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E se, em vez do Irã, fôssemos nós?

Imagine se, em 1979, a ditadura militar do Brasil tivesse sido deposta por um clérigo em uma revolução. Imagine se estes revolucionários instalassem um regime religioso e enforcassem opositores. Imagine se mantivessem 52 diplomatas americanos como reféns na Embaixada dos EUA em Brasília por 444 dias.

Estudantes iranianos protestam contra abate

Imagine se, na década seguinte, a ditadura religiosa brasileira travasse uma guerra contra a ditadura de Pinochet, apoiada por Ronald Reagan, e centenas de milhares de pessoas morressem nos combates. Imagine se houvesse uma Guarda Revolucionária que apoiasse milícias religiosas envolvidas em terrorismo em outras nações.

Imagine se este regime religioso proibisse o carnaval e impusesse regras para a forma como as mulheres deveriam se vestir, perseguisse seu irmão por ser homossexual e torturasse outro por ter criticado um governante em artigo no jornal. Imagine se você não pudesse levar a sua filha para torcer pelo Botafogo contra o Fluminense no Maracanã porque as autoridades considerariam pecado alguém do sexo feminino assistir a futebol. Imagine se a sua outra filha apanhasse da polícia religiosa por ter ousado ir de biquíni ver o pôr do sol no Arpoador. Imagine se a música Garota de Ipanema fosse censurada.

Imagine se você, enfrentando problemas financeiros decorrentes da crise econômica, tivesse de pagar impostos para o regime religioso apoiar uma milícia chamada Partido de Deus no México. Imagine se você fosse contra todo este regime.

Você ainda seria alvinegro e contaria para a sua filha dos tempos em que a avó dela o levava ao Maracanã para ver a genialidade do Garrincha contra a academia palmeirense do Ademir da Guia. Você ainda mostraria a seus filhos as canções da Bossa Nova e do Tropicalismo quando estivessem trancados dentro do apartamento. Com o volume baixo para o vizinho extremista religioso não o denunciar ao regime. Você ainda sonharia com a liberdade em seu país.

Mas imagine que, apesar de seu filho ser totalmente contra a ditadura religiosa, ele fosse proibido de entrar nos EUA para um doutorado em biologia porque Donald Trump proibiria a entrada de todos os brasileiros no território americano. Imagine se você fosse acusado de pertencer a um regime que tanto condena quando estivesse no exterior. Imagine se o acusassem de ser terrorista por ser brasileiro. Imagine se sanções impostas pelos EUA impactassem na sua capacidade de pagar o aluguel.

Imagine se dissessem que a cultura brasileira fosse atrasada e pregasse o ódio. Imagine se ignorassem seus músicos, seus escritores e suas tradições como se nada disso houvesse existido e o Brasil se restringisse a um regime religioso.

Obviamente, este é um paralelo com o drama de muitos iranianos que não estiveram no funeral de Qassem Soleimani. São contra o regime dos aiatolás, assim como também muitos deles condenavam as atrocidades da Savak (polícia secreta) na ditadura do xá. Não suportam a intolerância com mulheres e gays. Querem ter liberdade e o fim da tortura. Não querem que o dinheiro dos seus impostos seja usado para armar o Hezbollah em vez de melhorar a Saúde.

Admiram a educação americana e repudiam ataques a americanos, mas não se esquecem do golpe armado pela CIA para derrubar Mossadegh. Sabem também da hipocrisia de Washington ao apoiar a ditadura de Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque e da aliança com o sanguinário saudita Mohammad bin Salman enquanto finge defender a democracia no Irã.

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As primárias norte-americanas e as relações com o Irã

Biden é o favorito nas primárias democratas (Foto: Olivia Sun/The Des Moines Register via AP)

Por André Frota*

A corrida presidencial nos Estados Unidos começou de modo oficial neste mês. A candidatura de maior disputa será travada entre os candidatos do Partido Democrata. Já estão inscritos 21 candidatos para disputar as eleições internas do partido. Entre aqueles que lideram a corrida estão o ex-vice-presidente, com 31% das intenções de voto, o senador Bernie Sanders, com 15%, e a senadora Elizabeth Warren, que conta com 11% das intenções.

A disputa que iniciou o ano com uma maior proximidade entre Biden e Sanders vem sendo acompanhada pela trajetória ascendente de Elizabeth. A professora e senadora pelo Estado de Massachusetts, um dos três mais populosos dos Estados Unidos, disputa os votos da fatia mais progressista do eleitorado democrata, ao contrário de Biden, que ocupou o cargo de vice-presidente do governo Obama, e representa uma alternativa mais próxima ao eleitor médio, que oscila entre o lado republicano e o lado democrata.

Entretanto, os fatores internacionais serão inescapáveis para o êxito da corrida eleitoral. Entre estes, estão as relações entre Estados Unidos e Irã. Donald Trump, ao decidir se retirar do acordo nuclear costurado ao longo do governo Obama, representa uma fonte de divergência entre os apoiadores de seu governo, ligados direta ou ideologicamente à parceria estratégica entre Estados Unidos e Israel e os demais eleitores, sejam eles de posições moderadas e os que consideram inadmissível a possibilidade de um conflito militar com o Irã. O que está em jogo é a política de “pressão máxima” adotada por Trump em relação ao Oriente Médio, somada às alianças tradicionais entre Estados Unidos e Israel, tanto em relação ao modelo de inserção no Oriente Médio, quanto em relação ao financiamento da campanha eleitoral.

Entre as opções adotadas por Trump ao longo de sua primeira campanha presidencial estavam a mudança no perfil de inserção, tal como adotado por Obama entre 2009 e 2017. As relações com o Irã e o acordo nuclear elaborado pelo ex-presidente, em conjunto com os demais membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas e Alemanha (P5+1), foram pontos de representativa diferença entre o eleitor conservador e o progressista, assim como um ponto de grande crítica por parte do recém-reeleito primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Quanto ao candidato democrata de maior expectativa de votos, Joe Biden, antigo vice-presidente do governo Obama, foi um personagem que contribuiu diretamente para a costura do acordo nuclear e representa um perfil de relação com o Irã marcado pela “paciência estratégica”. Como um antigo senador que ocupou a comissão de relações exteriores no Capitólio e participou de votações históricas em relação ao Oriente Médio, o candidato mostra-se como um competidor de ponta ao cargo de presidente dos Estados Unidos. As pesquisas de intenção de voto para a presidência indicam uma possível vitória para o candidato democrata.

O plano externo, portanto, oferece um dilema ao candidato republicano e um desafio ao candidato democrata. Quanto a Trump, demanda uma posição de ruptura com a política externa de Obama ao se reaproximar da posição de Netanyahu em relação ao Irã, ao mesmo tempo em que necessita convencer o eleitor médio, que não pretende entrar em uma guerra onerosa para os Estados Unidos. Já o democrata Joe Biden precisa passar uma imagem de confiabilidade de que vai enfrentar um estado iraniano fortalecido, bem como garantir que tem condições de controlar a política externa dos aiatolás.

*É professor dos cursos de Relações Internacionais, Ciências Políticas e Geografia; e membro do Observatório de Conjuntura do Centro Universitário Internacional Uninter.