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Guerras e pandemias. Brasil, COVID-19 e guerra comercial sino-americana

Conflito EUA X China vive pior fase, segundo economistas — o que ...
Por Francisco Carlos Carvalho de Melo*

A pandemia de COVID-19 acontece no momento em que Estados Unidos da América e China travam uma guerra comercial pela hegemonia política e econômica mundial, o que permite afirmar que esses dois episódios definirão um momento histórico que influenciará fortemente a história da primeira metade do século XXI, quiçá, de todo ele. O futuro do Brasil depende das consequências das suas posições em relação à guerra comercial entre EUA e das suas escolhas em relação à pandemia de COVID-19, atualmente a maior preocupação da humanidade, que impõe sofrimento, perdas de vidas e sérias perturbações nas cadeias de produção.

A atual guerra sino-americana e a pandemia da COVID-19 foram precedidas por outros dois momentos históricos, caracterizados por guerras entre as principais nações do mundo, seguidos por pandemias e profundas transformações políticas, econômicas e sociais. Cerca de 100 anos separam as Guerras Napoleônicas e a primeira pandemia de cólera (1º e 2º décadas do século XIX), da Primeira Grande Guerra Mundial e a Gripe Espanhola (2º década do século XX) e esta da guerra sino-americana e a pandemia de COVID-19 (2º e 3º décadas do século XXI). São duzentos anos de histórica.

Enquanto as guerras dos dois primeiros momentos históricos foram de natureza bélica e redesenharam o mapa geopolítico nos séculos XIX e XX, respectivamente, a guerra deste terceiro momento é de natureza comercial, científica e tecnológica. Embora não seja tão perceptível como o estrondo dos canhões, certamente marcará profundamente o comércio no século XXI, com influências sobre a cultura, valores e modos de vida. Em qualquer guerra, independente da sua natureza, os mais prejudicados são as populações socialmente mais vulneráveis, devido às perdas humanas e escassez de insumos e serviços básicos.

A primeira pandemia de cólera, entre os anos de 1816 à 1826 ceifou a vida de centenas de milhares de vidas na Ásia e Europa, enquanto a Gripe Espanhola, entre 1918 e 1920 também alcançou as Américas e outras partes do mundo. A pandemia da COVID-19 (2020), por sua vez, mesmo que não seja letal para cerca de 50 milhões de pessoas, como a Gripe Espanhola, poderá ser letal para centenas de milhares ou até de milhões de pessoas, atingindo todos os países do mundo, em questão de meses. Certamente, com as perdas humanas e profundos impactos sobre governos e setores produtivos, tudo transmitido e discutido em tempo real pela internet ou canais de televisão, podemos afirmar: o mundo não será o mesmo depois da COVID-19.

A luta contra a pandemia da COVID-19 acontece no momento em que as duas maiores potências econômicas deste início de século estão se digladiando na arena global. A pandemia impôs uma trégua não declarada, logo as duas potencias retornarão às batalhas no campo comercial, tecnológico e científico, influenciados pelos sistemas políticos e ideológicos. Guerra continuara nessas espaços, afinal, o confronto bélico ficou inviável, as armas estão potentes demais.

Capacidade tecnológica, produtividade, competitividade, competência na comunicação e sucesso na influência cultural, são as armas usadas para assegurar o domínio dos mercados. Ao mesmo tempo, os interesses econômicos envolvidos na guerra sino-americana, afetam a capacidade de reação dos países dos países à pandemia de CONVID-19. Países poderão fazer opções erradas em termos de declarações e ações efetivas para o controle da pandemia, submissos ou influenciados pelos interesses dos EUA e da CHINA. Os reflexos no campo econômico virão na sequencia do controle da pandemia.

Durante os últimos setenta anos, os EUA, frequentemente acusados de imperialismo, usaram seu aparelho militar, econômico, científico e cultural a favor dos seus interesses. É razoável imaginar que a segunda maior economia do mundo, com trilhões de dólares para investir, embora não parecendo disposta a provocar confrontos militares, tentará usar as táticas comuns entre os americanos: expansão do comércio bilateral, instalação ou aquisição de empresas locais, empréstimos e financiamentos, como ponta de lança para os instrumentos de influência política e ideológica (televisão, cinema, música, moda etc) e até apoiar partidos políticos e financiar candidaturas. Se os americanos o fazem, porque não imaginarmos que a China pode e quer fazer o mesmo? Essa guerra é um jogo de dominação e hegemonia. Como em todas as guerras, não há inocentes.

O Brasil, muito mais imbricado com a economia, cultura, valores e estilo de vida dos americanos, encontra na China o seu principal parceiro comercial. Compartilhamos os mesmos valores e estilo de vida, pautado pela democracia e liberdade de expressão característica dos EUA. Contudo, devemos ter a certeza de que o comercio, compartilhamento de tecnologias e financiamento chinês é necessário e indispensável para o desenvolvimento brasileiro.

O Brasil está comprimido entre os interesses dessas duas superpotências. Certamente será, ou já está sendo, pressionado pelos dois titãs econômicos, que desejam manter e ampliar sua esfera de influência, assegurando mercado para seus produtos. O principal e mais notável deles parece ser a tecnologia 5G. Os chineses saíram na frente com a Huawei e os americanos correm atrás para não perder o estratégico espaço tecnológico. Quem oferecerá mais vantagens, até que o Brasil defina qual tecnologia adotará? Além das tecnologias de armazenamento e transmissão de dados, há uma infinidade de produtos e serviços que os chineses rapidamente aprenderam a fazer e querem, naturalmente, que os brasileiros consumam.

Embora admitindo forte imbricação com os americanos, também devemos ser francos: essa relação sempre foi mais benéfica para os gringos. Os americanos precisam oferecer mais vantagens ao Brasil, pois somos um país com mais de 210 milhões de consumidores, com gigantesco potencial de recursos naturais e altíssimo produtividade agropecuária. Precisamos de acesso, compartilhamento e capacidade de desenvolver novas tecnologias. entre EUA e China, devemos priorizar a parceria que for mais benéfica aos mais altos interesses nacionais, de curto e longo prazo. Priorizar uma, no entanto, não deve significar abrir mão das relações com a outra.

Embora não seja fácil escolher sem fragilizar nossas relações com uma das superpotências, é necessário traçar estratégias e negociar. Para isso, precisamos de mentes técnicas e políticas altamente qualificadas, cientes da guerra por hegemonia que está em curso e comprometidas com os interesses do povo brasileiro. Não se trata de simples nacionalismo, é parte necessária da estratégia de desenvolvimento.

Para que qualificadas mentes técnicas e políticas possam atuar, é preciso que fique claro: o brasileiro não suporta mais lideranças carismáticas, pessoalmente incapazes e seus liderados doutrinados, mais propensos a seguir cartilhas e dogmas dos seus lideres, do que capazes refletir de uma forma organizada. Não suporta a corrupção, desperdício e incompetência técnica. Não aceita o baixo desempenho do sistema educacional, da ciência e tecnologia. Não aguenta o custo do processo eleitoral, das casas legislativas, do judiciário e da maioria dos órgãos que compõem a burocracia pública e quer mais e melhores serviços públicos. Percebe-se, então, que, apesar da guerra sino-americana e da COVID-19, nossos principais adversários falam português, gostam de samba e futebol, nenhum deles é americano ou chinês.

*É professor do Departamento de Economia da UERN e vereador pelo partido Progressista, em Mossoró/RN.