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Para uma parcela de Natal, uma bandeira rasgada importa mais do que a vida de milhares de seus semelhantes

Por Daniel Menezes*

O Brasil hoje foi marcado por diversas manifestações a favor da democracia. E, sejamos claros, elas só estão acontecendo porque o presidente usa o cargo para tentar solapar o processo eleitoral. Não há qualquer dúvida sobre as intenções de Jair Bolsonaro diante das eleições, do ataque aos tribunais e incitação do ódio, desumanizando os seus adversários. A confusão entre o ataque arquitetado e a resistência estabelecida só interessa a quem já firmou posição em prol do caos como método.

Durante o ato, que aconteceu na Avenida Salgado Filho para o caso de Natal, alguns manifestantes rasgaram uma bandeira com a imagem de Bolsonaro como forma de protesto e isto doeu em setores da sociedade natalense. E é significativo que, diante do que Bolsonaro já empreendeu contra o processo democrático, contra minorias e fez durante toda a pandemia, uma bandeira rasgada venha justamente agora deflagrar incômodo. Não sobre o proclamado mito porque ele sempre deixou claro o que representa e terminou de escancarar tudo nos últimos anos, mas em relação aos seus apoiadores.

Natal foi palco de um morticínio patrocinado pelo bolsonarismo nacional junto com agrupamentos locais. O governo federal proibiu o governo do RN de fazer barreira sanitária contra a covid, mantendo o aeroporto internacional de São Gonçalo sem nem medir uma temperatura de quem aqui chegava durante toda a pandemia. Ele atrasou a compra de respiradores, de vacinas, clamou pela invasão de hospitais e liderou toda uma campanha contra os imunizantes, orientando as pessoas a andarem nas ruas com o escudo peneira da ivermectina. Em resumo, jogou milhares para a morte.

Aonde estavam essas pessoas que não se indignaram com isso? Com os atentados? As ameaças algumas das quais efetivadas? Com as mentiras como política da morte? Ora, estavam, estão e estarão sempre em pleno apoio a tudo que venha a ser empreendido pelo seu líder. Porque não importa o que ele traga para a cena pública, Bolsonaro sempre terá o endosso de quem já se comprometeu de uma forma com o status quo sangrento e de convulsão social que não pode voltar atrás.

Resta apenas mentir, edulcorar e esticar o discurso para tornar o que é diferente igual e, com isso, sair incólume do extremismo e da irracionalidade que tomaram conta – com ajudas deles – do Brasil. Será somente assim que uma bandeira usada como protesto simbólico terá a mesma relevância do que as vidas perdidas para o negacionismo, para a incitação da violência física e institucional e o (in)consequente armamento da população. O desejo é de manter a paisagem natalense para uma minoria assim – se indignando com bandeira rasgada, viajando para a civilizada Europa e convivendo em paz com membros de esquadrões da morte.

*É professor da UFRN e editor do Blog O Potiguar.

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