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Os princípios da prevenção e da precaução diante de desastres ambientais

Por Rogério Tadeu Romano*

Noticiou o Estadão, em 7.5.24, que em meio à tragédia das cheias no Rio Grande do Sul, o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto há 12 anos em lei federal, terá seu texto apresentado apenas no fim de junho deste ano.

O PNPDC está previsto na Lei 12.608, de 2012, mas até hoje nenhum governo tinha se mobilizado para tirá-lo do papel. É mister implementá-lo diante da importância do plano e do impacto que ele vai causar na atuação da União, dos estados e dos municípios em casos de desastres.

Ali se diz:

Art. 2º É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de acidentes ou desastres. (Redação dada pela Lei nº 14.750, de 2023)

Reza, outrossim, o artigo 1º, :inciso VIII, quando prescreve sobre a prevenção: ações de planejamento, de ordenamento territorial e de investimento destinadas a reduzir a vulnerabilidade dos ecossistemas e das populações e a evitar a ocorrência de acidentes ou de desastres ou a minimizar sua intensidade, por meio da identificação, do mapeamento e do monitoramento de riscos e da capacitação da sociedade em atividades de proteção e defesa civil, entre outras estabelecidas pelos órgãos do Sinpdec (Incluído pela Lei nº 14.750, de 2023)

Com diretrizes, objetivos e metas bem definidas, se tentará realizar um trabalho mais eficiente, com planejamento em mais longo prazo e uma atuação integrada e coordenada entre a União, os estados e os municípios, além do Distrito Federal.

O quadro caótico que enfrenta-se diante da tragédia que abateu o Rio Grande do Sul, em maio de 2024, que se repete após outro havido alguns meses antes, reforça a necessidade dessa atuação em defesa da sociedade.

A ministra Marina Silva afirmou que é preciso reconhecer que o Brasil é um país suscetível a grandes estiagens e cheias, além de afirmar que o fenômeno climático La Niña deve levar seca à Amazônia e ao Rio Grande do Sul neste ano.

Na verdade, esses desastres naturais são parte de um problema ambiental complexo, que se estende por décadas e vários governos.

Relatou o G1 – MEIO AMBIENTAL, em 7.5.24, que o relevo de Porto Alegre é um ponto-chave para entender o acúmulo de água que causa enchentes na região metropolitana da capital do Rio Grande do Sul.

Além de ter um território baixo, a capital do Estado é circundada de um lado por 40 morros, e limitada de outro lado pela orla fluvial do lago Guaíba.

Um plano diretor que permita, sem a mínima organização, a construção e ocupação de prédios em detrimento das questões ambientais existentes, só incrementará esses desastres naturais.

Houve um boom de construções muito altas na região. Mais especificamente na quadra que envolve o cruzamento das avenidas Borges de Medeiros, Ipiranga e Edvaldo Pereira Paiva, no bairro Praia de Belas. Entre os exemplos está a nova sede do Fórum Central de Porto Alegre.

A reportagem do portal de notícias do Jornal do Comércio, publicada em 7.3.23, nos causa preocupação:

“Ricardo, tu achas que a gente deve ter mais prédios na orla?”. A pergunta foi feita pelo secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, na abertura de um vídeo nas redes sociais, divulgado poucos dias antes da Conferência do Plano Diretor de Porto Alegre, que teve início nesta terça-feira, 7 de março, na Pucrs.

O vice-prefeito da Capital, Ricardo Gomes (PL), responde que a cidade teve origem na beira do Guaíba, depois se afastou dele, e agora, com uma nova relação com o rio no atual momento, “a hora de discutir isso (mais prédios na orla) é no novo Plano Diretor”.

“É o momento de discutir se vamos mais ter mais prédios na orla, a altura (dos prédios) que é sempre um tabu no planejamento urbano”, completa Gomes. O vice-prefeito conclui fazendo um convite para que todos participem da Conferência do Plano Diretor e possam decidir o que é melhor.

O secretário Bremm vai além e faz uma nova provocação no vídeo, antes de convidar o público a participar da Conferência do Plano Diretor: “Será que a gente tem que levar os prédios um pouco mais próximos da orla? Será que temos que manter essas áreas isoladas? A gente viaja pelo mundo e vê cidades mais próximas, tem uma orla durante toda a semana, não apenas no fim de semana”, conclui o titular do Meio Ambiente e Urbanismo.”

Ainda ali se disse:

“Questionado por que a prefeitura provocou o debate sobre mais prédios na orla e se há um projeto do Executivo sobre o tema, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), negou que exista algo além do que já está posto atualmente.

Melo citou a autorização para a construção de torres de até 150 metros de altura na área das Docas do Cais Mauá, na altura da Rodoviária – aprovada com a mudança no Plano Diretor no Centro Histórico – os 19 edifícios do condomínio Golden Lake da Multiplan, ao lado do BarraShopping, as torres comerciais junto ao estádio Beira-Rio, e o Pontal do Estaleiro, que já está construído.

“Nós temos 72 quilômetros de orla, que vem do Cais Navegantes e vai até a divisa com Viamão/Itapuã. O que está concebido aqui na orla é o Plano Diretor que prevê mudanças urbanísticas e permite construções aqui perto da Estação Rodoviária de Porto Alegre (Cais Mauá). Já está autorizado e ainda não saiu a licitação. O Pontal do Estaleiro está resolvido. Temos ainda a construção de torres do BarraShoppingSul que ainda não saíram. Depois (dessas construções), não estamos enxergando outros projetos sobre a orla do Guaíba. É isso que está posto” , afirmou. “Não tem mais nada posto sobre a orla”, reforçou Melo durante entrevista coletiva nesta terça-feira, antes de palestrar na reunião-almoço MenuPoa da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), no Palácio do Comércio.”

Bernardo Mello Franco assim se referiu ao problema em sua coluna no jornal O Globo, em 8.5.24:

“Escolhas políticas estão na origem da emergência climática. Autoridades que negam a crise ajudam a agravá-la. Governantes que não investem em prevenção contribuem para ampliar os desastres.

O prefeito de Porto Alegre não aplicou um centavo no sistema contra enchentes em 2023. Sem manutenção, diques e comportas entraram em colapso. A água invadiu o centro histórico, tomou as ruas, deixou bairros submersos.

…….

O governador gaúcho patrocinou o desmonte da legislação ambiental do estado. Aprovadas em 2019, as mudanças afrouxaram as regras de licenciamento, liberaram o corte de árvores nativas, reduziram a proteção de rios e nascentes.”

É a autópsia de uma tragédia ambiental.

Lembrou bem Fernando Dias de Ávila Pires que “meio ambiente não é coisa de esquerda ou direita”.

Reflita-se com relação a questão ambiental que requer meditar com relação a seus princípios, realçando-se a prevenção e a precaução.

Passo aos princípios da prevenção e da precaução.

O princípio da precaução, formulado na Conferência de Bergen para a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada de 8 a 16 de maio de 1990, determina que diante de ameaça séria ou irresistível ao meio ambiente, a ausência absoluta de certeza científica não deve servir de pretexto para a demora na adoção de medidas para prevenir a degradação ambiental.

O objetivo do Princípio da Prevenção é o de impedir que ocorram danos ao meio ambiente, concretizando-se, portanto, pela adoção de cautelas, antes da efetiva execução de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras de recursos naturais.

O Princípio da Precaução, por seu turno, possui âmbito de aplicação diverso, embora o objetivo seja idêntico ao do Princípio da Prevenção, qual seja, antecipar-se à ocorrência das agressões ambientais.

Enquanto o Princípio da Prevenção impõe medidas acautelatórias para aquelas atividades cujos riscos são conhecidos e previsíveis, o Princípio da Precaução encontra terreno fértil nas hipóteses em que os riscos são desconhecidos e imprevisíveis, impondo à Administração Pública um comportamento muito mais restritivo quanto às atribuições de fiscalização e de licenciamento das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

O Princípio da Precaução (vorsorgeprinzip) surgiu no Direito Alemão, na década de 1970, mas somente foi consagrado internacionalmente na “Declaração do Rio Janeiro”, oriunda da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992, encontrando-se presente no Princípio 15 daquela, no sentido de que “de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades” e que “quando houve ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Também foi o Princípio da Precaução expressamente previsto na Convenção da Diversidade Biológica e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática.

O Princípio da Precaução está claramente presente no art. 225, § 1º, I, IV, V, da Constituição Federal resguardando o objetivo primordial do texto constitucional, qual seja, manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, salvaguardando a sadia qualidade de vida (ao Ser Humano). O fim maior da Carta Constitucional é preservar a dignidade humana, portanto, mantendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado isto se torna possível.

Gerd Winter, segundo nos informa Paulo Affonso Leme (obra citada, pág. 56), diferencia perigo ambiental de risco ambiental. Diz que: “os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque sempre permanece a possibilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a mitigação dos riscos, aplica-se ‘o princípio da precaução’, o qual requer a redução da extensão, da frequência ou da incerteza do dano”.

Afirmou François Eward (La précaution, une responsabilité de L’Etat, Le Monde, edição eletrônica, 10 de março de 2000) que “o princípio da precaução entra no domínio do direito pública que se chama “poder de polícia” da Administração. O Estado que, tradicionalmente, se encarrega da salubridade, da tranquilidade, da segurança, pode e deve para esse fim tomar medidas que contradigam, reduzam, limitem, algumas das liberdades do homem e do cidadão.”

O princípio da precaução busca se antecipar e prevenir a ocorrência de prejuízos ao meio ambiente. Destina-se a toda a sociedade, inclusive Governo e legisladores, para que sejam instituídas medidas e políticas destinadas a prevenir a poluição.

Uma aplicação estrita do princípio da precaução leva a inverter o ônus da prova e impõe ao autor potencial provar, com anterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente. Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág. 69) ainda nos traz à colação a lição de Alexandre Kiss e Dinah Shelton, nesse sentido.

A dúvida aproveita ao impactado ambientalmente.

Por fim, ressalte-se que um dos principais instrumentos do princípio da precaução é o estudo prévio de impacto ambiental, expressamente referido no inciso IV do artigo 225 da Constituição Federal, por meio do qual devem ser estimados os riscos que tragam as instalações de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. O fato desse importante instrumento ser obrigatoriamente público demonstra que o princípio da precaução é afeto não só a determinadas camadas sociais, mas a toda sociedade, conforme dito anteriormente.

Censura-se a ausência da precaução.

Ressalta-se, ainda, que o instituto do direito adquirido, em se tratando da preservação do meio ambiente, não pode permitir a violação das normas ambientais. Para a compreensão desta questão, explicitaremos um exemplo: “uma indústria, previamente licenciada, deve ser frequentemente monitorada e adequar-se aos novos padrões ambientais e tecnológicos sob pena de cassação da licença”. A constatação deste fato demonstra que “devem ser abolidos os direitos adquiridos” a fim de que não seja consagrado o direito de poluir naquelas atividades que já estão em funcionamento”.

Enfoco outros princípios, dentre os quais:

  1. a) reparação, que foi exposto no Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro/92, onde se diz que os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Registro ainda, na linha de Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág.76), na linha de José Juste Ruiz, “quaisquer que sejam as dificuldades que experimenta o estabelecimento da Responsabilidade Internacional dos Estados na esfera do meio ambiente, não cabem dúvidas de que as regras do direito internacional existentes na matéria são também aplicáveis mutatis mutantis nesse âmbito particular. O princípio mesmo de responsabilidade e reparação de danos ambientais constitui, sem dúvida, um dos princípios reconhecidos no Direito Internacional do Meio Ambiente. Já, no direito interno, o Brasil adotou na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), como ainda ensinou Paulo Affonso Leme Machado, a responsabilidade objetiva ambiental, tendo a Constituição de 1988 considerado imprescindível a obrigação da reparação dos danos causados ao meio ambiente;
  2. b) informação, que foi exposto no princípio 10 daquela Declaração do Rio de Janeiro/92, no sentido de que cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades. Aliás, a Primeira Conferência Europeia sobre Meio Ambiente e Saúde, realizada em Frankfurt (1989) sugeriu à Comunidade Econômica Europeia uma Carta Europeia do Meio Ambiente e da Saúde, prevendo que “cada pessoa tem o direito de beneficiar-se de um meio ambiente permitindo a realização do nível o mais elevado possível de saúde e de bem-estar; de ser informado e consultado sobre os planos, decisões e atividades suscetíveis de afetar ao meio tempo o meio ambiente e a saúde; de participar no processo de tomada de decisões” , como se lê “La Charte Européenne de l’ Environnenmente en de la Santé, in Recueil International de Législation Sanitaire”, volume 41, n. 3, 1990, páginas 594 a 597;
  3. c) participação popular: segundo ensinamento de Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, pág. 80) visa à conservação do meio ambiente. Insere-se num quadro muito amplo da participação diante dos interesses difusos e coletivos da sociedade. O princípio está presente na Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, em seu artigo 10. Dentro dessa linha, tem-se, como bem acentuou Paulo Afonso Leme Machado, à luz de Alexandre-Charles Kiss, que “o direito ambiental faz os cidadãos saírem de um estatuto passivo de beneficiários, fazendo-os partilhar da responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira. Para tanto, são conhecidas as chamadas Organizações Sociais que tratam dessa matéria, ONG, que intervém de forma complementar, contribuindo para instaurar e manter o Estado Ecológico de Direito. Essas entidades devem ser independentes como preconizou o item 27, § 1º, da chamada Agenda 21. Como tal é importante seja dado, dentro do princípio democrático, amplo acesso à Justiça a essas entidade;
  4. d) obrigatoriedade da intervenção do Poder Público: Pelo princípio 11 da Declaração do Rio de Janeiro/92, “Os Estados deverão promulgar leis eficazes sobre o meio ambiente”. Sendo assim, como ensinou Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág. 88), a gestão do meio ambiente não é matéria que diga respeito somente à sociedade civil, ou uma relação entre poluidores e vítimas da poluição. Os países, tanto no Direito Interno como no Direito Internacional têm de intervir ou atuar.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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