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A festa da morte: um conto sobre as consequências de escolhas erradas feitas pela Administração Pública

Por Gláucio Tavares Costa*

Na certidão de óbito do senhor Brasileiro da Silva, pedreiro, constava como causa da morte edema pulmonar e aterosclerose decorrentes de hipertensão arterial sistêmica.

No dia da morte do senhor Brasileiro da Silva, estava sendo comemorado o aniversário da emancipação política do município onde ele residia com sua esposa e quatro filhos. Nessa ocasião, o prefeito contratou o famoso cantor sertanejo Gustavo Lima por R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), o popular Wesley Safadão por R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) e a banda Aviões do Forró por R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Os artistas locais foram completamente desprezados.

No final da tarde daquele dia, apesar de ser feriado no município, o senhor Brasileiro sentiu um leve aperto no peito, que foi ficando mais forte a cada instante. Ele tentou esconder as dores de sua família o quanto pôde, mas com a crescente falta de ar, acabou demonstrando sinais de mal-estar. Então, foi levado ao hospital municipal, que estava superlotado, sem farmacêutico e contava apenas com um médico, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem para atender vários casos de urgência ao mesmo tempo. Isso resultou em um atendimento tardio ao senhor Brasileiro, que, aliado à falta de medicação para tratar a crise aguda de hipertensão na unidade hospitalar, levou à morte do pedreiro que anteriormente trabalhara na construção do hospital municipal.

A senhora Nordestina da Silva, agora viúva do pedreiro, explicou ao médico que, devido à infelicidade de sua máquina de costura quebrar, estava extremamente angustiada, pois o casal não tinha dinheiro suficiente para comprar a medicação prescrita para amenizar as consequências da hipertensão arterial do falecido marido, nem para tratar sua grave diabetes. Além disso, essa medicação sempre estava em falta nas farmácias das unidades de saúde do município.

A morte do senhor Brasileiro foi alimentada diariamente pela falta constante de medicamentos para o tratamento de sua hipertensão arterial, consumindo-o no trágico dia do show milionário financiado pelo município.

Os quatro filhos do senhor Brasileiro da Silva estavam prestes a sair para a festa milionária quando ele chegou em casa, ainda escondendo a dor no peito. Eles só souberam da morte do pai quando o show de Gustavo Lima terminou.

Os valores gastos com os cachês e a estrutura do show milionário foram obtidos pela redução dos recursos destinados à compra de medicamentos, contratação de profissionais de saúde, bem como pela restrição dos gastos com merenda escolar e pagamento de professores.

Muitas pessoas comemoraram a morte do senhor Brasileiro da Silva sem saber.

*É analista judiciário do TJRN e mestrando em Direito pela FUNIBER.

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