Por Fernando Rocha*
Há um paralelo inevitável entre a vertente religiosa extremista e o fenômeno das redes sociais. Embora, à primeira vista, pareçam fenômenos distintos, ambos compartilham uma gramática narrativa similar: prometem um futuro de bem-estar e prosperidade incapazes de serem garantidas no mundo real. A esse fenômeno, soma-se o crescimento explosivo das apostas esportivas, conhecidas como bets que também se insere nessa busca por uma prosperidade rápida e ilusória.
O obscurantismo religioso muitas vezes se baseia em uma lógica de recompensa futura, na qual o sofrimento e a submissão às regras de uma doutrina resultam em compensações espirituais ou materiais em um tempo indeterminado. A narrativa religiosa, especialmente em vertentes mais fundamentalistas, enfatiza a paciência e a fé como virtudes, sugerindo que a prosperidade virá após o cumprimento de um ciclo de provações ou sacrifícios. A promessa de prosperidade é frequentemente projetada para além da vida terrena, o que dificulta a verificação de suas supostas recompensas.
Da mesma forma, as redes sociais promovem uma forma de prosperidade imediata que, embora pareça tangível, permanece igualmente ilusória. Nesse contexto, a promessa não se refere a recompensas espirituais, mas sim a uma vida idealizada de sucesso, riqueza e realização pessoal, apresentada como alcançável através de dicas, truques e estilos de vida promovidos por influenciadores digitais. A prosperidade propagada por esse modelo é igualmente intangível, pois está baseada em uma representação filtrada e artificial da realidade, que mascara os obstáculos e as nuances do sucesso real.
O fenômeno das bets no Brasil ilustra de maneira ainda mais explícita essa busca por prosperidade imediata. O crescimento vertiginoso das apostas esportivas, amplamente difundido nas redes sociais, explora a mesma gramática narrativa de uma prosperidade rápida e ao alcance de todos. As bets são promovidas como uma maneira “fácil” de enriquecer através da sorte e do conhecimento esportivo, reforçando a ideia de que o sucesso financeiro pode ser conquistado de forma instantânea, desde que se siga a “fórmula certa”. Com campanhas publicitárias agressivas, muitas vezes associadas a influenciadores digitais e celebridades, essa prática promete a ilusão de controle e de ganho imediato, capturando milhões de pessoas em busca de uma prosperidade ilusória.
Tanto as apostas esportivas quanto a promessa de sucesso nas redes sociais promovidas por influencers e coachs compartilham a mesma ilusão de prosperidade imediata: elas oferecem soluções rápidas e mágicas para problemas complexos, ignorando as dificuldades da realidade. O apostador é levado a acreditar que, com um pouco de sorte ou estratégia, pode transformar sua vida financeira instantaneamente, assim como o seguidor de influenciadores digitais é levado a crer que o estilo de vida glamouroso e bem-sucedido é acessível com apenas algumas mudanças superficiais. No entanto, em ambos os casos, a realidade é muito mais dura: a maior parte dos apostadores perde dinheiro, assim como os seguidores das redes sociais raramente atingem o sucesso prometido.
Além disso, tanto as apostas esportivas quanto o obscurantismo religioso simplificam a realidade. No caso religioso, a prosperidade é apresentada como um dom divino concedido em troca de devoção e sacrifício. Nas bets, o sucesso é vendido como uma questão de sorte ou habilidade, ignorando a estrutura econômica que favorece sempre a casa. E nas redes sociais, a prosperidade surge como fruto de uma representação superficial da vida, sem enfrentar as complexidades da desigualdade social e dos desafios estruturais. Todos esses fenômenos evitam uma análise crítica e detalhada da realidade, substituindo-a por narrativas sedutoras de prosperidade fácil e rápida.
Em suma, há um paralelo entre o obscurantismo religioso e à prosperidade que as redes sociais e seus influenciadores oferecem, especialmente porque usam da mesma gramática narrativa e articulação persuasiva. Em todas essas situações, o crente, o eleitor, consumidor ou apostador é atraído pela promessa de uma prosperidade ideal – seja transcendental, digital ou financeira –, mas que, ao final, não se pode garantir sua concretização na experiência concreta da vida. Essa semelhança narrativa revela como o desejo humano por prosperidade, diante das incertezas do mundo real, é suscetível à manipulação por promessas que dificilmente se confirmam, mantendo as pessoas presas a ciclos ilusórios de esperança e frustração.
*É procurador da República com atuação no RN.
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