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Algumas notas sobre o assédio eleitoral

Por Rogério Tadeu Romano*

Preocupa o que é narrado no site Consultor Jurídico em 12.12.2022:

“Em Pernambuco, uma integrante do departamento de recursos humanos da rede Ferreira Costa ameaçou demitir empregados que declarassem voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições. No Pará, um empresário foi multado em R$ 300 mil após prometer R$ 200 a cada trabalhador que não votasse no ex-presidente. No Rio Grande do Sul, a empresa de maquinários agrícolas Stara ameaçou reduzir seu quadro de empregados caso o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), não se reeleja. Por causa disso, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública pedindo o pagamento de R$ 10 milhões por dano moral coletivo.”

Há níveis altos de denúncias de assédio eleitoral no âmbito eleitoral nessas eleições.

Até o momento, foram registrados 169 casos. A região Sul tem o maior número de acusações, com 79 ocorrências, sendo 29 no Paraná, estado com maior quantidade de queixas. Na segunda posição está a região Sudeste, com 43 denúncias, seguida por Nordeste (23), Centro-Oeste (13) e Norte (11).

Trata-se de assédio eleitoral matéria que prioritariamente deve ser tratada no âmbito do Ministério Público do Trabalho.

O MPT divulgou a Recomendação 01/2022 com o intuito de orientar as empresas e empregadores sobre as consequências da prática do assédio eleitoral.

Foi divulgada também uma nota técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre a prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho

É espécie de assédio moral.

Ricardo Calcini, professor e coordenador editorial trabalhista, explica o que é assédio eleitoral no ambiente de laboral: “É o abuso de poder patronal para que o(a) trabalhador(a) seja coagido(a), intimidado(a), ameaçado(a) ou influenciado(a) em seu voto. Caso seja comprovada a denúncia, a empresa poderá responder uma ação civil pública e, assim, poderá suportar o pagamento de uma indenização por danos morais”.

Disse Nayana Shirado( Disponível https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/5271/2015_shirado_assedio_eleitoral_ambiente.pdf?sequence=6&isAllowed=y):

“Para além da campanha eleitoral realizada no chão da fábrica ou no corpo a corpo do lado de fora, algumas candidaturas imbuídas do espírito de que para ser eleito vale tudo, lançam mão de condutas entre apoiadores e colaboradores, no ambiente de trabalho, que desequilibram a disputa eleitoral e beiram, no mínimo, à reprovação moral.

O Tribunal Superior do Trabalho, em oportuna iniciativa, apresentou à sociedade uma cartilha que é um instrumento importante contra essa conduta corrosiva que ocorre nos ambientes de trabalho. Ali se diz:

“Assédio moral é a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades. É uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho.”

O assédio moral é conceituado por especialistas como toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho”.

Disse ainda Pedro Paulo Teixeira Manus que na atividade empresarial há uma obrigação de fiscalizar os atos praticados pelos seus prepostos, pois estes agem em seu nome e, portanto, responsabilizam-na por prejuízos que venham a causar.

Há um dano moral.

Louve-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas, pág. 82) para quem se pode conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. Por essa razão, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.

Trata-se da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho ou assédio político, como também é conhecido o fenômeno que, embora mereça maior atenção da comunidade jurídica, por tangenciar o direito eleitoral, o direito administrativo e o direito do trabalho, não ensejou produção legislativa ou literatura específica até o presente momento, havendo esparsas menções nas atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima”.

Sendo assim qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona à honra, constitui dano moral e é indenizável.

É a linha do pensamento trazido pelo Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 447.584/RJ, DJ de 16 de março de 2007, onde se acolhe a proteção do dano moral como verdadeira tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, considerando-a como um autêntico direito à integridade ou incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos.

Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes(Assédio eleitoral nas relações de trabalho, in Consultor Jurídico, em 13 de outubro de 2022) disseram-nos que:

“Claro está, portanto, que a empresa deve adotar todas as medidas efetivas a fim de coibir a prática do assédio eleitoral, pois, uma vez configurado, justifica até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afinal, o empregador deve zelar por um meio ambiente do trabalho seguro e saudável, de sorte a promover, através de políticas internas, orientações para se evitar campanhas e propagandas políticas no local de trabalho.

Em arremate, impende destacar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, encontrando limitações, principalmente, quando colide com os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.”

Nas últimas eleições colombianas, surgiram casos de empresários que exerceram pressões indevidas sobre seus trabalhadores para que se abstenham de votar no candidato de esquerda, comportamento que a Missão de Observação Eleitoral qualificou de “criminoso”, como revelou importante reportagem do O Globo, em 20 de maio de 2022.

O exemplo mais notório foi o de Sergio Araújo Castro, um dos fundadores do Centro Democrático, atual partido no poder, juntamente com o ex-presidente Álvaro Uribe. Castro desencadeou uma discussão acalorada ao garantir, nas redes sociais, que pretende demitir os trabalhadores de suas empresas que apoiassem o candidato presidencial do Pacto Histórico, a heterogênea coalizão de esquerda que já obteve a maior bancada no Congresso no eleições legislativas de março:

“Um funcionário que vota no Petro não se encaixa no meu esquema de negócios e simplesmente precisa sair”, escreveu Castro.

No Brasil, como dito, o quadro não é diferente, infelizmente.

Como revelou site da CUT, em 2 de setembro de 2022, empresária Roseli Vitória Martelli D’Agostini Lins do setor agropecuário, divulgou um vídeo nas redes sociais estimulando seus colegas a demitir trabalhadores e trabalhadoras que forem votar no ex-presidente Lula (PT) nas eleições para presidente em 2 de outubro deste ano.

“Demitam sem dó”, diz a sócia da empresa baiana Imbuia Agropecuária LTDA, que produz soja no município de Luís Eduardo Magalhães.

“Eu queria falar algo para os nossos agricultores: façam um levantamento, quem vai votar no Lula e demitam. Demitam sem dó porque não é uma questão de política, é uma questão de sobrevivência. E você que trabalha com o agro e que defende o Lula, faça o favor, saia também”, afirmou a empresária no vídeo.

“Nós, agricultores, temos que tomar posição. E não venham me dizer ‘ah, não, tem que [respeitar] o direito’. Não é direito, é questão de sobrevivência.”

Extrapolando o âmbito trabalhista há evidente ação escandalosa nos limites eleitorais de forma de captação de sufrágio que geralmente é aliada ao abuso de poder econômico e político.

A captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico, apesar de semelhantes, não se confundem. Ambos constituem ilícitos eleitorais que acarretam a cassação do registro ou do diploma do candidato em virtude do emprego de vantagens ou promessas a eleitores em troca de votos, apresentando, todavia, cada qual as suas particularidades, seja na fonte de previsão legal, seja no objeto que visam tutelar.

A compra de votos, espécie do gênero abuso do poder econômico, está prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 e assim deve ser identificada:

[…] doação, oferecimento, promessa, ou entrega, ao eleitor, pelo candidato, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufirs, e cassação do registro ou do diploma.

Tem-se o ilícito penal:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Trata-se de crime formal, instantâneo.

O tipo penal permite a prática da oferta de sursis processual e ainda de proposta de não persecução penal por parte do Parquet .

Na captação ilícita de sufrágio, ou compra de votos, o beneficiário da ação do candidato deve ser, necessariamente, o eleitor, caso contrário, não haverá perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto, não se configurando, portanto, o ilícito.

Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531) procura defini-lo como a “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto”

Na captação ilícita de sufrágio, ou compra de votos, o beneficiário da ação do candidato deve ser, necessariamente, o eleitor, caso contrário, não haverá perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto, não se configurando, portanto, o ilícito.

Dita o artigo 41- A da lei de eleiçoes:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990 . (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

  • 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).

Como explicou Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pá. 400) “a sanção prevista pelo art. 41-A, visando a fustigar os que cometerem a captação de sufrágio, é desdobrada em uma multa pecuniária e na poda do registro de candidatura ou diploma; “(….) sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma. Observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, prescreve o documento normativo.”

É certo que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, em diversos julgados, no sentido de que a cassação do registro por captação ilícita de sufrágio não induz a inelegibilidade, mas apenas a perda de condição de candidato

Disse Adriano Soares da Costa (obra citada, pág. 492):

“Ora, se a norma do art. 41-A prevê como ilícita a conduta do candidato de apenas prometer uma vantagem pessoal de qualquer natureza, com a finalidade de obter do eleitor o voto, está claro que não se há de falar em relação de causalidade ou em gravidade do ato do candidato para se lhe infringir uma sanção. Havida a promessa – note-se, basta a promessa – consumado esta o tipo da captação ilícita de sufrágio. Seja como for, parece-nos que tanto na hipótese do abuso de poder econômico, como na captação de sufrágio, se busca coibir a perturbação da livre manifestação popular, sendo essa joeira retórica utilizada naquele julgamento sem densidade alguma para servir de critério para apartar ambos os ilícitos eleitorais.

Quem oferece ou promete vantagem pessoal ao eleitor, com o fito de lhe obter o voto, está perturbando a livre manifestação popular, corrompendo assim a vontade a ser manifestada pelo eleitor.”

Situações como essas minam as relações trabalhistas e são péssimas para a democracia.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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