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Reportagem

Bordadeiras que costuraram roupa de Janja na posse representam um terço de cidade do RN

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

Cerca de um terço da população de Timbaúba dos Batistas (RN) tira seu sustento ou parte dele da arte do bordado. O pequeno município localizado na região do Seridó tem algo em torno de 2.400 habitantes, segundo o IBGE, e 800 bordadeiras, segundo a Comart, Cooperativa das Mãos Artesanais de Timbaúba dos Batistas.

São de lá as cinco bordadeiras que criaram os detalhes da roupa usada por Janja na posse de Lula no domingo (1º). Durante um mês e meio — da segunda quinzena de outubro, após a vitória do presidente, ao início de dezembro —, elas trabalharam no bordado feito com palha de junco da roupa da primeira-dama.

O uso do material, inédito para elas, foi proposto pela estilista Helô Rocha, com quem as bordadeiras de Timbaúba têm uma parceria desde 2017. A dobradinha também foi responsável pelo vestido de casamento de Janja, que tinha como tema o luar do sertão, com bordados de fases da lua, estrelas, mandacarus e xiquexiques (plantas do semiárido).

“Nunca me passou pela cabeça bordar a roupa de uma primeira-dama”, disse a Ecoa Valdineide Dantas, 32, conhecida como Patinha. A atual presidente da Comart é natural de Timbaúba dos Batistas e borda desde os 11 anos. Aprendeu com a mãe, também bordadeira.

“Antigamente a tradição era passada de mãe pra filha, mas está sendo esquecida”, afirmou. Segundo ela, a maior parte das bordadeiras hoje é idosa e há poucas artesãs da nova geração. Além de gerar renda em um município, um dos focos principais da cooperativa é oferecer cursos de iniciação e aperfeiçoamento no bordado para não deixar a tradição morrer.

Traje foi inovador e sustentável

O conjunto usado por Janja na posse era composto de blazer, colete e calça, na cor champanhe e com bordados de plantas e flores douradas. Os tecidos foram tingidos naturalmente, com caju e ruibarbo.

Para o bordado, além da palha de junco, foram usadas peças em capim dourado, feitas pela Associação de Artesãos de Dianópolis, do Tocantins, e em capim colonião confeccionadas por artesãos de Novo Gama, em Goiás.

Ao vestir calça na posse, Janja rompeu com a tradição que ditava o uso de saia ou vestido pelas primeiras-damas, desafiando padrões de feminilidade e se aproximando do traje do presidente, o que, segundo analistas, sinaliza a vontade de participar ativamente do mandato.

A escolha também demonstrou preocupação em valorizar a moda nacional, a brasilidade e a sustentabilidade.

“Sempre temos uma preocupação de enaltecer o trabalho artesanal brasileiro, de procurar e mapear, ir atrás desses artesãos e colocar o holofote neles. Isso é uma coisa que a gente [da marca] tem muito prazer em fazer e que a Janja gosta muito”, disse a Ecoa a estilista Helô Rocha. Nascida em Porto Alegre (RS), ela cresceu em Natal (RN) e sua mãe e avó são da região do Seridó: “Eu cresci em torno dessas bordadeiras”.

Segundo Rocha, esse reconhecimento dos artesãos traz à marca “um valor de desenvolvimento social e que pensa no desenvolvimento dessas comunidades”. Além disso, por não ter uma produção em larga escala, a marca Helô Rocha tem práticas sustentáveis como o upcycling, reaproveitamento de todas as sobras de tecido e de peças antigas.

Encontro com Janja e Lula

Em meados de junho de 2022, pouco depois do casamento de Janja e Lula, seis bordadeiras de Timbaúba dos Batistas foram a Natal (RN) conhecer o casal.

“Tivemos uma conversa muito boa com ela e Lula, falamos até sobre cooperativismo, e depois almoçamos”, disse Patinha, que descreve Janja como “muito humana e gente boa”.

O encontro também foi importante para os rendimentos das bordadeiras. Na ocasião, Janja deu permissão para que as artesãs da Comart pudessem comercializar uma réplica da lembrança de casamento dos dois. A peça é um bordado feito em organza de seda, envolto em um bastidor, das iniciais “J” e “L”, duas constelações, o luar do sertão e a frase “o amor venceu”.

A cooperativa começou a receber pedidos depois que imagens do enfeite vieram a público.

“Todo mundo queria, mas a gente não podia revender porque era exclusivo”, disse a presidente da Comart. Com a autorização de Janja, o bordado está sendo vendido a R$ 170. Os pedidos, que podem ser feitos pelo Whatsapp, aumentaram desde a vitória e a posse de Lula e mais de 100 unidades já foram comercializadas pelas bordadeiras.