Por Andersonn Araújo*
Entre os dias 23 e 27 de abril, tivemos uma programação recheada de música como há tempos não se via em Mossoró. Não que a cidade não conte com seus barzinhos que oferecem atrações musicais semanalmente, mas havia algo diferente — e isso não se resumiu apenas a deixar um pouco de lado o sertanejo para se abrir a novas possibilidades.
Apresentaram-se o grupo Choro Didático e o Chorinho Ingênuo, no Cafezal; além de Bia Gurgel e Bixarte, artista de grande sucesso nacional, através de um projeto cultural do Banco do Nordeste ao lado do Cafezal.
Poderia, aqui, tecer algumas considerações sobre como o artista mossoroense é tratado por certos contratantes ou como alguns estabelecimentos, que se propõem a promover estilos alternativos ao sertanejo, ao invés de contratarem bandas para oferecer música ao vivo — harmonizando com a qualidade de seus petiscos e cervejas — preferem colocar uma JBL “reproduzindo” música.
Feita essa consideração, inclusive em defesa do artista — seja ele do choro, funk, sertanejo, rock etc. — é preciso reconhecer: se, por um lado, falta maior investimento das empresas privadas na Arte e na oferta de opções gratuitas, por outro, as instituições públicas estão de parabéns. Entre eles, destaco a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) e o Banco do Nordeste.
A nossa Uern — nossa não por posse, mas pelo acolhimento que oferece — é uma ferramenta fundamental que, ao longo dos anos, tem promovido a possibilidade de se fazer Arte no RN, especialmente em Mossoró. Seu histórico coral remonta a 1988, com regência do professor Josafá Inácio da Costa. Em 2025, com a contratação da professora Mérlia Faustino através do último concurso, o coral está sendo reativado com maestria, agora vinculado ao Departamento de Artes/Fala da Escola de Música da Uern.
O grupo Chorinho Ingênuo, oficializado em 2005 como grupo institucional da Uern e também vinculado à Escola de Música/Dart/Fala, tem levado apresentações a igrejas, praças públicas e palcos, como no projeto Seis e Meia. Sob a direção do professor Fábio Monteiro, o grupo não apenas apresenta repertório, mas também compartilha conhecimento: destaca as origens do choro, compositores, instrumentistas e outros aspectos esquecidos pela mídia de apelo comercial. Naquele domingo, o grupo brilhou no projeto Choro da Tarde, no Memorial da Resistência, com um pôr do sol repleto de Pixinguinha e Ernesto Nazareth. A tarde foi ainda mais especial: além da comemoração do Dia do Choro, houve o lançamento de uma música composta pelo professor Fábio Monteiro em homenagem ao recém-falecido professor e chorão Sebastião Araújo. O laranja das nuvens, as revoadas de pardais e os contracantos típicos do choro criaram um cenário quase mágico. O sol, talvez em respeito ou talvez encantado com o momento, pareceu demorar um pouco mais a se pôr.
Também incentivado pela Uern, o Grupo Choro Didático, junto à disciplina de Prática de Conjunto em Choro, dirigidos pelos professores Hallyson Dantas, Bruno Farias e a Hussemânia Produções, apresentou no dia 23 de abril o Projeto Viva o Choro. O ponto alto foi a Roda de Choro aberta, que reuniu músicos amadores, profissionais e espectadores que trouxeram seus instrumentos para somar à roda. Esse grupo, formado majoritariamente por estudantes dos projetos de extensão e formação complementar da Uern, traz uma perspectiva inclusiva: qualquer pessoa — músico, aprendiz ou amante da música — pode participar. Foi um momento para ver, ouvir, tocar e aprender sobre o choro.
Ambas as apresentações aconteceram no famoso Cafezal, localizado no Memorial da Resistência. É simbólico que um lugar com “resistência” no nome abrigue uma prática musical historicamente ligada à população negra, como Pixinguinha, Noel Rosa e Chiquinha Gonzaga. A resistência também se manifesta frente à mídia mossoroense e aos grandes contratantes da cidade, que ainda não dão ao choro o destaque que ele merece. O Cafezal, portanto, se consolida como um espaço de resistência artística. Mais do que apenas “não deixar o samba morrer”, ele abre as portas e oferece meios para a propagação do choro e suas vertentes.
O Viva o Choro e o Choro Ingênuo estão diretamente ligados à Uern, por meio da Unidade Acadêmica da Faculdade de Letras e Artes, do Departamento de Artes e da Escola de Música D’alva Stella Nogueira Freire. São projetos institucionalizados por editais — sejam da Pró-Reitoria de Extensão ou da formação complementar — oferecidos semestralmente. Isso significa que os professores recebem apoio institucional para que os ensaios ocorram, com as horas de preparação, estudo e escolha de repertório devidamente computadas em suas cargas horárias.
Esse modelo de financiamento público da Arte é exemplar: a Uern não apenas forma músicos, como também os remunera para que o ensino extrapole a sala de aula e ocupe praças, ruas e palcos. É a Universidade cumprindo seu papel como agente público, promotor da música e da Arte popular. Esse, inclusive, é um desejo declarado da atual reitora e do vice-reitor, professores Cicília Maia e prof. Chico Dantas: uma Universidade do Povo e para o Povo precisa, antes de tudo, abraçar seu papel artístico na sociedade. Se falta incentivo por parte de alguns agentes da iniciativa privada, não falta espaço na Uern para que a Arte floresça. Que essa responsabilidade social, seja multiplicada em outras instituições, sejam elas públicas e privadas, possamos agir enquanto sociedade que incentiva e apoia a Arte.
Se a Biologia, a Física, a Química e outras ciências nos ensinam o porquê respiramos, só a Arte é capaz de nos fazer sentir, inspirar — e, acima de tudo, suspirar.
*É Departamento de Artes da Uern.
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