Por Rogério Tadeu Romano*
Observo reportagem apresentada no portal do jornal O Globo, em 9.11.23:
“A secretaria de Educação de Santa Catarina, do governador bolsonarista Jorginho Mello (PL), mandou as escolas estaduais retirarem nove obras de circulação de suas bibliotecas.
O ofício enviado às instituições na terça-feira não traz as razões da determinação, mas diz que a gestão vai enviar novas orientações em breve. “Determinamos que as obras listadas abaixo sejam retiradas de circulação e armazenadas em local não acessível à comunidade escolar”, afirma a nota.
Entre os livros banidos estão “It: A coisa”, de Stephen King, “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, e “Exorcismo” de Thomas B Allen, três clássicos da literatura fantástica. Veja as outras obras colocadas na lista negra:
A química entre nós (Larry Young e Brian Alexander)
Coração satânico (William Hjortsberg)
Donnie Darko (Richard Kelly)
Ed Lorraine Warren: demonologistas – arquivos sobrenaturais (Gerald Brittle)
Exorcismo (Thomas B. Allen)
It: a coisa (Stephen King)
Laranja Mecânica (Anthony Burgess)
Os 13 porquês (Jay Ascher)
O diário do diabo: os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo (Robert K. Wittman e David Kinney).”
Não se pode falar em censura numa Democracia.
Os regimes democráticos estão filosoficamente calcados na concepção relativista, cujo princípio fundamental é o da tolerância.
A decisão ignora outros dispositivos constitucionais: o artigo 5º, IX, garantia à livre expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação; o artigo 218 garante a promoção e o incentivo à pesquisa; o artigo 220, por exemplo, veda qualquer restrição sobre a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação. Nenhuma ponderação a respeito dessas cláusulas constitucionais foi feita.
Ademais nega vigência aos termos do artigo 1º da Constituição que prega o princípio impositivo democrático.
Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e cientifica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).
O que há de imoral ou “ofensiva aos valores familiares” em obras como “Os Sertões”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ou “O castelo”? Tórridas descrições de relações sexuais ou coisa parecida? Nada disso. São livros que fazem pensar, que convidam à reflexão, só isto.
Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia. Ademais com relação a obras que são fundamentais na formação da sociedade brasileira.
Essa atitude lembra o nazismo.
Os nazistas procederam à queima de livros em praça pública.
Era 30 de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler subiu ao poder.
Alguns meses depois, integrantes do Partido Nazista protagonizaram a primeira queima de livros escritos por intelectuais não alemães, judeus e pessoas contrárias às medidas de extrema direita a irromper no horizonte.
Seriam algumas das práticas comuns no regime liderado por Hitler, que se iniciou com a queima de livros considerados “impuros” e “nocivos” e, já em fins da Segunda Guerra Mundial, queimou pessoas sob a mesma condição.
A queima de livros em praça pública fazia parte dos planos do Ministério da Propaganda, Joseph Goebbels.
Nunca dantes alguém proibiu livros de Machado de Assis, que está no pórtico de nossa literatura de língua portuguesa e é um escritor cultuado além fronteiras.
A censura a livros remete a países totalitários, como se vê na China, na Coreia do Norte, onde não há liberdade de pensamento.
São clássicos da literatura brasileira que são importantes para se entender a formação cultural do Brasil.
Essa conduta é reflexo do momento atual de radicalismo que polariza o país. Parece a conduta noticiada uma resposta positiva a grupos radicais.
Trata-se de odiosa censura.
O comportamento narrado agride a razoabilidade independentemente de afrontar a democracia, lembrando momentos tristes da história da humanidade.
Caberá ao Ministério Público de Santa Catarina tomar as devidas providências na defesa da ordem democrática.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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