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A prisão especial é inconstitucional

Por Rogério Tadeu Romano*

O artigo 295 do Código de Processo Penal concede prisão especial às pessoas, que, pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estão sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal.

Com relação a magistrados e juízes de paz a matéria é tratada nos artigos 33, III, e 112, § 2º, respectivamente, da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979. Quanto aos advogados e procuradores, aplica-se o artigo 6º, V, da Lei 8.906, de 5 de julho de 1995. Já os membros do Ministério Público têm esse benefício a teor do artigo 18, II, ¨e¨, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 e ainda do artigo 40, V, da Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.

A Lei 5.256/67 determinava que o juiz, considerando a gravidade das circunstâncias do crime, ouvido o representante do Ministério Público, autorize a prisão domiciliar do réu ou indiciado (acusado), nas localidades em que não houver estabelecimento prisional adequado ao recolhimento dos beneficiários da prisão especial.

Prevê o artigo 295 do Código de Processo Penal que há o cumprimento da prisão especial, em local distinto da prisão comum, e que não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este seria recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. De toda sorte, o preso especial não seria transportado juntamente com o preso comum.

Adito que a referida cela especial pode consistir em um alojamento coletivo, abrangendo vários presos especiais, desde que atendidos requisitos como de salubridade do ambiente, pela concorrência de fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico, adequados à existência humana (artigo 295, § 3º, CPP).

Ora, há casos em que a separação dos agentes públicos presos, que lidam com a segurança, deve ser feita para garantir a sua incolumidade física e não representa um privilégio.

Andou certo projeto que tramitou no Senado Federal, e ali foi aprovado ao aduzir que ¨é proibida a concessão da prisão especial, salvo a destinada a preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento e mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida¨. Todavia, afastou a Câmara dos Deputados a modificação referida, mantida a redação do artigo 295, já referenciado.

Fala-se que o advogado ficaria recolhido em Sala do Estado-Maior, para efeito da prisão especial, até o trânsito em julgado da condenação. Já se entendeu que tal recolhimento em sala, com ou sem grades, na Polícia Militar, atendia ao requerido ( HC 99.439 e Reclamação 5.192), e até mesmo o recolhimento em cela individual em ala reservada de presídio federal se mostrava hábil a tanto, como se vê do julgamento na Reclamação 4.733. Mas é mister que se registre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 116.384, Relatora Ministra Rosa Weber, na esteira da Reclamação 6.387, entendeu que o essencial é que o local ofereça instalações e comodidades condignas, como se lê dos julgamentos nas Reclamações 4.535 e 6.387, consideradas as limitações decorrentes da prisão do agente.

Em nossos dias, quando nas prisões se amontoam sem as mínimas condições de dignidade, há quem pondere que seria inconcebível que pessoas bem-educadas, pais de família, fossem sujeitas à iniquidade da prisão.

Em verdade, o status quo vigente dificilmente iria admitir que advogados, outros profissionais de nível superior como médicos, engenheiros etc, outros doutores, fossem abrigados com outras centenas de detentos, amontoados em celas que mais parecem um cenário de inferno.

A prisão especial é uma afronta ao princípio da igualdade, uma afronta ao princípio republicano, que repugna privilégios. Mas ela segue, sob diversos argumentos, muitos deles que repugnam a razão em nome de uma repulsa ao desconforto e aversão a uma realidade: a falência do sistema penitenciário brasileiro.

Pois bem.

Como informou o site de notícias do STF, em 30.3.2023, o Plenário do Supremo Tribunal formou maioria para declarar que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado).

O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 295, inciso VII, do CPP, que prevê esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Segundo a PGR, a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma “a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”.

O Plenário do Supremo Tribunal formou maioria para declarar que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado). O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 295, inciso VII, do CPP, que prevê esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”.

Segundo a PGR, a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma “a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”.

O ministro lembrou o fenômeno do bacharelismo no Brasil, em que a posse de um título acadêmico legitimava o exercício da autoridade. A seu ver, ainda persiste, na sociedade brasileira, um ranço ideológico desse fenômeno. “A extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei”, concluiu.

O voto do relator foi seguido pelas ministras Rosa Weber (presidente) e Cármen Lúcia e pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, dentre outros.

Os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli apenas fizeram uma ressalva sobre o tema, anotando que declarar a inconstitucionalidade da prisão especial para quem tem diploma de curso superior não implica dizer que o preso “não poderá em hipótese nenhuma ficar segregado em local separado de outros”. “Aplica-se, no caso, a regra geral. Assim, se constatado, pelas autoridades responsáveis pela execução penal, que determinado preso, possuidor ou não de diploma de curso superior, tem sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos, esse ficará segregado em local próprio separado dos demais, como prevê a Lei de Execução Penal”, apontou Fachin.

Em síntese, disse o ministro Moraes: “Trata-se, na realidade, de uma medida discriminatória, que promove a categorização de presos e que, com isso, ainda fortalece desigualdades, especialmente em uma nação em que apenas 11,30% da população geral tem ensino superior completo e em que somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma universidade.”

A decisão do STF não significa, porém, o fim das prisões especiais. Com base no próprio Código de Processo Penal ou em legislações específicas, ministros de Estado, do Tribunal de Contas, governadores, prefeitos, parlamentares, oficiais das Forças Armadas, delegados, magistrados, integrantes do Ministério Público, advogados, entre outras categorias, ainda poderão ocupar cela especial em prisões provisórias.

O debate, pois, continua em aberto. Isso em um momento em que os presídios são controlados por facções criminosas.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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