José Arnóbio de Araujo Filho*
“Ontem um menino que brincava me falou que hoje é semente do amanhã…
Para não ter medo que este tempo vai passar…
Não se desespere não, nem pare de sonhar
Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs…
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
Fé na vida Fé no homem, fé no que virá!”
Gonzaguinha
O dia de ontem (texto escrito no dia 12 de agosto de 2020), poderia ser mais um belo dia para celebrar a razão do nosso existir enquanto educador. Poderia ser um dia para fazer o balanço de como o Estado brasileiro valoriza os diamantes raros que nos ensinam e aprendem conosco: os nossos estudantes. Poderia ser um dia em que o diálogo fosse o nosso verdadeiro combustível para encontrarmos um caminho menos traumático, em um cenário de tanta dor, sofrimento e de muitas incertezas causadas por um inimigo silencioso e invisível, que transformou a rotina de quase toda a humanidade.
Nunca poderia imaginar que, após mais de mais de 25 anos de trabalho dedicados ao IFRN, eu me depararia com as cenas que todos nós vimos, no início da tarde do fatídico dia 11 de agosto de 2020, DIA DO ESTUDANTE, ocasião na qual o diálogo foi substituído pela truculência da agressão física a jovens armados apenas de indignação e a favor do sentimento de justiça. Nunca imaginaria que, dentro de uma instituição de ensino, os responsáveis por ela iriam garantir a “ordem” através da repressão. Nessa data, ao invés de trocarmos experiências significativas de amorosidade, empatia, respeito à diversidade, sentiríamos em nossa corporeidade como se comportam os regimes de exceção, marcas de uma “página infeliz da nossa história”. Jamais, passou pela minha cabeça que o perfume das rosas pudesse ser substituído pelo o uso de spray de pimenta para conter simplesmente o sentimento de aversão por tudo o que está acontecendo em nossa instituição de ensino centenária.
Como se não bastasse toda a gravidade das cenas deploráveis, financiadas por uma ação irresponsável que colocou em risco a vida de estudantes menores de idade, a narrativa apresentada por aqueles que ocupam a Reitoria de forma indevida desqualifica toda ação realizada pelos alunos, imputando aos mesmo um papel de culpados ao invés de vítimas. Faltam com a verdade quando afirmam que: “ A gestão está trabalhando para fazer acontecer o retorno das aulas”, quando, na verdade, não existe – por parte da gestão sistêmica – o menor compromisso com tal ação. Qual o planejamento proposto por ela em quase 120 dias de (indi)gestão? Nossos alunos lutavam pelo respeito ao princípio democrático, conquistado duramente após 21 anos de repressão, com cerceamento da liberdade e clara perseguição, e não o que foi vinculado em nota: “Mas o que eles vieram fazer aqui não foi reivindicar a questão da volta às aulas, na verdade, estão reivindicando outras coisas, alinhadas a ideais estritamente políticos”. Os estudantes estavam lá para defender a autonomia administrativa e pedagógica da instituição, a gestão democrática que se inicia com o processo de escolha dos dirigentes máximos e respeito aos nossos colegiados; estavam lá para garantir o cumprimento da integralidade do decreto lei 6986/2009 que legisla a respeito às eleições nos Institutos Federais. Faz politicagem quem não respeita o princípio democrático, os nossos colegiados internos e se utiliza de manobras escusas para ocupar o poder acima de qualquer coisa.
Continuaremos vigilantes na defesa do princípio democrático, não por defender apenas o reitor eleito de forma legitima pela nossa comunidade, mas acima de tudo por defender a Educação Pública, gratuita e socialmente referenciada contra as agruras do autoritarismo, do sucateamento, da escassez de recursos e em defesa daqueles que nos fazem professores: vocês, nossos ESTUDANTES. O autoritarismo pode até querer arrancar todas as rosas dos nossos jardins, acabar com os nossos sonhos, cultivar o medo, regado com a violência e a truculência dos regimes de exceção, mas a nossa indignação será sempre a nossa semente que germinará nas favelas, na periferia, ao lado dos menos favorecidos, no asfalto e na escola
Enquanto educador há três décadas, peço desculpas pelos que não nos representam e estendo a minha solidariedade a todos os estudantes e profissionais da educação que abraçaram essa causa. Toda a minha solidariedade contra as agressões aos alunos, servidores e toda a comunidade potiguar, agredidos de forma covarde.
Finalizo, lembrando a todos e todas que a única coisa em comum entre indignação eresignação é a palavra “ação”. Deveremos, portanto, sempre nos indignar com o que está acontecendo, jamais nos resignarmos. Continuemos a luta pelo IFRN.
“Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo, medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura”
(Milton Nascimento)
*É reitor eleito do IFRN.