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Bolsonaro em Natal e a segunda morte de Genivaldo

Ontem em Natal o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma motociata percorrendo o trajeto entre o Aeroporto Augusto Severo, em Parnamirim, até o bairro da Cidade da Esperança, em Natal.

Noves fora a série de ilegalidades e o péssimo exemplo de fazer o deslocamento sem capacete, a mobilização causou transtornos aos natalenses em um dia de trabalho, coisa que os bolsonaristas costumam reclamar quando ativistas de esquerda fazem protestos.

Mas o tema do texto é outro.

Bolsonaro mostrou mais uma vez insensibilidade e a sensação de que pode tudo como presidente. Pilotar moto sem capacete em ambientes controlados é permitido, mas como presidente ele deveria dar o exemplo, repito. Registre-se que 69% dos traumatismos cranioencefálicos e 65% dos traumatismos na face são prevenidos com o uso do capacete segundo o Ministério da Saúde.

Ainda mais no contexto em que não faz muito tempo (só pouco menos de quatro meses) que dois agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mataram numa câmara de gás improvisada o Genivaldo de Jesus Santos no dia 25 de maio no município de Umbaúba, em Sergipe.

Bolsonaro circulou pelas ruas de Natal sem capacete escoltado pelos policiais rodoviários federais usando o privilégio de ser presidente enquanto Genivaldo, um homem pobre, acabou sendo assassinado barbaramente justamente após ser abordado sem o equipamento de proteção.

O que para Bolsonaro e seus adoradores é frescura, para a família de Genival custou a vida de um ente querido.

Tivemos em Natal a segunda morte de Genivaldo, desta vez simbólica.

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Ódio e nojo

Por Sílvio de Almeida*

O ódio é um afeto que se apresenta na política das mais diversas formas. Da mesma maneira que o ódio pode conduzir à morte e à destruição, é também um sentimento capaz de, paradoxalmente, nos levar a lutar por libertação ou a estabelecer formas ativas de solidariedade para com aqueles que sofrem.

Dito de outra forma, foi preciso odiar a escravidão e seus institutos para que ela pudesse ter fim; foi preciso odiar os nazistas e seus símbolos para derrotá-los. É imperioso odiar o fascismo e todos que o celebram. É imprescindível repudiar visceralmente e com todas as forças aqueles que humilham e destroem a vida de trabalhadores e de minorias.

É importante pensar nisso quando observamos o fato de que estamos sob o domínio de assassinos, racistas, tarados, genocidas, sociopatas, omissos, oportunistas e argentários. E não me refiro apenas aos notórios milicianos que hoje nos governam, mas a toda uma lógica de violência e de assassinato que comanda a institucionalidade brasileira.

Pela segunda vez em pouco mais de um ano, a polícia do Rio de Janeiro patrocinou uma chacina em que ao menos 23 pessoas consideradas “suspeitas” foram assassinadas em Vila Cruzeiro. Não era uma operação clandestina e nem uma ação de grupos paramilitares.

Era uma operação policial oficial que contou com o beneplácito do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, com o costumeiro silêncio do sistema de justiça e com apoio de setores da sociedade, incluindo parte da mídia.

Um dia depois do massacre no Rio de Janeiro, policiais rodoviários federais, na cidade de Umbaúba, interior de Sergipe, imobilizaram e trancaram dentro de um camburão Genivaldo de Jesus Santos. Não sendo suficiente, os policiais jogaram uma bomba de gás no interior do veículo, o que resultou na morte de Genivaldo por asfixia. Ou seja: os policiais criaram uma câmara de gás improvisada e a utilizaram a vista de todos.

Em nota sobre o caso, disse a direção da PRF que, em razão da “agressividade” do homem, “foram empregadas técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba”.

Para além do evidente cinismo contido na expressão “menor potencial ofensivo”, a mim me parece cristalino que essa declaração é parte de um sistema institucionalizado de execuções extrajudiciais.

Se alguém tinha alguma dúvida sobre o que é necropolítica, eis dois exemplos genuinamente brasileiros. Não se trata apenas de produzir a morte física, mas também a morte das possibilidades existenciais. Tirar a vida biológica é insuficiente; é preciso eliminar a memória que se tem sobre os mortos.

É necessário impedir homenagens e bloquear todos os ritos que possam dar algum sentido para a vida dos assassinados. Por este motivo, a polícia retorna aos territórios em que matou para destruir homenagens ou para tumultuar velórios.

Aterrorizar parentes, amigos, vizinhos dos mortos é parte crucial desse processo que visa não só garantir a impunidade, mas também a extirpar toda esperança de uma vida decente. A necropolítica é, afinal, esta mistura macabra de biopolítica, estado de exceção e estado de sítio que leva para favelas e periferias as técnicas de controle criadas nas plantations e nos campos de extermínio.

Para quem tem alguma dúvida sobre o que foi dito até aqui, serei ainda mais explícito: o Brasil, que há muito flertava, agora beija o nazismo na boca. Há setores da sociedade civil e da burocracia estatal que não tem mais qualquer pudor em defender o extermínio de populações inteiras, de deixar as pessoas morrerem de fome, de advogar o encerramento de serviços públicos essenciais, enfim, de matar pobres e minorias.

Com nazismo não se pode vacilar. Quem faz uso de símbolos, técnicas ou de discursos do nazismo é nazista, e nazistas devem ser tratados com todo o rigor possível, porque sua única serventia é provocar dor e sofrimento, sua única especialidade é matar.

Como disse Ulisses Guimarães é preciso ter ódio e nojo à ditadura —ditadura aliás, que muito se utilizou das lições nazistas de tortura e extermínio—, é preciso cultivar ódio e nojo a estes nazistas, assassinos e omissos aninhados no Estado brasileiro.

*É Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama. Texto extraído da Folha de S. Paulo.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.