivismo influencia fortemente a política e o Exército Brasileiro desde o período imperial. O PRR (Partido Republicano Rio-Grandense) também foi fortemente influenciado pelo positivismo, tendo como principais expoentes Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Os oficiais brasileiros aderem a essa corrente filosófica e, a partir dela, passam a organizar as escolas militares e a doutrina, alastrando sua influência por toda a corporação. A falta de projeção social vivida pelos militares auxilia nessa aproximação. Como afirma Quartim de Moraes: (…) o positivismo apresentava uma alternativa para o papel social e político dos militares ao propor, na ausência de uma identidade profissional, uma identidade política: a doutrina do soldado-cidadão. (Quartim de Moraes, 1987: 30). As escolas militares a partir de 1850, começam a sofrer forte influência positivista via ensino da matemática e da geometria analítica, devido à difusão do Curso de filosofia positiva, segunda fase dos escritos de Comte. Benjamim Constant e o Marechal Roberto Trompwsky foram expoentes da difusão positivista na Escola Militar; mas, além deles, havia também: Pereira de Sá, Augusto Dias Carneiro, Almeida Fagundes, Lauro Sodré, Gabriel de Moraes Rego, Antônio José Osório, Manuel Almeida Cavalcanti, Saturnino Nicolau Cardoso, entre outros. Os mestres repassam aos alunos a ideia tecnicista de progresso científico, e a escola, que deveria adestrar os alunos para o cumprimento das tarefas militares, se volta ao ensino da matemática. A matemática é ministrada sob orientação positivista, e é, dessa maneira, que se dissemina entre os oficiais a teoria que preconiza a ordem e o progresso, fundada no desenvolvimento científico, na ética, na paz e no fim dos exércitos. A matemática, no contexto positivista, é a ciência fundamental para o conhecimento das outras ciências, pois segundo Lins: “Quem não aprendeu a raciocinar em matemática, ressente-se dessa falha, a vida toda. Por isso, Augusto Comte restabeleceu-lhe o antigo nome de Lógica, no lugar de matemática, que significa apenas ciência”. (Lins, 1964: 278). Benjamin Constant, professor de matemática, através de seus estudos sobre a disciplina, encontra em Comte a motivação para seguir com seus ensinamentos. Na Escola Militar, a ciência matemática, ministrada sob orientação da síntese subjetiva de Comte, valoriza a geometria e o cálculo. Benjamin Constant, além de aplicar seus conhecimentos de matemática sob influência positivista, também segue os postulados da religião positiva, freqüentando a igreja fundada no Rio de Janeiro, sob esta orientação. A reforma operada por Constant no regulamento das escolas do Exército, em 12 de abril de 1890, não modifica a estrutura militar: permanece incentivando a cultura acadêmica, sem promover a profissionalização da força. Como elucida Peçanha: “Os oficiais recém saídos da escola de formação fogem da tropa. Esta, por sua vez, desaparelhada, não lhes oferece motivação”. (Peçanha, 1986: 31). O ministro da Guerra no governo de Rodrigues Alves, gen. Francisco de Paula Argolo, preocupado com a situação caótica do Exército passa a denunciar a estrutura e a requerer novas reformas. Em 1898, é elaborado pelo Marechal João Tomaz de Cantuária, um conjunto de mudanças, conhecido pelo nome de reforma cantuária, que propõe maior aproveitamento técnico e diminui os ensinamentos teórico-filosóficos dos regulamentos em vigor. Essa reforma, como a de Constant, não afasta a doutrina positivista do seio militar, embora não tenha tido uma repercussão prática sobre a profissionalização da força. O Exército, desde a Proclamação da República, necessita de profundas e urgentes reformas.”

Ainda acrescento (O Exército e o positivismo- P. A . Lacaz / Positivista)

“Mas, a mais importante influência do Positivismo, no Exército Brasileiro, foi a Instrução do conhecimento das Leis Naturais da Ciência Moral Positiva – isto é, a Ciência da Construção, baseada nos DEVERES, cujas aplicações tecnológicas redundam nas DISCIPLINAS, à serem cumpridas, sem discutir, através das Ordens do Comando, onde a Hierarquia, é respeitada espontaneamente, pela noção de Veneração ao Superior, devido ao seu Mérito; com o conhecimento de tático, estratégico e logístico, para o planejamento das ações.

O Mérito é medido pela competência, capacidade e Altruísmo do Comando.

Outro fator importante que os Militares do Exército Brasileiro e alguns Oficiais da Marinha Brasileira, aprenderam com a Doutrina Positivista foi a Noção de Res Pública, isto é de Causa Pública; que aos civis infelizmente nada foi possível ser passado, ainda.

Mas a O Amor a Família, a Pátria e a Humanidade, conhecida dos positivistas como o Gran Ser, ainda permanece na” Alma da Tropa “. Se isto for apagado, adeus minha Pátria.

Saúde, Respeito e Fraternidade.”

Essas ideias chegaram à fundação da República no Brasil.

Floriano Peixoto foi eleito vice-presidente de Deodoro da Fonseca, na chapa para o cargo no período de 1891 a 1895. Deodoro renunciou e Floriano Peixoto assumiu o cargo.

Na Constituição 1891 estava previsto que os mandatos interrompidos antes de dois anos deveriam ser sucedidos por novas eleições diretas, dessa maneira, o vice-presidente não poderia ser empossado. Assim, a oposição, baseada na constituição, exigia a deposição ou renúncia à presidência de marechal Floriano. Em 6 de abril de 1892, treze oficiais-generais lançaram um manifesto requerendo as eleições presidenciais. Em represália, o presidente destituiu-os compulsoriamente das carreiras militares.

As tentativas malsucedidas de depor marechal Floriano pelos meios jurídicos impeliram os oposicionistas às manifestações de rua pela retomada do governo do marechal Deodoro. Em desagravo, marechal Floriano instituiu no dia 12 de abril de 1892 o estado de sítio e a suspensão dos direitos constitucionais durante o período de 72 horas. Assim, foram encarcerados em locais distantes os sediciosos, e depois anistiados em 8 de junho do mesmo ano. Por conta dessas medidas o então presidente ficou conhecido como o “Marechal de Ferro”. A possível reabilitação do governo antecessor frustrou-se com o falecimento de marechal Deodoro em 23 de agosto, no entanto, as dissensões com o governo federal continuaram.

Vieram os movimentos da década de 20 no século passado, quando vimos o tenentismo.

Como revela o portal Brasil ESCOLA:

“A Revolta Paulista de 1924 foi um levante militar organizado por jovens oficiais do Exército que faziam parte do Tenentismo. Os rebeldes pretendiam derrubar o governo de Artur Bernardes, pois não estavam contentes com os rumos tomados pelos civis enquanto líderes da república brasileira.

A revolta aconteceu dois anos depois de um movimento tenentista ter ocorrido no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. O governo federal conseguiu debelar as revoltas tenentistas. Em São Paulo, os revoltosos, logo após perderem a batalha contra as tropas governistas, se reuniram em torno do tenente Luís Carlos Prestes e organizaram a Coluna Prestes, que percorreu o interior do Brasil denunciando os desmandos da República Velha.”

Assim anos se passaram, já diante dos governos civis da velha República e surge o movimento tenentista. Os tenentistas eram antidemocráticos, eram exclusivistas e tinham horror à causa operária.

Vargas ditador, no Estado Novo (1937 a 1945), levou o país dentro de um modelo autocrático com apoio dos militares e não sabia conviver com a democracia. Os mesmos tenentistas e seus sucessores deram um golpe branco e Getúlio foi exilado em São Borja. Veio a Constituição de 1946, democrática-liberal.

Tanto que as elites no Brasil, apoiadas pelos EUA e apoiadas por antigos tenentistas, já agora no auge das carreiras, tentaram um golpe em 1954 que culminou com o suicídio de Getúlio, que não se adaptou o modelo democrata e foi acusado de improbidades.

Em 1955, esse mesmo grupo, liberais e ainda apoiados por militares tentaram um novo golpe para impedir a posse de JK. Não conseguiram.

Em 1964, diante do fracasso do plano trienal, da manifestação das chamadas reformas de base, e do desgoverno Goulart (que foi vice de Jango e cuja posse apenas se deu com a adoção do parlamentarismo em 1961 e que sobreviveu até 1963), que era próximo a esquerda, deram essas mesmas forças o golpe. Era a união da classe média, das camadas conservadoras, do pensamento liberal anticomunista que se ancorava nas armas dos antigos tenentistas e seus sucessores. Veículos da imprensa estavam a favor do movimento: o Globo, o JB, Folha, Estadão, todos unidos em prol de um movimento apoiado pelos Estados Unidos.

Chegaram os militares ao poder para combater comunismo e corrupção e pôr ordem e progresso.

No primeiro governo militar daquilo que se denominou de Revolução de 1964 foi o de Castelo Branco, eleito de forma indireta. Uma economia austera e o combate ao comunista foi a marca. Um navio foi escolhido como prisão dos chamados subversivos e diversos atentados foram cometidos contra os direitos humanos. Isso além de cassações de políticos como Ademar de Barros. Nesse período começou a se observar um movimento de esquerda, cujo ato significativo foi a explosão no Aeroporto Guararapes, em julho de 1966. Essa ideia de Brasil pelos militares nada tinha de democrática. Nesse mesmo período viria, em 1965, o AI n. 2, acabando com os partidos políticos, criando a Justiça Federal de primeira instância, aumentando o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, de forma a torná-lo dócil ao regime. Nesse período foi criado o Banco Central, feita a Reforma Bancária, criado o FGTS (com o fim da estabilidade trabalhista e criado um fundo de valia para fazer seguir um plano ambicioso de política habitacional, de desenvolvimento urbano e de saneamento básico). As eleições para governador, presidente da República e prefeito de algumas cidades passaram a ser indiretas.

Viria depois Costa e Silva com o AI- 5, onde os militares e seus apoiadores faziam um verdadeiro golpe dentro do golpe, eliminando as liberdades democráticas e cassando direitos políticos por mais de 10 anos de diversos cidadãos, dentre os quais Carlos Lacerda, que, no início foi fiel ao regime, mas com a eliminação das eleições em 1965 e um mandato de mais um ano para Castelo Branco, dele se afastou.

Com sua morte, veio uma Junta Militar que passou o poder a outro militar, Médici, desconhecendo que havia um civil na chapa de Costa e Silva. Foi o período de maior repressão militar que ainda contou com apoio de policiais civis que aderiram ao sistema. Sob o signo de um “milagre brasileiro” diziam que “ninguém segura mais esse país”.

A distensão viria de forma lenta e gradual com Geisel, general do Exército, que editou as Emendas Constitucionais n. 7 e 8, com o Congresso fechado. Continuaram as cassações e perseguições políticas com a tortura e morte de Vladimir Herzog e de Manoel Fiel Filho. No entanto, deve-se a Geisel a disciplina da tropa com uma contundente vitória sobre os setores mais radicais do sistema, possibilitando a anistia, ampla, geral e irrestrita para todos que cometeram crimes contra a humanidade naquele período nebuloso da história do Brasil, em 1979.

Fez-se a escuridão e a partir do governo Carter, já cogitavam numa transição de governo militar para o civil. Em 1985 ele se deu com a eleição indireta que levaria ao poder um político afinado com ideias liberais, no campo econômico e político. Mas ele morreu antes de tomar posse e mais uma vez aconteceu a história do Vice, que era Sarney, que assumiu todo o mandato até 1990, após eleições civil, em 1989.

A corrupção que os militares prometeram acabar continuou nos governos civis, de 1985 a 2018.

Veio com Fernando Henrique Cardoso, que governou entre 1995 a 2002, a ideia da submissão dos militares ao poder civil. Não se aderia a tese de que os militares possuíam um poder moderador.

Hoje estamos diante de uma fadiga democrática e pelo voto os herdeiros das teses positivistas querem o poder sem que se fala na figura já passada do golpe. É o que vemos diante das discussões com relação ao confronto com o Poder Legislativo diante do Poder Judiciário apoiados por um Executivo forte e ainda os movimentos antidemocráticos que se estabeleceram no Brasil, recentemente.

É a direita radical que pretende fraturar a democracia.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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