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Um caso de afastamento de cargo público

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Segundo revelou o portal de notícias do jornal O Globo, em 23.4.25, “a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) fizeram, nesta quarta-feira, uma operação para combater um esquema nacional de descontos associativos não autorizados feitos por sindicatos em aposentadorias e pensões.

As entidades cobraram de aposentados e pensionistas R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo a PF e a CGU. O presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro S

Ainda consoante o que revelou o portal do Correio do Estado, em 24.4.25, “a exoneração do presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União desta quarta-feira (23). A portaria é assinada pela ministra substituta da Casa Civil, Miriam Belchior.”

II – O ARTIGO 282 DO CPP

Para isso, vamos ao artigo 282 do CPP.

Enveredemos, pois, nas chamadas medidas cautelares pessoais.

De pronto, acentuo que a legislação processual penal não contempla um processo cautelar como procedimento judicial anterior ao processo principal, cuidando da fase de investigação como matéria administrativa, de forma a validar a legitimação da autoridade policial para apresentar pleitos dessa natureza ao juiz, sem se esquecer que o Parquet será intimado para falar sobre essas representações.

Os requisitos para aplicação das medidas cautelares, que não podem ser decretadas sem base fática, não se determinam pela prova da materialidade e indícios suficientes para a autoria para a sua decretação, do mesmo modo como não se exige com relação a prisão temporária, substitutivo da antiga prisão para averiguação, como disse Guilherme de Souza Nucci (Leis penais e processuais penais comentadas, Prisão temporária, Nota 3 ao art. 1º, São Paulo, RT).

Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação (artigo 282, I e II, do CPP), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim, a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referência com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida, e, ainda, uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.

Tais ilações foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo, ed. Saraiva, 2003, pág. 228.) ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, que se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Trago a lição de Willis Santiago Guerra Filho (Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, UFC, Imprensa Universitária, 1989, pág. 75) de feliz síntese:

¨Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente proporcional em sentido estrito, se as vantagens superarem as desvantagens.¨.

Os chamados referenciais fundamentais para aplicação das medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro são a necessidade e adequação. Ambos se reúnem no princípio da proporcionalidade, assim sintetizado por Eugênio Pacelli[(Curso de processo penal, São Paulo, Atlas, 2013, pág. 504).consoante vemos:

  1. a) na primeira, desdobrando-se, sobretudo, na proibição de excesso, mas, também, na máxima efetividade dos direitos fundamentais, serve de efetivo controle da validade e do alcance das normas, autorizando o intérprete a recusar a aplicação daquela norma que contiver sanções ou proibições excessivas e desbordantes da necessidade de regulamentação;
  2. b) na segunda, presta-se a permitir um juízo de ponderação na escolha da norma mais adequada em caso de eventual tensão entre elas quando mais de uma norma constitucional se apresentar aplicável ao mesmo fato.

Assim proíbe-se o excesso e busca-se a adequação da medida.

Levo em conta a douta opinião de Luís Virgílio Afonso da Silva (O proporcional e o razoável, RT 798/27) para quem há proibição do excesso como limite, separadamente do postulado da proporcionalidade, sempre que um direito fundamental esteja excessivamente restringido.

Essa mesma proporcionalidade veda a prisão preventiva em caso de crimes culposos, ressalvada a hipótese do artigo 313, parágrafo único do CPP, com relação à prisão para e até a identificação do acusado, a chamada prisão preventiva utilitária.

De toda maneira, será possível a aplicação das cautelares, ressalvada a hipótese de proibição expressa, do que se lê do artigo 283, § 1º, do CPP, em que ocorrem delitos nos quais não se admite, nem em tese, a pena privativa de liberdade.

As medidas cautelares podem ser aplicadas de forma isolada ou de forma cumulada (artigo 282, § 1º, CPP).

Para fins de decretação da medida cautelar distinta da prisão, impõe-se o seguinte quadro a ser respeitado: a) o juiz possa deferi-la, de ofício ou a requerimento das partes, durante o processo; b) o juiz pode decretá-la, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público, na fase de investigação criminal, em obediência ao sistema acusatório, que prima pelo respeito à imparcialidade do juiz.

Pelo sistema acusatório, o magistrado não pode, de ofício, sem provocação, cuidar da efetividade dos atos da investigação. Por sua vez, no curso do processo, não há qualquer impedimento à decretação de prisão preventiva, uma vez justificada pela necessidade de proteção à sua efetividade. O modelo acusatório não contempla a inércia do magistrado em relação à adoção de medidas tendentes a proteger a efetividade do processo. Disse Eugênio Pacelli (Obra citada, pág. 527) que ¨uma coisa é ele substituir, de ofício, uma cautelar descumprida por outra, para fins de evitar a reiteração criminosa ou por garantia da ordem pública; outra, é fazê-lo à conta de conveniência da investigação ou da instrução.¨.

Certamente, no modelo acusatório, que se afasta do inquisitivo, adotado pelo Código de 1941, em sua redação original, ao juiz não cabe zelar por tais questões (investigação e instrução).

Por outro lado, orienta o artigo 282, § 3º, do CPP, que o juiz, ao receber o pedido de decretação da medida cautelar, deve intimar a parte contrária, buscando-se privilegiar o contraditório. Todavia, se houver urgência, descarta-se tal providência, pois haveria risco de ineficácia da medida.

De toda sorte, evidencia-se, da leitura do artigo 282 do CPP, que a prisão é a ultima ratio, última opção, primando-se o respeito à intervenção mínima, passando a prisão preventiva a ter a conotação de subsidiariedade (artigo 282, § 4º e 6º, do CPP). Digo isso, acentuando que a prisão preventiva somente deve ser decretada se nenhuma outra medida cautelar for adequada ou quando o investigado ou acusado descumprir as obrigações impostas por uma cautelar de caráter não prisional (artigo 282, § 4º e 6º, do CPP).

Em resumo, as medidas constantes do artigo 319 do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.403, têm como propósito evitar o encarceramento. Sendo assim, a consequência jurídica do delito a ser imposta pelo Estado deve ofender, no mínimo possível, a liberdade humana, isto porque a regra deve ser a liberdade e não a prisão, lembrando que o aprisionamento do homem permite o contágio criminal do cidadão preso com criminosos mais experientes, a par de que a experiência tem mostrado que a prisão é um instrumento que se mostra inapropriado para alcançar a finalidade ressocializadora da pena.

No caso específico do artigo 319, VI, do Código de Processo Penal, tem-se que tal medida é crucial nos casos de crimes cometidos contra a Administração Pública e crimes financeiros, porventura cometidos por Cunha, além da persistência, segundo se noticia, de condutas censuráveis que tragam obstáculos à investigação onde se avalia seu comportamento ético.

No julgamento do Inq. 558 – GO, Relatora Nancy Andrighi, 16 de junho de 2010, o Superior Tribunal de Justiça deixou consignado que, ainda que, na hipótese dos autos, não tenha havido o oferecimento da denúncia, há de se considerar a gravidade dos fatos que as provas angariadas aportam, comprometendo o exercício da função judicante do Poder Judiciário, de modo a impor o afastamento do agente público do cargo, em nome da garantia da ordem pública.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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