Categorias
Artigo

O peso ideológico da vitória de Donald Trump

Por Wilson Pedroso*

Donald Trump venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos e voltará a comandar a Casa Branca. A vitória do republicano deverá ter impactos importantes para a economia e a diplomacia mundiais, mas, antes de qualquer outra análise, devemos admitir que ela tem um peso ideológico que não pode ser ignorado. Os americanos mostraram-se mais alinhados à direita, em um movimento que já é observado em outras nações na história mais recente.

No caso da eleição de Donald Trump, chama a atenção o fato de que ele tenha vencido a disputa contra Kamala Harris em duas frentes distintas, tendo conquistado a preferência dos delegados dos colégios eleitorais e também dos eleitores americanos. Segundo noticiou a imprensa, a vitória dupla não acontecia desde a vitória de George W. Bush, há 20 anos.

Esse resultado deixa claro que os americanos apoiam as ideias radicais de direita de Trump. Cenários semelhantes foram observados, por exemplo, na Argentina, com a eleição de Javier Milei, e no Brasil, quando Jair Bolsonaro chegou à presidência.

Donald Trump conquistou os americanos com um discurso protecionista, focado no crescimento econômico do país e no fortalecimento da segurança nacional, com endurecimento das regras de imigração e maior vigilância das fronteiras. Mas ninguém vence eleição apenas com discurso. Ele fez uma campanha agressiva e estratégias complexas em várias frentes.

Entre as principais táticas adotadas por Trump, está o uso de tecnologia de ponta, como as ferramentas de Inteligência Artificial, para aprofundar a comunicação com os eleitores. Ele também apostou na reestruturação do Partido Republicano, garantindo ampliação da base e apoio às suas propostas. E, por fim, fez ataques sistêmicos a Kamala Harris, com divulgação de informações que contribuíram fortemente para desconstrução de sua imagem junto à opinião pública.

Sim, a campanha de Trump foi bem arquitetada e, independentemente de ideologia política ou preferência partidária, merece ser estudada com atenção pela classe política. No Brasil, a vitória do republicano já vem mobilizando esquerda e direita. E todos concordam em uma coisa: as eleições americanas poderão ter reflexos negativos para a economia brasileira.

Ainda é cedo para uma avaliação mais aprofundada sobre o que exatamente está por vir. Mas certamente o governo brasileiro terá desafios pela frente.

*É analista político e consultor eleitoral com MBA nas áreas de Gestão e Marketing.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Foro de Moscow

Foro de Moscow 06 nov 2024 – Trump vence as eleições. E agora?

Categorias
Artigo

Regra de ouro ‘um eleitor, um voto’ é estranha à democracia dos Estados Unidos

Por Demétrio Magnoli*

Caos. Na noite fatídica, 3N, apurações congelaram à espera da contagem de votos enviados por correio em estados decisivos, enquanto Trump declarava vitória na guerra ainda incerta. República de bananas: o presidente contestava a apuração de milhões dessas cédulas, sugerindo a declaração de um vencedor antes da contagem de todos os votos.

Eleitores votam em seção localizada em lavanderia, em Chicago, no estado de Illinois Daniel Acker/Reuters

Aritmética ocultista. Calculava-se, alta madrugada, as probabilidades de empate, dependentes da repartição dos delegados nos dissidentes Maine e em Nebraska, que fogem à regra do “vencedor leva tudo”. Mais uma vez, como há 20 anos, o sufrágio desviava-se rumo à tortuosa estrada vicinal dos tribunais. E, novamente, como em 2000 e 2016, erguia-se o espectro da cisão entre o voto popular e o Colégio Eleitoral.

Um eleitor, um voto. A regra de ouro das democracias é estranha à democracia americana. No seu lugar, inventou-se a regra do sufrágio estadual ponderado pelo sistema do Colégio Eleitoral. O republicano George W. Bush triunfou, em 2000, por 271 a 266, mesmo perdendo por meio milhão de votos. Trump venceu, em 2016, por 304 a 227, perdendo por quase três milhões de votos.

História. Os EUA nasceram, em 1776, como uma confederação das antigas colônias britânicas, transformando-se na atual federação com a Constituição de 1787. Os federalistas articularam um pacto entre as elites estaduais que assegurava a cada uma delas as autonomias de tributar, impor taxas alfandegárias e conservar o trabalho escravo. O artigo 2º da Constituição estabeleceu o Colégio Eleitoral, concedendo às assembleias estaduais a prerrogativa de escolher os delegados que elegem o presidente.

Nas décadas seguintes, universalizou-se a prática de selecionar os delegados pelo voto popular estadual e, em 1836, generalizou-se a regra do “vencedor leva tudo”.

Apoiadores do presidente Donald Trump protestam com cartazes como ‘votos enviados depois de 3 de novembro são ilegais’, ‘parem a trapaça’ e ‘contem os votos legais’, em frente a local de apuração em Phoenix, no Arizona Cheney Orr/Reuters

Filosofia. A democracia é a vontade da maioria? Mais ou menos: democracia é a vontade majoritária temperada por instituições que protegem valores perenes e os direitos da minoria. O Colégio Eleitoral foi justificado como vacina contra o populismo, a tirania da maioria. O argumento corre paralelo ao outro, anacrônico e cada vez menos invocado, da preservação da autonomia estadual e das liberdades dos estados menos populosos. Há, porém, democracia quando o voto nacional majoritário pode ser ignorado seguidamente?

Reforma. Há duas décadas, desde o trauma da Flórida, crescem os clamores pela eliminação do Colégio Eleitoral. Um eleitor, um voto —a fórmula clássica exigiria uma refundação constitucional dos EUA tão radical quanto a experimentada na esteira da Guerra Civil, entre 1865 e 1869, com as três emendas que aboliram a escravatura, definiram a cidadania e proclamaram o direito universal de voto. Um caminho alternativo, proposto por diversos estados, é a reforma do próprio Colégio Eleitoral pelo estabelecimento da distribuição proporcional de delegados. A via reformista seria uma ruptura com a tradição, mas cabe na moldura da Constituição.

Reforma impossível. A substituição da regra do “vencedor leva tudo” pela proporcionalidade converteria o Colégio Eleitoral num espelho levemente distorcido do voto popular. As mudanças demográficas dos EUA impulsionadas pela expansão das grandes cidades e pelo crescimento relativo da minoria latina tendem a inclinar fortemente o voto popular para o lado dos democratas. Nesse cenário, é difícil imaginar a possibilidade de triunfos republicanos num hipotético Colégio Eleitoral proporcional. Os estados republicanos não renunciarão à tradição de quase dois séculos.

Guerra civil. Os EUA têm apenas dois partidos que contam. O voto popular direto ou um simulacro dele, pelo Colégio Eleitoral proporcional, significariam a virtual eliminação da perspectiva de poder de um deles. Partido único? A nação desceria o abismo de uma nova guerra civil antes disso.

*É sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.