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A inconstitucionalidade das chamadas “emendas pix”

Por Rogério Tadeu Romano*

Como informou o portal de notícias do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra as chamadas “emendas PIX”. Incluída na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 105/2019, a sistemática permite a destinação de recursos federais a estados, Distrito Federal e municípios por meio de emendas parlamentares impositivas ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), sob a forma de transferência especial, sem necessidade de celebração de convênio para controle da execução orçamentária. As emendas PIX também dispensam a indicação do programa, projeto ou atividade a serem fomentados com os valores alocados, além de suprimirem a competência do Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalização dos recursos federais.

Para Paulo Gonet, o sistema gera perda de transparência, de publicidade e de rastreabilidade dos recursos orçamentários federais, além de ofender vários princípios constitucionais, tais como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites que a própria Constituição Federal estabeleceu para a reforma ou alteração do seu texto. Em pedido cautelar, o PGR requer a imediata suspensão dos dispositivos que permitem as emendas PIX (art. 166-A, I e §§ 2º, 3º e 5º, da CF), até que o STF julgue o mérito da ação. É correta a ação ajuizada pelo procurador-geral da República.

A falta de transparência, da necessária publicidade, ofende de forma direta aos ditames do artigo 37 da Constituição Federal.

Orçamento que não é transparente é orçamento espúrio. Agride-se ainda o artigo 165 da Constituição.

A transparência requer a ampla divulgação das contas públicas, a fim de assegurar o controle institucional e social do orçamento público. Por sua vez, a rastreabilidade compreende a identificação da origem e do destino dos recursos públicos. Sobre o ponto, aliás, destacou o Min. Roberto Barroso em voto proferido na ADPF nº. 854, que “em uma democracia e em uma república não existe alocação de recurso público sem a clara indicação de onde provém a proposta, de onde chega o dinheiro” (e-doc. 369 da ADPF nº. 854).

A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Especialmente exige-se que se publiquem atos que deixam surtir efeitos externos, fora dos órgãos da Administração.

Não se admitem na Administração ações sigilosas.

No ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 13ª edição, pág. 564), a publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como ainda de propiciação do conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade, como lembrou José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 565), atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos de quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos componentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado e dele obter certidão ou fotocópia autenticada para fins constitucionais.

De acordo com o texto constitucional, o orçamento configura instrumento de atuação transparente e responsável, que possibilita ao Poder Público executar as despesas e os investimentos de forma eficiente e planejada.

O Orçamento além de ser peça pública, deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas as pessoas e suas estimativas devem ser tão exatas quanto possível de forma a garantir a peça orçamentária um mínimo de consistência.

Mas o orçamento é uma peça que é formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas, que, materialmente, se traduz em ato político-administrativo. Tem-se a posição do Supremo Tribunal Federal já delineada:

“EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – C.P. M.F. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE “DA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA C.P. M.F.” COMO PREVISTA NA LEI Nº 9.438/97. LEI ORÇAMENTÁRIA: ATO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO – E NÃO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: ART. 102I, A, DA C.F. 1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102Ia, da Constituição Federal, pois ali se exige que se trate de ato normativo. Precedentes (…)”. (ADI 1640 / DF, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 12/02/1998).

Como lei, o orçamento se submete ao controle abstrato de constitucionalidade ( ADI 4048 MC/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, 14 de maio de 2008).

Em especial, merecem atenção as chamadas “Emendas PIX”.

A Emenda Constitucional n. 105/2019 previu duas categorias de descentralização fiscal por meio de emendas orçamentárias individuais: a) a denominada “transferência especial” (vulgo”emenda PIX”), que possui maior celeridade e menor controle procedimental, conferindo ao ente receptor dos recursos a decisão sobre onde aplicá-los; e b) a “transferência com finalidade definida”, que se amolda à tradição de descentralização de recursos no Brasil, cuja despesa é decidida previamente e especificada no orçamento, exigindo maior rigidez procedimental e, consequentemente, um maior controle pelo ente que repassa os recursos.

As “Emendas PIX”, oficialmente conhecidas como “emendas individuais de transferência especial”, são um mecanismo que permite que deputados e senadores façam transferências de recursos federais para Estados e municípios. Criadas em 2019, as “emendas PIX” são uma forma simplificada de transferência de recursos, daí o apelido.

As “Emendas PIX” são um mecanismo que permite que deputados e senadores façam transferências de recursos federais para Estados e municípios de forma simplificada. Criadas em 2019, essas emendas se tornaram populares em ano de eleições, como foi o caso em 2023, quando parlamentares bateram recorde de “emendas PIX”. As “emendas PIX” são parte da Lei Orçamentária, que define o orçamento de cada ano, e são um mecanismo utilizado para mudar o orçamento. Deputados e senadores fazem uso dessas emendas para alocar e repassar recursos diretamente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, independentemente de convênios ou instrumentos congêneres (portal CONTABILIDADE PÚBLICA).

Fala-se que no procedimento das emendas pix, há desenhos institucionais que dificultam a fiscalização e incentivam o descumprimento de normas (Caio Gama Mascarenhas, in REGULAMENTAÇÃO LOCAL DAS TRANSFERÊNCIAS ESPECIAIS (EMENDAS PIX) E COMBATE À CORRUPÇÃO).

Ainda nos disse Caio Gama Mascarenhas (obra citada) que a emenda “PIX” (ou transferência especial) foi a espécie que representou a verdadeira inovação apresentada pelo texto do artigo 166-A do texto constitucional – introduzida pela Emenda Constitucional 105/2019. Essa modalidade de repasse é realizada diretamente ao ente federado beneficiado, independentemente da identificação da programação específica no orçamento federal e da celebração de convênio ou de instrumento congênere. Sua característica mais marcante é a previsão de que seus recursos passam a pertencer ao ente federado no ato da efetiva transferência financeira, mudando igualmente a competência para controle desses recursos (dos órgãos federais de controle para órgãos locais de controle). Esse tipo de repasse é regulamentado pela Portaria Interministerial ME/SEGOV nº 6.411/2021.

Para tanto, Caio Gama Mascarenhas aponta “gargalhos” na condução desse procedimento. Disse ele:

“No procedimento das emendas pix, há desenhos institucionais que dificultam a fiscalização e incentivam o descumprimento de normas. Ressalta-se que a descentralização fiscal não é um gargalo, mas um instrumento político de governança que mitiga o monopólio de poder estatal. Pode-se dizer que há quatro gargalos: (1) na origem, há a ausência de responsabilização dos entes receptores infratores no momento da definição dos beneficiários das emendas pix; (2) a falta de transparência na execução orçamentária; (3) a baixa governança orçamentária de grande parte dos entes receptores; e (4) a ausência de institucionalização da comunicação e cooperação entre Tribunal de Contas da União, de um lado, e Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal (TCE e TCDF) e dos municípios (TCM), do outro.”

É necessário, pois, a produção de um marco regulatório para coibir essas anormalidades, rastreando o caminho por onde passam esses recursos.

A adoção dessas “emendas PIX” permite um caminho aberto para a corrupção e improbidade.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

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