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Um fato grave

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Consoante o que expôs o jornal O Globo, em 16.7.24, em uma gravação de mais de uma hora de uma reunião entre o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (AbinAlexandre Ramagem (PL), o então presidente Jair Bolsonaro discutiu as investigações sobre a suposta prática de rachadinha por parte do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), sugeriu procurar o chefe da Receita Federal e disse que deveria trocar o coronel que o informava pelo serviço secreto russo.

Ainda informou o portal de notícias do Estadão, na mesma data:

“A denúncia contra Flávio foi arquivada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2022 com base em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do ano anterior que anulou provas contra o filho “01″ do ex-presidente. O STJ concordou com o argumento da defesa de Flávio de que o caso não poderia ter sido julgado por um juiz da primeira instância, no caso Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, porque ele teria foro privilegiado.

A reunião cujo áudio veio a público nesta segunda-feira é anterior à anulação. Um dos caminhos discutidos foi tentar provar que o Relatório de Inteligência Fiscal (RIF) que deu origem à investigação contra Flávio era ilegal. “Se a gente conseguir provar que eles fizeram toda essa apuração, e só depois eles criaram com esse RIF espontâneo. E por meio dessas senhas invisíveis, a gente consegue a nulidade do RIF. A gente consegue anular tudo”, diz a advogada Bierrenbach logo no início da conversa.

Segundo ela, os auditores da Receita Federal teriam uma senha que torna indetectável o acesso feito por eles às bases de dados do órgão. Por isso, seria necessário acionar o Serpro. O órgão teria capacidade de realizar uma investigação e detectar os supostos acessos “invisíveis” aos dados financeiros de Flávio.

A conversa segue e então Bolsonaro afirma: “Caso de conversar com o chefe da Receita […] Ninguém tá pedindo favor aqui. [inaudível] é o caso conversar com o chefe da Receita. O Tostes (José Barroso Tostes Neto)”, diz o ex-presidente, conforme transcrição do áudio feita pela Polícia Federal.

O ex-chefe do Executivo também sugere procurar Gustavo Canuto, ex-ministro de Desenvolvimento Regional em seu governo. Bolsonaro aparentemente se confunde e acha que Franco é o presidente do Serpro. Na verdade, ele era chefe do Dataprev, empresa de tecnologia e informações da Previdência Social.

“Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, afirma Bolsonaro.”

II – O DESVIO DE FINALIDADE

Houve, sem dúvida, evidente desvio de finalidade.

O presidente da República não pode usar o cargo para defender interesses privados.

Um ato praticado por desvio de finalidade não se sustenta.

Se houve desvio de finalidade o ato é nulo, sem qualquer efeito jurídico.

Repito, na íntegra, a lição de Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos, 2ª edição, pág. 89 e 90), assim disposta; “A atividade administrativa, sendo condicionada pela lei à obtenção de determinados resultados, não pode a Administração Pública dele se desviar, demandando resultados diversos dos visados pelo legislador. Os atos administrativos devem procurar as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua prática, sob pena de nulidade.”

Prossegue o eminente administrativista, que tantas lições deixou entre nós, alertando que se a lei previu que o ato fosse praticado visando a certa finalidade, mas a autoridade o praticou de forma diversa, há um desvio de finalidade.

Na doutrina, aliás, do que se tem de Roger Bonnard, as opiniões convergem no sentido de que, a propósito da finalidade, não existe jamais para a Administração um poder discricionário.

Assim não lhe é deixado o poder de livre apreciação quanto ao fim a alcançar. Isso porque este será sempre imposto pelas leis e regulamentos. E adito: pela Constituição, que, no artigo 37, estabelece, impõe, respeito à legalidade, moralidade, impessoalidade, dentre outros princípios magnos que devem ser seguidos pela Constituição. A literalidade do texto é mais que evidente.

Há no ato administrativo, para sua higidez e validade, um fim legal a considerar.

Marcelo Caetano (Manual de direito administrativo, pág. 507) distinguia os desígnios pessoais, os cálculos ambiciosos, as previsões que o agente faz de si para si, no momento em que se determina a exprimir a vontade administrativa, sem repercussão positivamente exteriorizada, na prática do ato, daqueles que se refletem de modo objetivo na sua prática, vindo a desvirtuá-lo em sua finalidade objetiva.

O agente público não pode usar de seus motivos pessoais para atingir fins outros fins.

O ex-presidente Bolsonaro poderia ser enquadrado por crime de responsabilidade que poderia ensejar um impeachment. No entanto, ele já deixou o cargo, perdendo tal acusação o objeto.

Deve ser apurada improbidade administrativa, que não é propriamente um crime, mas um ilícito civil, e que é agir de forma desonesta e ilícita, contra os interesses da Administração.

III – HOUVE O CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA?

Disciplina o artigo 319 do CP:

Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

O elemento subjetivo é o dolo específico consistente na vontade de satisfazer um interesse pessoal ou específico.

Se há interesse pecuniário o crime é de corrupção passiva.

Na forma comissiva pode ocorrer tentativa.

Exige-se que haja ato de ofício, de modo essa conduta envolve os deveres funcionais do funcionário.

O crime de advocacia administrativa é próprio, formal e de concurso eventual, cuja essência proibitiva recai sobre a defesa de interesses privados perante a Adminsitração Pública por funcionário público. O patrocínio do interesse privado e alheio, legítimo ou não, por funcionário público, perante a Administração Pública, pode ser direto, concretizado pelo ele próprio, ou indireto, valendo-se ele de interposta pessoa, para escamotear a atuação. Fundamental que o funcionário se valha das facilidades que a função pública lhe oferece, em qualquer setor da Administração Pública, mesmo que não seja especificamente o de atuação do agente.

Destaco aqui que a jurisprudência no sentido de que não se pode reconhecer o crime de prevaricação na conduta de quem omite os próprios deveres por indolência ou simples desleixo, se inexistente a intenção de satisfazer interesse ou sentimento pessoal (JUTACRIM 71/320) e ainda outro entendimento no sentido de que ninguém tem a obrigação, mesmo o policial, de comunicar à autoridade competente fato típico a que tenha dado causa, porque nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o silêncio e até mesmo a negativa de autoria (RT 526/395)

Dizem Antonio Pagliato e Paulo José da Costa Júnior (Dos crimes contra a administração pública, pág. 138) que o interesse não deve ser de ordem econômica, pois isso configura o crime de corrupção passiva. Na lição de Guilherme de Souza Nucci ( Código penal comentado, 8ª edição, pág. 1.062) sentimento pessoal é a disposição afetiva do agente em relação em relação a algum bem ou valor. O funcionário que, pretendendo fazer um favor a alguém, retarda ato de ofício, age com “interesse pessoal”, se fizer o mesmo para se vingar de um inimigo, age com “sentimento pessoal”. A atuação do agente para satisfazer “interesse pessoal” consistente em livrar-se de processo administrativo ou judicial e considerada parte de seu direito a autodefesa, não se configurando o delito.

É crime próprio, formal, comissivo ou omissivo (quando resulta em abstenção), mas a conduta de retardar pode ser praticada por ação (esconder os autos de um processo, visando a sentimento pessoal) ou por omissão. Pode de forma excepcional ser crime omissivo próprio. É crime instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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Depois da revelação das gravações de Ramagem, Rogério Marinho ainda acusará adversários de aparelhamento do Estado?

Os áudios do deputado federal fluminense Alexandre Ramagem (PL) revelados após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes levantar o sigilo do material revelam o quanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tratou a coisa pública como um assunto particular quando manchava de ódio o país a partir do Palácio do Planalto.

Bolsonaro tentou usar a estrutura de poder para livrar o filho/senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ) da degola política por causa do escândalo das “rachadinhas”.

O áudio é um strip-tease do aparelhamento do estado na gestão (?) de Bolsonaro.

Acusar os adversários de praticar o aparelhamento do estado é uma prática comum do senador Rogério Marinho (PL) desde os tempos que posava de moderado com as penas tucanas.

Mas quando ministro, Rogério utilizou toda a estrutura federal para se eleger senador tendo contra si os passivos das reformas trabalhista e da previdência.

Mas quem aparelha o estado são os outros.

Será que Rogério, que teve em Bolsonaro um fiador do seu mandato, ainda terá a cara de pau de acusar o PT, Lula e escambau de “aparelhar o Estado”?

Minha aposta é que sim. Rogério usa óleo de peroba como albino usa protetor solar.

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Foro de Moscow 16 jul 2024 – A conversa gravada com Bolsonaro

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O chamado caso das joias

Por Rogério Tadeu Romano*

 

Segundo o G1 Política, em 5.7.24, a Polícia Federal concluiu a investigação e atribuiu ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) crimes que, somados, têm penas que podem alcançar 25 anos de prisão. De acordo com a PF, Bolsonaro cometeu crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e peculato, que consiste na subtração ou desvio, por funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem de que tem a posse em razão do cargo.

A Polícia Federal, em inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o dinheiro das joias sauditas, vendidas ilegalmente por auxiliares de Jair Bolsonaro, entrou para o patrimônio do ex-presidente e que ele tinha conhecimento de leilão para vender os itens.

A matéria passou por vários atos normativos, como bem demonstrou o portal de notícias do Estadão, em reportagem, em 10.7.24.

Sancionada pelo então presidente Fernando Collor e o ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, a primeira legislação sobre o tema foi publicada em dezembro de 1991. A Lei Brasileira dos Acervos Presidenciais dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República. Nela foi criada a Secretaria de Documentação Histórica da Presidência da República.

Decreto publicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) regulamentou o recebimento de presentes pelos chefes do Executivo federal e estabeleceu o que deve ir, ou não, para o acervo privado dos presidentes. De acordo com a regra, “documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes”, como viagens de Estado ou visitas oficiais, pertencem à União. A principal mudança de 1991 para 2002 foi a definição mais clara sobre a natureza pública dos presentes recebidos durante o mandato presidencial, diferentemente da lei anterior que não especificava isso detalhadamente.

Em novembro de 2018, portaria publicada pela Secretaria-Geral da Presidência da República durante o mandato de Michel Temer define o que são itens de natureza personalíssima ou de consumo direto. Segundo o texto, são bens que se destinam ao uso próprio do recebedor, a exemplo de condecorações, vestuários, roupas de cama, artigos de escritório, joias, semijoias e bijuterias.

A Secretaria-Geral da Presidência da República revogou, em novembro de 2021, a portaria publicada na gestão Temer que definia joias, semijoias e bijuterias como itens de caráter personalíssimo. O novo texto não dispõe um rol do que seria essa categoria.

Finalmente, Plenário do TCU determinou cautelarmente que Bolsonaro entregue joias sauditas e as armas presenteadas pelos Emirados Árabes Unidos. O presidente do Tribunal, ministro Bruno Dantas, afirmou que “de acordo com a jurisprudência desta Corte de Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário”.

O TCU notificou a Secretaria-Geral da Presidência da República sobre a necessidade de ex-ministros de Bolsonaro devolverem relógios de luxo recebidos durante uma viagem oficial a Doha, no Catar, em 2019. Relator do processo, o ministro Antonio Anastasia afirmou que o recebimento de presentes caros extrapola os “princípios da razoabilidade e da moralidade pública”, previstos na Constituição.

O ex-presidente da República foi indiciado, dentre outros delitos penais, pelo crime de peculato, como já afirmado, pela Polícia Federal. Teria havido um peculato-apropriação.

Foi dito que os valores foram incorporados ao patrimônio de Bolsonaro em dinheiro vivo, o que pode configurar o crime de lavagem de dinheiro. Os presentes desviados foram avaliados em pelo menos R$ 6,8 milhões, como foi dito.

Estar-se-ia, para tais conclusões, diante de uma norma penal em branco, salvo melhor juízo.

Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fábio M. de Almeida Delmanto (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 9) ensinam que normas penais em branco “são assim chamadas as leis que não possuem definição integral, necessitando ser complementadas por outras leis (decretos ou portarias). Costumam ser divididas em: a) Homogêneas (ou normas em branco em sentido lato), quando são complementadas por normas originárias da mesma fonte ou órgão; b) Heterogêneas (ou normas em branco em sentido estrito), quando seu complemento provém de fonte ou órgão diverso.”

A regra ou ato integrativo de norma penal em branco, para ser eficaz, há de ser anterior à ação criminosa (SRF, RTJ 120/1095).

Na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 76), “as normas penais em branco apenas conferem ao órgão legislador extrapenal a possibilidade de precisar o seu conteúdo, fazendo-0, por inúmeras vezes, com maior rigor e mais detalhes do que os denominados tipos abertos, que dependem da imprecisa e subjetiva interpretação do juiz”.

Disse Paulo José da Costa (Comentários ao Código Penal, volume I, 2ª edição, pág. 9) que “não são as normas em branco incompletas ou imperfeitas. Faltam-lhes apenas, como ensina Leone, concreação e atualidade. Não se trata pois de uma sanção cominada à inobservância de um preceito futuro, mas de um preceito genérico, que irá concretizar-se com um elemento futuro, que deverá, entretanto, proceder o fato que constitui crime”.

Por outro lado, Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 50) ensinou:

“Referem-se os doutrinadores às chamadas normas penais em branco (ou leis penais em branco). Enquanto a maioria das normas penais incriminadoras é composta de normas completas, possuem preceito e sanções integras de modo que sejam aplicados sem a complementação de outras, existem algumas com preceitos indeterminados ou genéricos, que devem ser preenchidos ou completados. As normas penais em branco são, portanto, as de conteúdo incompleto, vagos, exigindo complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria, etc) para que possam ser aplicadas ao fato concreto. Esse complemento pode já existir quando da vigência da lei penal em branco ou ser posterior a ela.”

Ainda no ensinamento de Mirabete (obra citada) as leis penais em branco em sentido estrito, não afetam o princípio da reserva legal, sempre haverá uma lei anterior, embora complementada por regra jurídica de outra espécie.

O caso narra crime funcional cometido por funcionário público.

Os chamados crimes funcionais cometidos por funcionário público, dividem-se: a) em próprios; b) impróprios.

Nos crimes funcionais próprios, a qualidade do funcionário público é elementar do tipo. Ausente a qualidade de servidor público a conduta é atípica: concussão, corrupção passiva, prevaricação.

Nos chamados crimes funcionais impróprios, observa-se que o fato seria igualmente criminoso mesmo se fosse cometido por particular. É o caso do peculato, que se for cometido por particular, e não por aquele, é crime de apropriação indébita, sendo crime contra o patrimônio.

Nas Ordenações Filipinas, no livro V, Título 74, tratava-se do crime dos oficiais del Rei que furtam, ou deixam perder sua fazenda por malícia, impondo-se a pena que era cominada aos ladrões.

O Código de 1830 (artigo 170) previa o peculato entre os crimes contra o tesouro público e a propriedade pública, punindo-o com perda do cargo público, prisão com trabalho por 2 (dois) meses a 4 (quatro) anos e multa de 5 (cinco) a 20 (vinte) por cento da quantia ou valor dos efeitos apropriados, consumidos ou extraviados.

O primeiro Código Penal republicano o incluía entre os crimes contra a boa ordem e a administração pública.

A Consolidação das Leis Penais tratou do crime de peculato.

Em direito comparado, tem-se, na Itália, o crime de apropriação indébita funcional e ainda, na Suíça, no Código Penal, artigo 140, alínea 2, tem-se a apropriação indébita qualificada.

Na Itália, chama-se o crime pela palavra malversação, como se vê a partir do Código Zanardelli (1889).

Comete o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, o agente público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou os desvia, em proveito próprio ou alheio.

O agente deverá ter a posse que lhe foi confiada em razão do cargo, ou seja, em virtude de sua competência funcional.

O peculato diz respeito a coisas fungíveis ou infungíveis. Envolve o que o Código Toscano, no artigo 56, chamava de quebra de caixa, que se configurava quando o funcionário deixava de apresentar os dinheiros devidos na época da respectiva prestação de contas.

Pratica o peculato o servidor que se apropria de bem público.

Pressuposto do crime é o fato de que o agente tenha a posse legítima de coisa móvel (dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Não é a posse civil bastando a detenção.

Se o sujeito ativo não tiver a posse estamos diante de peculato-furto, previsto no artigo 312, § 1º, do Código Penal.

A posse da coisa, poder de disposição, deve resultar do cargo, sendo indispensável uma relação de causa e efeito entre o cargo e a posse.

A conduta deve recair sobre os objetos móveis enumerados pela lei penal. Se não for assim estar-se-ia perante uma conduta atípica.

São condutas típicas para efeito do crime de peculato: apropriação ou desvio, podendo o tipo configurar-se mediante o dolo específico, principalmente com relação ao peculato-desvio.

Apropriar-se significa assenhorear-se da coisa móvel, passando dela a dispor como se fosse sua.

Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão de que lhe foi entregue ou confiada ao agente.

Data máxima vênia de entendimento contrário não se trata de hipótese de erro de proibição a aplicar-se, para o caso, na conduta do ex-presidente.

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

  1. a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;
  2. b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
  3. c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;
  4. d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.

Bem lembrou Luciano Schiappassa (Qual a diferença entre o erro de permissão e o erro do tipo permissivo, in Ius Brasil, publicado por Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes):

“Para a doutrina, o erro de tipo permissivo está previsto no artigo 20 , § 1º do CP , segundo o qual “é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima . Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

A análise do tema exige certa compreensão acerca das teorias da culpabilidade. Para a teoria limitada da culpabilidade, se o erro do agente incidir sobre uma situação fática que, se existisse, tornaria a conduta legítima, fala-se em erro de tipo (erro de tipo permissivo); mas, se o erro recair sobre a existência ou, os limites de uma causa de justificação, o erro é de proibição (erro de proibição indireto/ erro de permissão). Em contrapartida, a teoria extremada da culpabilidade não faz qualquer distinção, entendendo que, tanto o erro sobre a situação fática, como aquele em relação à existência ou limites da causa de justificação devem ser considerados erros de proibição, já que o indivíduo supõe lícito o que não é.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, pág. 267) coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade (ou ilicitude). O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime (fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo (artigo 20 do CP) e erro de proibição.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa. Para o fato, tudo indica, pelo informado no relatório da Polícia Federal, havia consciência da ilicitude do fato.

Para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário, o que não é o caso narrado.

Teriam sido afrontados diante da conduta historiada os princípios da moralidade e da razoabilidade, o que destaca a ação delituosa e o seu injusto.

Não se está diante de um erro do agente que incidiria sobre uma situação fática que, se existisse, tornaria a conduta legítima.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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Homenagem ao MST não pode, mas pode título de cidadania para Bolsonaro e governador de São Paulo

Não faz dois meses que os deputados estaduais de direita impediram a deputada estadual Isolda Dantas (PT) de realizar uma sessão solene em homenagem aos 40 anos de fundação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), um dos mais importantes do país.

O ódio ao movimento social impediu que a homenagem fosse realizada mesmo com o MST sendo o maior produtor de arroz orgânico do país e sendo fundamental para a agricultura familiar que ajuda a abastecer a mesa dos brasileiros.

Esses mesmos deputados, sem qualquer resistência parlamentar ou polêmica na mídia potiguar, conseguiram aprovar com facilidade os títulos de cidadania potiguar para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Bolsonaro é famoso pelas frases preconceituosas em relação aos nordestinos e durante os quatro anos em que foi presidente pouco fez pelo Estado. O gesto mais conhecido dele no Rio Grande do Norte foi tirar a máscara de uma criança em Pau dos Ferros em plena pandemia de covid-19.

A aprovação do título vem em um momento em que Bolsonaro está afundado em denúncias de corrupção. Ele sempre pregou contra os direitos das minorias sociais e está cada vez mais evidente que liderou tentativas de golpe de Estado que resultaram na intentona bolsonarista de 8 de janeiro de 2023.

Tarcísio foi ministro da infraestrutura em um período em que a estradas no Rio Grande do Norte só fizeram piorar, isso inclui as BRs. Atualmente governa São Paulo fazendo a Polícia Militar de lá se tornar uma das mais violentas do país.

Os títulos, como a negativa da homenagem ao MST, são pura politicagem de uma direita tacanha.

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Foro de Moscow 4 jul 2024 – Bolsonaro indiciado. E agora?

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Natália fará parte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

A deputada federal Natália Bonavides foi indicada como membro Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, recriada pelo presidente Lula nesta quinta-feira (4), através de publicação no Diário Oficial da União.

A recriação da comissão é uma resposta a demandas e pressão de familiares das vítimas da ditadura militar (1964 – 1985). “E também o cumprimento de uma promessa de campanha do presidente”, complementou Natália Bonavides.

“Pra nós é uma honra integrar essa comissão. Relembramos os heróis e heroínas do povo brasileiro que, por sonharem uma sociedade justa, foram perseguidos e assassinados pela ditadura criminosa que o Brasil viveu após 64. Memória e verdade são direitos nossos, de cada brasileiro. E seguiremos lutando por esse direito”, declarou a parlamentar potiguar.

A publicação inclui três atos: um despacho revertendo a decisão anterior de Jair Bolsonaro (PL) que extinguiu a comissão, outro dispensando os integrantes nomeados pela gestão anterior, e um último indicando os novos membros.

Após a indicação, a deputada Natália lembrou de sua atuação na pauta no Congresso Nacional. “Na Câmara Federal, apresentamos um projeto de lei para proibir homenagens a agentes públicos responsáveis por graves violações de direitos humanos e para vedar a utilização de bens públicos para a exaltação dos atos da repressão do Estado ou ao golpe militar de 1964, além do PL que impede dar o nome de torturadores a prédios públicos”, disse.

A nova comissão

A Comissão, que havia sido extinta no final de 2022, tem a função de reconhecer vítimas do regime militar, localizar corpos desaparecidos e indenizar os familiares dessas pessoas.

“Quando estávamos sob um governo que comemorava mortes, acionamos a Justiça para que a ditadura não fosse comemorada. Também acionamos a Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o governo bolsonarista por usar órgãos públicos para celebrar tortura e morte”, relembrou a deputada federal Natália Bonavides.

Além da deputada Natália, outros três membros foram nomeados: Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora da República, retomará a presidência da Comissão; Maria Cecília Oliveira Adão, professora universitária, representará a sociedade civil; e Rafaelo Abritta, civil indicado pelo Ministério da Defesa, completará o grupo.

A nova composição da Comissão também deverá abrir novas frentes de reconhecimento de vítimas, incluindo camponeses e indígenas. Os trabalhos devem começar quando o presidente da comissão convocar os novos membros. Ainda não foi definida a data.

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Foro de Moscow

Foro de Moscow 11 jun 2024 – Novo escândalo das joias envolvendo Bolsonaro

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Rogério faz propaganda para Allyson ao tentar jogar eleitor bolsonarista contra o prefeito usando meia verdade

O senador Rogério Marinho (PL) discursou no evento bolsonarista no último sábado em Mossoró chamando o prefeito Allyson Bezerra (União) de omisso em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

Abre aspas para Marinho: “Nós não tivemos por parte das lideranças formais de Mossoró o engajamento, o apoio e o comprometimento quando o Brasil precisou de nós. E eu caminhei pelas ruas de Mossoró no segundo turno ao lado de muito poucos, inclusive o prefeito de Mossoró, tão ajudado, se omitiu, se escondeu e não ajudou o presidente Bolsonaro. Nós temos a responsabilidade de não deixar que se repita”.

É uma meia verdade. De fato, Allyson não deu declarações contundentes em favor do presidente que se tornaria o primeiro da história a não conseguir a reeleição na história brasileira. Mas na política, os gestos falam mais que as palavras e o prefeito fez um ato inusitado de apoio a Bolsonaro quando saiu pelas ruas de Mossoró num desfile patético com caminhões, tratores e outros veículos agrícolas.

Quem viu, identificou como um ato de campanha a favor de Bolsonaro. Até agradecimento ao ex-presidente, dar crédito a políticos que ajudam a gestão não é comum na trajetória de Allyson, teve.

Tanto que o Ministério Público Eleitoral abriu procedimento investigativo para apurar o caso.

Foi uma movimentação com repercussão maior do que qualquer ato de campanha “ao lado de muito poucos” citado por Marinho. Até a Folha de S. Paulo noticiou a presepada.

O líder do bolsonarismo no Rio Grande do Norte acabou fazendo propaganda a favor de Allyson com essa meia verdade. Mossoró rejeitou o ex-presidente nas urnas. No segundo turno o presidente Lula (PT) venceu em todas os bairros da cidade e teve mais de 60% dos votos válidos.

Entendo o esforço para afastar o eleitor bolsonarista de Allyson e linkar ao ex-vereador Genivan Vale (PL), mas o discurso é mais uma peça de propaganda a favor do prefeito porque o grosso de eleitor mossoroense vê essa “omissão” com bons olhos.

Mas a verdade completa é que Allyson foi de Bolsonaro em 2022 e Rogério sabe disso.

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Vitória de Rodrigo Codes devolve estabilidade a Ufersa

A Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) voltará a ter na Reitoria alguém respaldado pelo voto da comunidade acadêmica. A decisão foi de fazer uma reparação histórica a quem há quatro anos venceu o pleito e foi impedido de assumir o cargo graças a um entulho autoritário em forma de lei que permite ao presidente da República escolher os comandos das instituições de ensino superior da União a partir de uma lista tríplice.

Descompromissado com as regras não escritas da democracia, Jair Bolsonaro viu em Rodrigo Codes um esquerdista e nomeou a terceira colocada Ludmilla Oliveira gerando quatro anos de instabilidade na Ufersa.

Agora esta instabilidade está com os dias contados por que o vencedor de 2024 foi o mesmo de 2020. Codes venceu entre os técnicos e os professores uma eleição dura, mas fazendo uma campanha limpa contra duas fortes estruturas de seus adversários.

Ludmilla, a despeito de todo o desgaste ainda conseguiu um segundo lugar sobretudo pela força da máquina. Uma eventual vitória dela traria consigo o peso dos atuais quatro anos em que ela pode se beneficiar das vantagens de estar no cargo de reitora nomeando apoiadores para funções gratificadas e atraindo o apoio de estudantes através de políticas públicas.

A continuidade de Ludmilla manteria a instabilidade. A vitória de quem ganhou e não pode assumir, no caso Codes, devolve a Ufersa a marca da estabilidade necessária para avançar como instituição de ensino superior.

Codes terá ao seu lado o vice-reitor eleito Nildo Dias. É uma dupla de pesquisadores renomados que trarão a Reitoria o perfil acadêmico perdido com Ludmilla, que protagonizou situações patéticas nas redes sociais.

Com Lula presidente não resta dúvida que a vontade da comunidade acadêmica será respeitada. A Ufersa voltará a ter paz.