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Reportagem

Ernesto Geisel autorizou execução de pelo menos dois potiguares

geisel

Por Rafael Duarte

Agência Saiba Mais

Três dias depois da reunião em que o ditador Ernesto Geisel autorizou as “execuções sumárias de subversivos perigosos”, o jornalista natalense Luiz Inácio Maranhão Filho foi preso por agentes do Estado em uma praça pública de São Paulo e desapareceu. A prisão dele ocorreu em 3 de abril de 1974 e até hoje seu corpo não foi encontrado.

Destino semelhante teve o jornalista, ator e poeta caicoense Hiram de Lima Pereira, preso pelos órgãos de segurança em 15 de janeiro de 1975.

O nome dos militantes comunistas Luiz Maranhão e Hiram Pereira voltaram à tona depois que o Departamento de Estado dos EUA revelou um memorando, datado de 11 de abril de 1974, enviado pelo diretor da Agência de Inteligência Norte-americana (CIA) ao então secretário de Estado Henry Kissinger.

O documento foi trazido a público pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor e confirma que a cúpula do governo brasileiro sabia dos assassinatos contra os opositores do regime militar. Até então, essa versão era negada oficialmente.

No memorando consta que, inicialmente, Geisel pediu para refletir sobre a questão, mas em 1º de abril de 1974, “informou ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que extremo cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados”. E exigiu ao Centro de Informações do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto.

Ernesto Geisel governou o país de 1974 a 1979, quando deu lugar ao general João Batista Figueiredo.

Hiram-Pereira

Luiz Maranhão e Hiram Pereira estão na lista dos 89 desaparecidos políticos oficiais da ditadura militar, a partir de 1º de abril de 1974, que nunca foram encontrados. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) diz ainda que 11 pessoas podem ter desaparecido ou morrido também a partir de abril daquele ano, mas as datas não foram esclarecidas.

Ao todo, foram confirmadas pela CNV 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Entre elas, 210 estão desaparecidas.

Mortes

luiz

O destino dos corpos dos militantes desaparecidos durante o regime militar vem sendo revelado aos poucos por colaboradores e agentes da ditadura. Há depoimentos registrados pela Comissão Nacional da Verdade confirmando as mortes de vários militantes, entre eles Luiz Maranhão Filho e Hiram Pereira.

O ex-sargento do Exército Marival Chaves revelou em 2012 que Hiran foi interrogado no centro de torturas e execuções, implantado clandestinamente pelo DOI-Codi em Itapevi, na Grande São Paulo, morreu sob torturas e teve seu corpo lançado em um rio próximo a Avaré.

Já o assassinato do jornalista Luiz Maranhão Filho foi trazido à tona, também em 2012, pelo delegado Cláudio Guerra, autor do livro “Memórias de uma guerra suja”. Segundo ele, Maranhão foi barbaramente torturado e teve o corpo incinerado numa usina de açúcar, no Rio de Janeiro.

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Crônica

As viúvas (e amantes) da ditadura militar

torturador

Sempre existiu a figura sinistra das viúvas da ditadura militar, mas com a Internet ela ganhou voz e capacidade de se propagar utilizando-se de meios democráticos para impor ideias autoritárias.

A viúva da ditadura militar é uma figura cuja relação com os livros de história é de puro ódio. “São panfletos manipulados pela esquerda”.

As viúvas da ditadura militar costumam falar que na época dos fardados no poder não tinha corrupção. Tudo ia muito bem porque a moralidade era a marca do regime. “Se não roubavam já estava de bom tamanho”, costumam argumentar.

Mas não é bem assim: estávamos numa época de autoritarismo onde a imprensa estava amordaçada pela censura, a oposição consentida estava esmagada e a Polícia Federal e Ministério Público eram miragens do que temos hoje. Mesmo assim os escândalos da ponte Rio/Niterói e Transamazônica estão aí para quem gosta de ler alguma coisa.

Mas para as viúvas da ditadura militar isso não é levado em consideração. “É coisa de petista”.

A viúva da ditadura militar fala que o Brasil viveu uma era de desenvolvimento e de grandes obras. Mas não se toca que aquele foi um período em que o crescimento se deu pela repressão aos trabalhadores beneficiando grandes empresários. A promessa de crescer o bolo para depois distribuir não foi cumprida. Pelo contrário: a herança do regime foi a hiperinflação. Incrível como as viúvas da ditadura culpam o PT por todos os problemas do país e não conseguem fazer essa relação simplória de causa e consequência do que aconteceu há quatro décadas.

O argumento mais apaixonado e convincente (para quem não se informa além de postagens do Facebook) das viúvas dos fardados está em dizer que tinha menos violência. Mas os números torturam a viúva do regime. Até o início dos anos 1960 o número de homicídios na cidade de São Paulo era de 5 para cada 100 mil habitantes. Ao final do regime eram 39 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Apenas para citar a maior cidade do país como exemplo.

Mas as viúvas da ditadura dirão que isso é coisa de petista.

Outro argumento é o de que tudo que era feito no regime era por uma causa justa: o combate aos comunistas. Toda viúva da ditadura militar embarca na conversa fiada de que o golpe de 1964 evitou que o Brasil se tornasse um “república sindicalista”.

Até hoje me pergunto o que danado seria uma “república sindicalista”?

No entanto, a história vem de novo para torturar as viúvas saudosas de ouvir um coturno marchando pela sua porta: o deputado Rubens Paiva não era um guerrilheiro nem terrorista. Ele foi assassinado pelo regime. JK e Carlos Lacerda foram exilados mesmo sendo fiadores do golpe e os dois morreram em condições suspeitíssimas em pleno período da operação condor (Jango também faleceu na mesma época que seus outrora algozes). Crianças foram fichadas como elementos subversivos como Ernesto Carlos Dias do Nascimento. Ele tinha um ano e três meses de idade e foi preso junto com os irmãos de 4, 6 e 9 anos. Um tremendo pau de arara para saudosistas da ditadura que bancam caçadores de pedófilos na Internet.

Dezenas de deputados e senadores tiveram os mandatos cassados e ficaram sem direitos políticos por 10 anos. Eles não eram terroristas. Mas isso, as viúvas da ditadura não se importam.

As viúvas da ditadura chamam o golpe de 1964 de “revolução”. As mais comedidas chamam de “contragolpe” ou “golpe preventivo”. As mais cegas de paixão afirmam que foi tudo dentro da constituição porque João Goulart tinha fugido do Brasil. Pelo visto em 1964 o Rio Grande do Sul estava independente. Sempre argumentam que o STF não se opôs como se o Supremo daquela época tivesse o mesmo poder de hoje. Não sabem as viúvas da ditadura que ministros chegaram a ser ameaçados de perde de cargos logo após o golpe.

Mas as viúvas da ditadura vivem num mundo à parte. Agora ganharam a companhia das amantes da ditadura, os que se dizem “liberais” e defensores da democracia estão há vários dias justificando atrocidades do período como sendo algo que valeu apena por perseguir comunistas. Mais parecem “bolsominions” envergonhados.

É comum ver viúvas da ditadura usando termos como “ditabranda”, “mataram pouca gente”, “tinha eleição”, “pelo menos nos salvou do comunismo”, “no Chile foi muito pior”, “Fidel e Stálin mataram muito mais gente”, etc…

A viúva da ditadura convive muito bem com a amante como as mulheres reprimidas do passado que não tinham noção dos próprios direitos.

A história mostra que regimes autoritários também atingem seus entusiastas. Mas livro de história não é uma coisa interessante para uma viúva da ditadura. Nem para suas parceiras “liberais”.

A viúva da ditadura ficou muito chateada com a revelação dos documentos da CIA que mostram que o ditador Ernesto Geisel dava autorização para matar subversivos.

A viúva da ditadura (e as amantes) vão apelar com esse texto. Serei chamado de petista, vermelho, terrorista, etc…

Confira outros textos da série

O Isentão

O Esquerdista Arrogante

O Bolsominion

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Artigo

“Minha ditadura matou, mas a sua também” é prova da falência da razão

ossada

Por Leonardo Sakamoto

Tenho uma atração mórbida por colecionar comentários que demonstram a incapacidade das pessoas em desenvolver um debate baseado em evidências sólidas nas redes sociais. Sei que isso não é saudável, mas todos temos vícios questionáveis, como fumar tabaco, assistir TV até altas horas da madrugada ou comer Cheetos num ônibus abafado com janelas fechadas. Um tipo de comentário em especial remete à minha infância: quando acusávamos o coleguinha de algo e ele, prontamente, respondia ”mas fulano de tal também”.

Como fôssemos os responsáveis pelas besteiras do fulano de tal. Isso é equivalente a alguém apresentar dados sobre pessoas executadas por ordem do alto comando da ditadura brasileira (1964-1985) e, ao invés de receber um questionamento sobre a fonte da informação e sua veracidade ou argumentos que tentem justificar as mortes (se é que isso é possível), ler ou ouvir um ”mas fulano de tal também”. O raciocínio (sic) é o seguinte: se a ditadura brasileira matou, mas ditaduras comunistas e socialistas também mataram, então ninguém pode falar nada a respeito sob risco de hipocrisia. Isso embute farsas argumentativas. Primeiro, quem se diz de esquerda não compactua necessariamente com o que governos que se dizem de esquerda fazem ou dizem. Esquerda e direita são campos extremamente plurais e a esquerda tem dificuldade até para chegar em um consenso na forma de dar bom dia.

Ao mesmo tempo, isso passa pelo pressuposto equivocado de que um ato ao se equiparar ao outro mostra que todo são iguais para tentar inviabilizar a crítica. Essa justificativa tenta calar os que criticam a celebração da memória de um regime autoritário, aqui no Brasil, que perseguiu, torturou, matou, esquartejou, queimou, jogou ao mar. Celebração feita por pessoas que, hoje, desejam um Estado que propague a violência para garantir a paz. Na verdade, há espaço para criticar todas as ditaduras violentas. Essa falta de maturidade é típica de um país que ainda engatinha quanto à pluralidade do debate público e vive em meio à herança não-resolvida do seu próprio período autoritário. O que me lembra o velho paradoxo das pessoas que querem usar sua liberdade de expressão para exigir que determinadas minorias não tenham liberdade de expressão, como era na época da ditadura. Não faz sentido. Mas tampouco comer Cheetos faz.

Governos que se autointitulavam socialistas ou comunistas mataram milhões. Do Khmer Vermelho, no Camboja, aos expurgos de Stalin, na União Soviética, passando pelos fuzilamentos na China ou em Cuba, a História é farta em registrar o que esses grupos fizeram em nome de suas revoluções ou da perpetuação de poder. Parte da esquerda faz essa crítica e não deseja copiar nenhum desses regimes. Da mesma forma, a História é rica ao demonstrar as montanhas de mortos em decorrência da ação colonialista de países europeus na América Latina, África e Ásia. Sem falar dos milhões que morreram em decorrência das políticas de expansão do Estado norte-americano ao redor do mundo ou das grandes corporações. Já tratei desses assuntos muitas vezes, mas para boa parte dos que vivem em função da intolerância online, o que já foi dito, não importa. Se a cada postagem sobre a ditadura brasileira você não fizer uma retomada histórica de 200 anos das mortes ocorridas após o nascimento de Karl Marx, torna-se um mentiroso seletivo e hipócrita. Se a cada postagem, não reafirmar que considera o governo Maduro, na Venezuela, autoritário e violento, seu pensamento não vale. Pois, no fundo, as pessoas não querem que você diga nada além do lado da história com a qual concordam. Isso deságua mais do que na terceirização do pensamento e da reflexão. Leva à indigência intelectual que, ao atingir o fundo do poço, faz com que o ódio flua livremente pelo corpo sem os incômodos entraves impostos pela razão. Você se torna uma casca vazia e, o melhor, sem se sentir culpado por disso.

O caso da divulgação do memorando da CIA sobre as execuções sumárias autorizadas pela cúpula da ditadura, descoberto pelo professor Matias Spektor, da FGV-SP, ganhou repercussão nesta quinta (10). Ilustrei meu texto sobre o tema com uma foto do corpo do jornalista Vladimir Herzog, pendurado pelo pescoço nas dependências do Exército, em 1975. Na época, o governo afirmou que ele havia se suicidado. Mas a foto forjada pela ditadura não convenceu parte da sociedade civil e a morte de Vlado, que trabalhava na TV Cultura, serviu para mostrar à população o destino de quem discordava do regime. Pois a ditadura, do alto de sua covardia violenta, nunca assumiu o que fazia entre quatro paredes.

Nas redes sociais, nesta quinta (11), a imagem de Vlado passou a ser usada para tentar convencer – com uma argumentação sem bases racionais – que a foto teria sido forjada pelos opositores para criar problemas para o governo militar. Não importam as provas e o fato do caso ser reconhecido internacionalmente, para muita gente a morte do jornalista – que havia se apresentado voluntariamente a fim de prestar esclarecimentos sobre denúncias contra ele – é uma farsa porque atrapalha a narrativa reluzente da Gloriosa. O que vai ao encontro da máxima das redes sociais: ”Verdade é tudo aquilo com o qual concordo e mentira, tudo da qual discordo”.

Em março de 2013, os familiares de Herzog receberam novo atestado de óbito, trazendo como causa da morte ”lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório nas dependências do segundo Exército DOI-Codi” por determinação da Justiça paulista. No documento anterior, forjado pelo médico da ditadura, aparecia ”enforcamento por asfixia mecânica”. O problema é que, muito provavelmente, se você leu até aqui este post, já exerce um debate plural de ideias, independente de concordar comigo ou não. Afinal, seja à esquerda ou à direita, muitos não ficam satisfeitos com uma informação reduzida a uma tuíte porque não estão recolhendo munições para sua guerra digital. Querem ouvir versões e entender a complexidade do mundo à sua volta. O que só confirma que estamos nos aproximando de outubro cavalgando em burrice violenta, como já disse aqui.

Entendo por burrice não a falta de um conhecimento específico. Burro não é quem separa sujeito e predicado por vírgula ou quem não sabe calcular. Muita gente não entende isso e desvaloriza a opinião do outro por não compartilhar dos mesmos padrões de fala ou do mesmo universo simbólico. Burro é quem menospreza o conhecimento, chegando a odiar quem o detém ou quem busca aprendizado para ampliar sua visão de mundo. O sujeito da burrice é prepotente e apressado, que xinga um texto ou vídeo na rede sem ter consumido nada além de seu título ou visto o nome do autor ou autora. E, diante das críticas sobre a superficialidade desse comportamento, rosna, dizendo que tudo o que é importante pode ser escrito em uma linha. Ou acredita que um produto é ruim simplesmente por não ter ido com a cara do rótulo.

O burro é aquele que vê seu preconceito violento como sabedoria. A burrice sempre tenta destruir o conhecimento que ameaça jogar luz sobre ela própria. Pois a burrice é incapaz de aceitar o próprio erro, transferindo a culpa para o outro ou equiparando o interlocutor a ela para poder fugir de sua falta de consistência. Ou, diante de um questionamento, foge da autocrítica, dizendo que outra pessoa ou partido também faz a mesma coisa. A burrice  não pede desculpa. Pois a burrice de um indivíduo acha que é absolvida pela burrice de outro indivíduo ou do coletivo. A burrice não aceita a existência de outra versão que interprete os fatos além da sua. É incapaz de reafirmar sua visão e, ao mesmo tempo, conviver com análises divergentes. Enxerga a opinião alheia como ”notícia falsa” não por desconhecer a diferença entre formatos de textos narrativos e opinativos, mas por não admitir o conteúdo. A burrice de alguns seguidores de políticos que não aceitam a existência de divergências ocorre da direita à esquerda, ou seja, não é monopólio de ninguém. ”A ditadura não executava opositores” é uma variação da ”Terra é plana”. Em ambos os casos, há muito já se deixou o campo da razão. É crença. E a história mostra que as pessoas matam e morrem por suas crenças, sejam elas quais forem.