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O poder religioso e as eleições 

Por Rogério Tadeu Romano 

I – O FATO

Lembrou o site do Estadão, em 14 de agosto de 2022, que “analistas veem com preocupação tom de manifestações da primeira-dama e apontam risco de aumento de episódios de intolerância religiosa em razão da disputa eleitoral.”

Prosseguiu aquela reportagem por aduzir que “a fé ultrapassou a pregação do altar para pautar discurso político na campanha eleitoral pelo Planalto – palácio “consagrado a demônios” antes da posse de Jair Bolsonaro (PL), segundo a primeira-dama Michelle. Manifestações da mulher do presidente e de aliados puseram em alerta analistas e políticos para os riscos da intolerância religiosa, enquanto o núcleo de campanha de reeleição de Bolsonaro tenta minimizar o impacto dos episódios.”

 Ainda se noticia:

“Em um culto no domingo passado, Michelle afirmou que o Planalto, “hoje, é consagrado ao senhor Jesus”. Dois dias depois, em uma rede social, compartilhou um vídeo que mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no ano passado, em um ritual do candomblé, o que foi associado às “trevas”. “Isso pode, né? Eu falar de Deus, não”, escreveu.”

Ocorre que as declarações recentes, aqui reportadas, no entanto, indicam o uso de um equipamento da administração pública – no caso, o Planalto – com objetivos privados e eleitorais, o que, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, fere o Estado laico.

A Administração Pública não pode estar a serviço de um credo.

Transcrevo, outrossim, trecho do editorial do Estadão, em 13 de agosto do corrente ano, que demonstra a gravidade da situação:

“Ainda que o fenômeno seja anterior e não se restrinja ao bolsonarismo, o uso do púlpito para fins eleitorais pela família Bolsonaro é especialmente escancarado. No domingo passado, a primeira-dama Michelle Bolsonaro mostrou que, na tentativa de angariar votos, não há limites para a confusão entre política e religião. Em culto evangélico na Igreja Batista Lagoinha em Belo Horizonte, Michelle Bolsonaro exaltou seu marido como enviado de Deus na guerra do bem contra o mal.”

Somo a isso grave informação que nos revela o site de notícias do O Globo, em 18 de setembro de 2022:

“Vinte e uma igrejas evangélicas foram abertas por dia no Brasil — quase uma por hora — ao longo da última década, indicam dados inéditos compilados pelo GLOBO. Na ausência de versão atualizada do Censo Demográfico, os números são a evidência concreta de que a presença do grupo religioso no país, que superou um quinto da população em 2010, acelerou seu ritmo no período mais recente: o crescimento da quantidade de templos superou em 12% o avanço da década anterior, que havia marcado até então o maior boom protestante na história brasileira. A cada três igrejas evangélicas existentes hoje no país, uma foi inaugurada nos últimos dez anos.”

A matéria merece a devida discussão na esfera eleitoral.

Os líderes religiosos no Brasil cada vez mais agem “como próceres políticos e pastores nas horas vagas”.

Para eles mais parece que o Brasil não é um estado laico, tal a perniciosa mistura entre a procissão de fé que apresentam e os interesses políticos e econômicos.

O fato é que o Brasil, com os evangélicos à frente, vive uma onda conservadora.

Os impressionantes resultados para as eleições nacionais de 2022 são um reflexo disso.

Ester Solano, entrevistada pelo O Globo, em 4 de outubro de 2022, disse:

“Existem muitos elementos em paralelo, sobretudo a performance online dessa nova extrema-direita. É muito nativa das redes sociais, e se alimenta de uma retórica que a gente denomina de “fascismo pop”, de uma forma de discurso de ódio muito “memeficado”, e que alcança a massa. Há também nos dois casos núcleos cristalizados de eleitores, menores do que a base de votantes, que representam uma compreensão de mundo sob uma perspectiva patriarcal, branca e cristã. Essa tentativa de recuperar uma estrutura social de privilégios e de não suportar a identidade alheia, combinada à desilusão com os Democratas e com o PT, torna este eleitor mais vulnerável àquele que, com um discurso sedutor, se apresenta como aquele que vai “peitar” a política e o politicamente correto. “

Como explicar a espetacular eleição de Damares Alves ao senado?

Disse Alvaro Costa e Silva, na Folha:

“A extrema direita e o reacionarismo deram provas de sua força. Uma força sorrateiramente oculta, mas que na hora agá revela-se nas urnas. Apesar de seus desempenhos pífios e até criminosos, sete ex-ministros asseguraram vagas no Congresso: Damares Alves, Tereza Cristina, Rogério Marinho, Marcos Pontes e Sergio Moro no Senado; na Câmara, Ricardo Salles e Eduardo Pazuello, este o “cumpridor de ordens” no combate desastroso à Covid.

A social-democracia está sendo destruída no Brasil. Prova disso é o processo de demolição do Partido Social da Democracia, o PSDB.

Para tudo isso contribuíram os protestantes, neo-pentecostais, evangélicos. Eles são uma voz firme e possante nesse novo Brasil conservador.

Há, nas eleições gerais de 2022, o fenômeno Nikolas Ferreira. Sobre ele publicou a Folha em 5.10.2022:

“Nikolas Ferreira (PL-MG) conta que, ao nascer, sua mãe o “consagrou para Cristo”. É Ruth quem hoje pede que ele tenha “cuidado com esse povo da esquerda” antes de postular: “Deus te abençoe”.

A batalha contra “esse povo da esquerda” fez do fiel da Comunidade Evangélica Graça e Paz, um vereador de primeiro mandato em Belo Horizonte, o candidato a deputado federal mais votado em todo o país, com 1,49 milhão de votos. A marca anterior no estado era de Patrus Ananias (PT), com 520 mil votos em 2002.

Aos 26 anos, Nikolas se firmou como uma das maiores potências do bolsonarismo, a ponto de ser cogitado nos bastidores como uma carta na manga para futuras eleições presidenciais.”

II – A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Essas ideias trazidas no que se chama “teologia da prosperidade” têm sido por demais discutidas entre os estudiosos e são objeto de pregação nos templos protestantes neopentecostais.

O movimento da Teologia da Prosperidade tem como base os escritos do pregador de rádio e ministro metodista William Essek Kenyon (1867-1948) que dava ênfase às palavras proferidas com fé e à revelação sobre o conhecimento alcançado através dos sentidos o que se resumia na confissão da fé positiva que induzia a ação de Deus.

Monica Conte Campello(Resposta ao desafio de Silas Malafaia aos seus críticos: por que a teologia da prosperidade não é aceita biblicamente? In Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 06, Vol. 02, pp. 72-165. Junho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/teologia/teologia-da-prosperidade, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/teologia/teologia-da-prosperidade) nos disse:

“A Teologia da Prosperidade forma “um conjunto de crenças e afirmações, surgidas nos Estados Unidos, que afirma ser legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna favorável, enriquecer, obter o favorecimento divino para sua vida material ou simplesmente progredir” (CAMPOS, 1997, p.363). Nesse sentido, entende-se essa teologia como uma doutrina de cunho religioso cristão que preconiza a bênção financeira como sendo a vontade de Deus para o seu povo e que sua riqueza material pode aumentar através de doações feitas a ministérios cristãos como as pregações que se ouvem pelas igrejas que a defendem.

Trata-se de uma corrente teológica de origem norte-americana que inicialmente, no séc. XIX, praticava a comercialização da fé a partir da deturpação dos ensinamentos bíblicos, exaltando o acúmulo de riquezas materiais terrenas. Nos dias atuais, prega o favor divino àqueles que se tornam seus adeptos que aprendem a substituir a fé por prósperos empreendimentos a partir do ensinamento de que Jesus Cristo exige, obrigatoriamente, a busca pela riqueza material e a boa saúde. Todavia, se a fé for fraca, dará margens para que surjam miséria e doenças. Isso retrata a Confissão Positiva – outro nome para a Teologia da Prosperidade – que usurpa o ensinamento cristão da confissão de fé (AUGUSTI e TICÃO, 2020). Essa em seu caráter original foi estabelecida pelo Credo Niceno através da Igreja Primitiva em 325 d.C. que ressaltava a base da fé cristã contra falsas doutrinas (FERGUSON, 2013, p. 418). Segundo Campello (2021, p. 139), diferentemente do propósito original, a confissão positiva é proclamada por algumas igrejas da prosperidade, tanto físicas quanto midiáticas, com foco na prosperidade material, doutrinando os seus seguidores a confessarem que já possuem o que desejam, sendo essa atitude o suficiente para garantir que assim sucederá.

A Teologia da Prosperidade sob o mote “Viver como filho do rei” reduz tudo a termos econômicos e vai de encontro a essas afirmações bíblicas quando diz que a pobreza é demoníaca porque Deus sendo um pai amoroso e rico quer que seus filhos sejam sadios, prósperos e ricos visto que o sofrimento nega a sua presença.

A Teologia da Prosperidade é dotada de um caráter mercadológico que inclui pedidos de doações, venda de produtos para auxiliar o crente em sua experiência religiosa como sabonetes e vassouras, martelos e pares de meias, orações ungidas e amuletos, água benta do Rio Jordão, óleos milagrosos, CDs e DVDs, cruzes com areia da terra santa etc. Oferecem cura e libertação de diversos males através da distribuição de propagandas impressas que equivalem a investimentos para a conquista de desejos diversos e status social. Desse modo, a religião se torna a melhor opção para ajudar a solucionar problemas pessoais se estendendo até à própria nação na qual as pessoas sofrem os efeitos de discursos fundamentalistas que prometem solução para os problemas sociais, mas não a cumprem. E seus próprios discursos repletos de termos como “determinar” incutem na mente de seus ouvintes o pensamento de que, investindo sua fé nesse verbo, tornam-se aptos a se transformarem em novos empreendedores.”

Após uma longa argumentação Monte Conte Campello conclui:

 “A Teologia da prosperidade não é aceita biblicamente porque conforme descrito em Respostas Bíblicas (2022) a Teologia da Prosperidade é uma heresia que promete muitas riquezas e sucessos materiais a quem tem fé em Deus; porém, na contramão dessa afirmação, de acordo com a Bíblia há coisas muito mais importantes que bens materiais. Essa teologia ensina que o fato de ser crente implica uma troca comercial de modo que se alguém investe em Deus, Deus lhe devolve mais. Além de essas palavras não estarem em harmonia com o texto sagrado, elas não se aplicam na realidade prática da vida de um cristão, o que é sabido por qualquer pessoa. Dentre os vários equívocos encontrados por Vinicius (2021) na Teologia da Prosperidade, considerar que a prosperidade é uma prioridade do evangelho contradiz a verdade bíblica de que a mensagem principal do evangelho é apresentar o plano de salvação de Deus à humanidade que se encontra corrompida pelo pecado. O próprio texto bíblico corrobora essa verdade quando ressalta que se o homem perder a sua alma de nada terá valido ganhar o mundo inteiro (Mc 8:36). Assim, Vinicius (ibidem) diz que se for necessário alguém passar por dificuldades terrenas a fim de ganhar a vida eterna, Deus não impedirá que elas aconteçam. Logo, conclui-se que a Teologia da Prosperidade é uma teologia antibíblica.”

 III – A LAICIDADE

Trago à colação, importante voto do ministro Fachin em caso em que se discutiu a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016, no município de Luziânia (GO), e acusada de praticar abuso de poder religioso durante a campanha.

Ao final daquele pronunciamento, o ministro Fachin propôs ao Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, a partir das Eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).

“O princípio da laicidade estatal supõe a preservação de uma autonomia recíproca entre Estado e igrejas, sem impor a ideia de que religião e política devem excluir-se mutuamente”, disse Edson Fachin. “As visões religiosas habitam a normalidade democrática e incidem, legitimamente, sobre a configuração dos sistemas partidários, tendo em vista que, ao lado das miradas seculares, as concepções religiosas sobre a vida ou o cosmos animam, com especial relevância, o ideário relativo à procura do bem comum.” Por isso, “o próprio regime inerente ao sufrágio assegura, a cada indivíduo, plena autonomia para a seleção dos critérios definidores da opção eleitoral”, afirmou o relator.

Disse o ministro Fachin, lembrando que “a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com zelo, visto que as igrejas e seus dirigentes possuem um poder com aptidão para enfraquecer a liberdade de voto e debilitar o equilíbrio entre as chances das forças em disputa”.

Na linha já traçada no artigo 5º, VI, da Constituição, é protegida a liberdade de consciência e de crença. A liberdade de consciência se destina a dar proteção jurídica que inclui os próprios ateus e os agnósticos.

O Estado deve se manter absolutamente neutro, não podendo discriminar entre as diversas igrejas, quer para beneficiá-las, quer para prejudicá-las. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro.

Mas esse caráter laico do Estado brasileiro não compromete a obrigação que possui de propiciar assistência religiosa nos estabelecimentos de internação, na forma do artigo 5º, inciso VII, da Constituição.

O Estado encontra-se impossibilitado de se imiscuir sobre aspectos internos das doutrinas religiosas. O dever do Estado, nessa esfera, repita-se, é garantir a todos, independente de credo, o exercício dos direitos à liberdade de expressão, de pensamento e de crença, de forma livre, igual e imparcial, não se podendo conceber que conceda privilégios a determinadas religiões.

O entendimento vem desde o limiar da República, do que se vê da redação do Decreto nº 119 – A, de 7 de janeiro de 1890, o qual: “Proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências”.

Dir-se-á que a laicidade, que não se confunde com laicismo, foi colocada como princípio constitucional pela Constituição de 24 de fevereiro de 1891, cujo artigo 11, § 2º, dispôs que é vedado aos Estados e à União “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Tal preceito é mantido pela Constituição de 1934 (artigo 17, incisos II e III), pela Carta democrática de 1946 (artigo 37, incisos II e III), pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional nº 1/69 (artigo 9º, inciso II). A laicidade estatal revela-se princípio que atua de modo dúplice: a um só tempo, salvaguarda-se as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva do Estado nas respectivas questões internas, protegendo o Estado de interferências indevidas provenientes da seara religiosa, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer igreja ou culto, inclusive majoritário.

Consagra-se, no Brasil, a liberdade religiosa e, ainda, o caráter laico do Estado. A liberdade religiosa e o Estado laico determinam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, que envolvem, por exemplo: o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução.

Como afirmou o ministro Celso de Mello, no julgamento da ADin 4.439, o Estado laico não pode ter preferências de ordem confessional, não podendo interferir nas escolhas religiosas das pessoas. “Em matéria confessional, o Estado brasileiro há manter-se em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”, destacou, ao acompanhar integralmente o relator da ação direta.

Para o ministro Marco Aurélio, no mesmo julgamento citado, a laicidade estatal “não implica o menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim, afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual”. “O Estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico”, ressaltou, acrescentando que não cabe ao Estado incentivar o avanço de correntes religiosas específicas, mas, sim, assegurar campo saudável e desimpedido ao desenvolvimento das diversas cosmovisões.

Ao tratar da organização do Estado, a Constituição de 1988 previu três vedações fundamentais, sendo a primeira uma proteção da laicidade estatal e da liberdade religiosa. “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”, dispõe o art. 19, I do texto constitucional.

A liberdade religiosa é uma garantia fundamental. Em deferência a essa liberdade, as igrejas recebem um tratamento jurídico diferenciado. Por exemplo, a Constituição de 1988 veda a criação de impostos sobre os templos, com o objetivo de assegurar e proteger o livre exercício da prática religiosa.

O que é religião?

Religião é um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais (Embora a religião seja difícil de definir, um modelo padrão de religião, usado em cursos de estudos religiosos, foi proposto por Clifford Geertz, que simplesmente a considerara um “sistema cultural” (Clifford Geertz, “”Religião como Sistema Cultural, 1973). A crítica do modelo de Geertz por Talal Asad categorizou a religião como “uma categoria antropológica” (Talal Asad,A Construção da Religião como uma categoria antropológica, 1982).

Nessa linha de pensar, a Constituição de 1988, na linha das anteriores, estabelece a imunidade dos templos.

A Imunidade Tributária ocorre quando a Constituição, ao realizar a repartição de competência, coloca fora do campo tributário certos bens, pessoas, patrimônios ou serviços.

A imunidade é uma hipótese de não-incidência prescrita na Constituição (não-incidência qualificada).

Paulo de Barros Carvalho traz o seguinte conceito de imunidade:

“A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.” (Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178).

A Constituição Federal prescreve que é vedada a instituição de impostos sobre os templos de qualquer culto.

Assim se lê do artigo 150 da Constituição Federal, inciso I, alínea b, onde se dita que é vedado instituir impostos sobre “templos de qualquer culto”.  A interpretação, como em qualquer forma de imunidade tributária, deve ser restrita.

IV – O ARTIGO 37, § 4º, DA LEI DE ELEICOES  É proibida a realização de proselitismo político no interior de templos de qualquer culto, conforme determina a Lei das Eleicões (artigo 37, parágrafo 4º, da Lei nº 9.504/1997). Sendo assim, afirma-se que a exploração política da fé religiosa encontra obstáculo, tanto no âmbito da regulação publicitária (artigo 242 do Código Eleitoral), como na regra que trata da anulação de eleições viciadas pela captação ilícita de votos, “conceito que engloba, por expressa remissão legislativa, a interferência do poder (econômico e de autoridade) em desfavor da liberdade do voto (artigo 237 do Código Eleitoral).

Assim determina a Lei das Eleicoes:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

  • 4o Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Objetiva-se impedir que qualquer força política possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos, em ordem a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito.

Observa-se que dado a circulação de pessoas, os templos religiosos são arrolados na lei eleitoral como bens de uso comum embora, no direito civil, sejam bens privados.

O chamado “abuso de poder religioso”, para o caso, não decorre de um direito ao qual um determinado candidato abusou. Esse “abuso de poder religioso” é o uso em excesso de uma forma de propaganda ilegal realizada em templos religiosos ou similares.

Lembro a lição de Frederico Franco Alvim (Curso de Direito Eleitoral, 2016, pág. 352):

“Tal como a mídia, o poder religioso representa uma espécie de poder ideológico.”

Ainda Frederico Franco Alvim, citado pela ministra Rosa Weber, naquele importante julgamento nos orienta que:

“Tem-se falado na possibilidade de enquadramento da modalidade religiosa no conceito de abuso de poder de autoridade, previsto no caput do art. 22, LC 64/1990. Trata-se de visão, sem dúvida, possível, sobretudo quando se toma a expressão no sentido oferecido por Bourricaud, para quem o termo designa o ascendente exercido pelo detentor de um qualquer poder, que leva aqueles a quem se dirige a reconhecer-lhe uma superioridade que justifique o seu papel de comando ou de orientação.”

Para Bobbio, o poder ideológico remete à capacidade de influência que “as ideias formuladas de um determinado modo, emitidas em determinadas circunstâncias, por uma pessoa investida de determinada autoridade, difundidas através de determinados procedimentos, têm sobre a conduta dos consorciados”.

O chamado “abuso de poder religioso” configura-se quando há qualquer uso de estruturas religiosas em busca de benefícios eleitorais, de modo a desequilibrar a disputa política, por constituir instrumento não disponível aos demais candidatos.

Temos, como exemplo, o caso do candidato que sobe ao altar ao lado do líder religioso que o exalta, enaltece sua imagem política de modo a transparecer que ele (o candidato) deve ser eleito por determinação divina.

Os candidatos assim destinados tornam-se instrumentos da destinação divina perante o eleitor.

Como bem acentuou o Estadão, em editorial, no dia 3 de julho de 2020, longe de inventar uma nova regra jurídica, a proposta do ministro Fachin alerta para um fato evidente – as lideranças religiosas exercem uma autoridade sobre seus fiéis, o que pode ter consequências sobre a liberdade política. “A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade.”

Sendo assim, impede-se que qualquer força política possa coagir, moral ou espiritualmente, os cidadãos, em ordem a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito.

Tem-se, nesse quadro que o TRE-SP decidiu que é proibida a influência religiosa para fins eleitorais, sendo indiferente o local em que a propaganda política ocorra; “RECURSOS ELEITORAIS. AÇÃO DE INVESTIGACÃO JUDICIAL ELEITORAL: – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. ACOLHIDO O PEDIDO DE ASSISTÊNCIA DO PRIMEIRO SUPLENTE DA COLIGAÇÃO. MÉRITO: ALEGAÇÃO DE QUE O PEDIDO OSTENSIVO DE VOTOS DURANTE CULTO E A DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PROPAGANDA NAS IMEDIAÇÕES DA IGREJA CONFIGURARAM ABUSO DE PODER RELIGIOSO. ILÍCITO CONFIGURADO. RECURSOS DESPROVIDOS. MANTENDO-SE A CASSAÇÃO DO REGISTRO E A DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE.” (TRE-SP, RE nº 42531, Rel. CARLOS EDUARDO CAUDURO PADIN, j. 09/04/2018, DJe 07/06/2018).

Roberto Camilo de Carvalho Junior (O abuso do poder religioso no processo eleitoral brasileiro), em importante estudo sobre o tema nos revelou que: “o abuso também pode ser caracterizado pelo viés da proteção a liberdade do voto e captação ilícita de sufrágio previsto no art. 41-A da Lei das Eleicoes.”

Nessa linha de raciocínio ainda bem aludiu Roberto Camilo de Carvalho Júnior (obra citada), em conclusões sobre o tema:

“A tese do “abuso de poder religioso” vem paulatinamente tomando corpo, através de uma construção jurisprudencial e doutrinária que busca a equiparação deste, como prática punível, às figuras já previstas em lei do abuso de poder econômico e abuso de poder político, numa tentativa de imposição de limites à influência religiosa no processo eleitoral.”

Dito isso, nesse ponto, volto-me ao voto do ministro Fachin, naquele leading case:

“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”.

Por isso, segue o ministro, “dita interpretação finca pé na necessidade de impedir que qualquer força política possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos, em ordem a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito.”

Somo a isso importante manifestação da ministra Rosa Weber para quem: “Imperioso perscrutar em que extensão cidadãos são compelidos a apoiar determinadas candidaturas a partir da atuação de líderes religiosos, que, por vezes, atrelam sua indicação, fruto de escolha política pessoal, à vontade soberana de Deus, com reflexo direto na liberdade dos fiéis e enfraquecimento consequente do processo democrático.” ( RO nº 537003, Rel. Min. Rosa Weber, j. 22/8/2018, DJe 27/09/2018, p.26).

Naquele julgamento do RO nº 537003, a relatora ministra Rosa Weber advertiu para a prática por parte dos grupos religiosos brasileiros, que se caracterizaria, em especial, “pelo uso massivo dos meios de comunicação social – a consolidar os líderes religiosos como importantes formadores de opinião, fenômeno que repercute, inevitavelmente, na seara eleitoral.”

Concluiu a ministra que a extrapolação da ascendência dos ministros religiosos sobre seus fiéis pode ser enquadrada na figura do abuso de autoridade tipificado no art. 22, XII, da LC no 64/1990, haja vista ser “insofismável o poder de influência e persuasão dos membros de comunidades religiosas”.

Arremate-se que o TSE bem concluiu:

“A reiterada conclamação aos fiéis durante as celebrações religiosas, por seus líderes, para que apoiem determinada campanha, cientes do poder de influência que têm sobre a tomada de decisões de seus seguidores, é conduta que merece detido exame pela Justiça Eleitoral, considerada a missão de que investida, pela Constituição Federal, quanto ao resguardo da legitimidade do pleito”. (TSE, RO nº 537003, Rel. Min. Rosa Weber, j. 22/8/2018, DJe 27/09/2018, p.26).

É caso de abuso de poder que deve ser apurado em Ações de Investigação Judicial Eleitoral. Isso porque a lisura do processo eleitoral poderá estar comprometida com essas condutas flagrantemente abusivas.

Assim será caso de coibir propaganda eleitoral no recinto do culto religioso com utilização de recursos dos templos em benefício de qualquer candidato.

Trata-se de um importante tema sobre o qual a Justiça Eleitoral deve se debruçar a bem da justiça do pleito.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.