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A Genealogia da Moral de Nietzsche e a Democracia

Por Gláucio Tavares Costa*

Em sua intrigante obra Genealogia da Moral de 1887, o filósofo alemão Friedrick Nietzsche a partir do exame da origem dos princípios morais da Antiguidade Clássica de Sócrates faz severas críticas à moral em voga na sociedade europeia do Século XIX. No estudo, Nietzsche distingue duas classes de moral: a do homem guerreiro e a do sacerdote. A casta dos guerreiros é marcada por uma moral centrada na vida terrena, enquanto que a outra no além-vida. Desta contraposição de valores, surge pois, no pensamento nietzscheziano, duas categorias: a moral dos senhores e a moral dos escravos.

A moral dos senhores é marcada preponderantemente pela vontade de luta, pela força e pela altivez. Nobre seria essa energia própria de encarar a vida e de autossuperação (eu som bom, eu sou belo, eu sou forte). Esta moral é própria dos conquistadores. A felicidade é intrínseca a estes indivíduos demasiadamente humanos que não precisam procurar ventura no além-vida.

Noutro vértice da escala moral, encontra-se a moral dos escravos. Esta espécie de moral é própria dos ressentidos, que não encontram conforto a não ser se comparando com as outras pessoas. A fraqueza, a rasteirice, a bajulação, a vilaneza e toda sorte de perversão os caracterizam. Coloca-se, nesse fosso, uma negação de valores sistematizada por uma vitimização. São os valores dos nobres que são maus (exercício do pensamento ressentido), e desta inversão de valores, e após negar a bondade no nobre, o colocará como mau, pois; “eu que sou inferior e fraco é que sou bom”, ele que é forte “é mau, pois me inferioriza”. 1

A par dessas sintéticas considerações e numa crença empírica de que a moral dos escravos encontra mais seguidores entre nossos pares, não só em nossa comunidade, mas em âmbito global, o que nos poderia reservar um governo escolhido pela maioria inclinada a moral pervertida?

A resposta a esta pergunta exige uma reflexão desafiadora, cujo caminho passa por considerações acerca da democracia, na medida em que neste regime de governo, tem-se o primado da ampla participação de todos e todas nas decisões políticas, pelo que, via de regra, é preciso agradar e ser agradável para se seduzir a maioria. Este é o abismo onde invariavelmente prospera a disposição para enganar e gerar, por outro lado, promessas não cumpridas, que, por sua vez, engendra desconfianças de parte a parte, numa espécie de círculo vicioso, mormente visualizado nas campanhas eleitorais.

No geral, o campo moral dissecado e qualificado por Nietzsche como sendo dos escravos, é estéril para quem pretenda semear o bom fruto, sendo mesmo insólito que alguém, de forma veraz, exerça a moral dos senhores.

É desse contexto que fluem os cotidianos casos de corrupção, frutos de um sistema que tem por base uma moral corroída pela inversão de valores. O medíocre é o padrão, mascarado, não raro, por uma mega hipocrisia. Assim, não é de se estranhar que um indivíduo com bons propósitos seja desprezado ou até mesmo ridicularizado, posto que é visto como uma ameaça a rasteirice moral dominante.

Nessa moralidade medonha, justifica-se o sucesso estrondoso das mentiras, hodiernamente nominada do estrangeirismo fake news, cuja demasiada difusão acaba por deteriorar a própria democracia, em face da moral rasteira subjacente ao sistema.

Referências:

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: uma polêmica. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

FERREIRA, Emerson Benedito. Genealogia da Moral: uma polêmica. http://jus.com.br/artigos/7083/elementos-da-teoria-do-estado-de-friedrich-nietzsche

*É mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico, graduado em Farmácia pela UFRN e cronista.

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