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Eleição de 2022 cristaliza obstáculos à oxigenação política

Por Samuel Hanan*

O período eleitoral que se avizinha traz novamente à tona uma questão fundamental para o país: se o Brasil deseja ser uma nação com democracia verdadeiramente representativa, precisa rever algumas questões do sistema eleitoral atual que mascaram o desequilíbrio da disputa e dificultam a oxigenação política.

Vamos aos fatos. O Fundo Partidário destina, este ano, R$ 1,06 bilhão a ser dividido entre as 33 legendas. Além disso, teremos em 2022 mais R$ 4,9 bilhões de Fundo Eleitoral. Ocorre que do Fundo Partidário apenas 1% é dividido igualmente entre as legendas que recebem, individualmente, R$ 10,6 milhões. Os outros 99% são distribuídos proporcionalmente à bancada parlamentar de cada partido. No Fundo Eleitoral, essa proporção é de 20% para 80%, ou seja, R$ 980 milhões rateados igualmente entre os partidos e R$ 3,29 bilhões divididos proporcionalmente às legendas de acordo com o número de parlamentares eleitos para o Congresso Nacional. O mesmo critério – tamanho da bancada – é utilizado para a distribuição do tempo no rádio e na televisão no horário eleitoral.

Sem entrar no mérito das razões que originaram tais critérios, é nítido que tal fórmula criou distorções prejudiciais à democracia. Primeiramente porque confere e delega um enorme poder aos presidentes e dirigentes dos partidos, em cujas mãos ficam orçamentos generosos para distribuição discricionária. Ademais, porque dá a alguns candidatos mais facilidade de acesso aos recursos financeiros e ao tempo de rádio e tevê.

Por outro lado, acaba também facilitando a reeleição porque confere aos detentores de cargos poderes que a legislação eleitoral não é capaz de frear apesar das limitações temporais que impõe, proibindo determinados atos no período eleitoral. Não impede, por exemplo, a concessão de reajustes salariais para determinadas categorias mais numerosas, nem farras fiscais para o favorecimento dirigido, seja por meio da redução de tributos, incentivos e renúncias fiscais, seja por subsídios e financiamentos via bancos oficiais, em datas bem próximas dos limites legais.

O voto no Brasil ganhou sentido monetário. Não por acaso os partidos investem mais nos chamados puxadores de votos: seus parlamentares que já possuem mandatos ou artistas de forte apelo popular. Esses são peças fundamentais para a conquista de mais cadeiras legislativas e, com isso, maior participação nos fundos partidário e eleitoral, retroalimentando um sistema nefasto à representatividade verdadeira porque representa um grande obstáculo para estreantes na política partidária e eleitoral, dificultando a renovação.

Tudo favorece os mandatários da hora, cria obstáculos para o ingresso de novos candidatos e ainda fomenta a concentração de poder nas mãos dos dirigentes partidários. Nesse cenário, ninguém consegue viabilizar uma candidatura aos governos estaduais ou à Presidência da República sem garantir excepcional relação com os presidentes dos partidos ou das federações partidárias, novidade recém-criada e que nasce incapaz de impedir alianças costuradas, na maior parte das vezes, sem um único fio de compromisso programático.

Os recursos bilionários dos fundos partidários e eleitoral, contrastando com a falta de recursos para investimentos em áreas prioritárias à população, são outra anomalia. Justificam, em boa medida, o absurdo número de partidos políticos no Brasil – mais de três dezenas -, alguns dos quais dominados desde sempre por velhos caciques. Outro exemplo de privilégios, financeiros e de poder, que são mantidos no país, acentuando as desigualdades e sugando os cofres públicos.

Sem mudanças profundas no sistema, o eleitor brasileiro continuará assistindo à junção temporária de legendas e de candidatos que até pouco tempo se atacavam violentamente em discursos inflamados, perguntando-se se tais políticos lançaram falsas acusações antes ou se tornaram mentirosos agora.

O Brasil não pode ser conduzido por corruptos, por desonestos, por quem promete e não cumpre, por quem torna elásticos os valores éticos e morais por conveniência eleitoral, por quem não tem qualquer compromisso com a verdade, com o zelo pelo dinheiro público e com o atendimento das necessidades de sua população. Esse risco existe e permanecerá se o sistema não for aperfeiçoado.

*É engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Confira como votaram os deputados e senadores do RN na decisão que derrubou o veto de Bolsonaro ao aumento do fundo eleitoral

Dos 11 membros da bancada federal do Rio Grande do Norte apenas quatro votaram a favor de manter o veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao aumento de R$ 2,1 bilhões para R$ 5,7 bilhões do Fundo Eleitoral para 2022.

Outros seis parlamentares votaram pela derrubada do veto sendo quatro deputados e dois senadores.

Da bancada federal do Rio Grande do Norte apenas Natália Bonavides (PT) se ausentou da votação. Conforme noticiou o Portal Agora RN ela estava em voo durante a apreciação do veto.

Deputados

Benes Leocádio (Republicanos): Sim;

Beto Rosado (PP): Não

Carla Dickson (Pros): Sim;

General Giral (PSL): Sim;

João Maia (PL): Não;

Natália Bonavides (PT): ausente;

Rafael Motta (PSB): Não;

Walter Alves (MDB): Não.

Snadores:

Jean Paul Prates (PT): Não;

Zenaide Maia (Pros): Não;

Styvenson Valentim (Podemos): Sim.

O veto ao fundo eleitoral foi derrubado por 317 x 146 na Câmara dos Deputados e 53 x 21 no Senado. As votações ocorreram na sexta-feira.

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O Fundo Eleitoral é impenhorável

Por Rogério Tadeu Romano*

Informou o site de notícias do STJ, em 5 de outubro de 2021, que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de uma empresa de marketing e publicidade para penhorar recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A medida seria uma forma de garantir que fosse paga uma dívida de mais de R$ 8 milhões, referente a serviços prestados para candidaturas do partido nas eleições de 2004.

A decisão foi tomada no. REsp 1.800.265.

Como bem acentuou o Politize! o fundo eleitoral, cujo nome oficial é Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), é um “fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos”, segundo definição do TSE. Alimentado com dinheiro do Tesouro Nacional, ele é distribuído aos partidos políticos para que estes possam financiar suas campanhas nas eleições.

O fundo eleitoral não deve ser confundido com o fundo partidário. O segundo existe desde 1965 e serve para bancar as atividades corriqueiras dos partidos. Já o FEFC foi criado em 2017 pela Lei nº 13.487.

Bem lembrou o site Migalhas (O que é fundo eleitoral? Saiba para que serve e como é distribuído, em 21 de julho de 2021) de acordo com a legislação, os recursos do fundo devem ser distribuídos pelo TSE aos diretórios nacionais dos partidos de acordo com os seguintes critérios: 2% igualmente entre todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado, consideradas as siglas dos titulares.

O Código de Processo Civil de 2015, na redação do art. 833, inciso XI, assentou que “são impenhoráveis os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei”.

Tem-se da leitura da Lei 13.487, de 6 de outubro de 2017:

Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:

I – ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros definidos em lei;

II – a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do § 3º do art. 12 da Lei nº 13.473, de 8 de agosto de 2017.

……

  • 2º O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o primeiro dia útil do mês de junho do ano do pleito.

3º Nos quinze dias subsequentes ao depósito, o Tribunal Superior Eleitoral:

I – divulgará o montante de recursos disponíveis no Fundo Eleitoral; e

…….

  • 7º Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do partido político somente após a definição de critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido, serão divulgados publicamente.

…..

  • 11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

……

  • 15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá ser reduzido mediante compensação decorrente do remanejamento, se existirem, de dotações em excesso destinadas ao Poder Legislativo.”

O novo Fundo Especial é constituído exclusivamente a partir de verbas destacadas do orçamento da União, tendo a mesma finalidade do denominado Fundo Partidário, cuja impenhorabilidade foi reconhecia pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.891.644/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 05/02/2021.

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal entendeu por inconstitucional a doação de empresas nas campanhas. A matéria é polêmica. A decisão do STF não proíbiu que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo poderia contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito.

O entendimento naquele julgamento foi de que “o poder econômico captura de maneira ilícita o poder político”.

Daí o auxílio financeiro aos partidos por intermédio de verbas públicas. Há sensatos entendimentos que ainda se opõem a tal ideia.

No regime democrático, o auxílio financeiro prestado pelo Estado aos partidos políticos justifica-se pelo fortalecimento do próprio regime democrático. O argumento central desse critério de distribuição é fortalecer os partidos políticos e garantir sua autonomia financeira, concedendo maior estabilidade aos governos. Inclusive, a imposição aos partidos de manter conta bancária exclusiva para movimentar recursos do Fundo Partidário pretende exatamente viabilizar controle da Justiça Eleitoral sobre a destinação de valores.

Os partidos políticos são entidades privadas constitucionalmente incumbidos de assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e organizados nos termos da lei, de estatutos e programas, com o objetivo de conquista do poder político e de defesa dos direitos fundamentais.

Nas palavras de Guilherme Pessoa Franco de Camargo, o financiamento público traria transparência e proporcionalidade ao processo democrático ao oferecer verbas aos partidos de forma mais igualitária; contribuindo para uma atuação ética e proba, desestimulando a deslealdade e infidelidade partidária. (O financiamento público exclusivo de campanha: uma chance de liberdade. Revista Eletrônica EJE/Tribunal Superior Eleitoral, ano 3, n. 5, ago./set. 2013)

Mas dir-se-á que os partidos políticos têm a natureza de pessoas jurídicas de direito privado conforme determinado pela Constituição de 1988. Mas esses recursos continuam a ter a natureza pública.

Na lição de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro.33ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pág. 520) tem-se:

“(…) mesmo que os bens públicos repassados às entidades privadas possuam destinação especial e administração particular, sua natureza continua sendo pública, pois são destinados à consecução de serviços do Estado ou atividades que o engrandecem. A origem e a natureza total ou predominante desses bens continuam públicas; sua destinação é de interesse público; apenas sua administração é confiada a uma entidade de personalidade privada, que os utilizará na forma da lei instituidora e do estatuto regedor da instituição. A destinação especial desses bens sujeita-os aos preceitos da lei que autorizou a transferência do patrimônio estatal ao paraestatal, a fim de atender aos objetivos visados pelo Poder Público criador da entidade”.

Daí porque tem-se a impenhorabilidade desses recursos.

Os recursos para o Fundo Eleitoral assim como para o Fundo Partidário são impenhoráveis. Sobre essa última fonte citada já se disse quanto ao tema:

“Os valores do Fundo Partidário são absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649, XI), não cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral proceder ao seu bloqueio como meio de garantir créditos de terceiros.”

(Petição nº 13467, Acórdão, Relator (a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 3, Data 18/04/2013)

Bem ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 65) os bens e os interesses públicos, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem os possui e os administra. “Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos.

Esse o norte tomado pelo STJ no tema aqui enfocado.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

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