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Uma necessária providência no âmbito eleitoral

Por Rogério Tadeu Romano*

Disse bem Nicolau da Rocha Cavalcanti (Razões para barrar a candidatura de Bolsonaro), em artigo para o Estadão, em 20 de julho do corrente ano, o que segue:

“Em outubro do ano passado, o TSE cassou o mandato do deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Destito Francischini, por divulgar desinformação contra o sistema eletrônico de votação. A decisão condenou o deputado por uso indevido dos meios de comunicação e por abuso de poder político e de autoridade, tornando-o inelegível.”

A decisão condenou o deputado por uso indevido dos meios de comunicação e por abuso de poder político e de autoridade, tornando-o inelegível em face do uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político, ao afirmar em uma live que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Bolsonaro. Como agravante, a mentira, claramente voltada a tumultuar o processo eleitoral e manipular o eleitorado, foi dita no dia do 1.º turno das eleições de 2018.

O boato propagado pelo parlamentar surgiu depois que começaram a circular na internet dois vídeos que tentam mostrar suposta dificuldade em votar em Bolsonaro, quando o eleitor chega à urna e tenta, de imediato, apertar as teclas do número 17. Ocorre que os vídeos evidenciaram erro do eleitor e foram prontamente esclarecidos pela Justiça Eleitoral, sendo desmentido também o rumor sobre a suposta apreensão de urnas, que nunca ocorreu. Quando a urna eletrônica apresentou a tela para votar no cargo de governador, o eleitor apertou as teclas 1 e 7 para votar para presidente. É visível nos vídeos a palavra GOVERNADOR, na parte superior da tela da urna eletrônica. O Tribunal Regional Eleitoral paranaense (TRE-PR) julgou improcedente a ação movida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que recorreu ao TSE e reverteu o resultado.

Houve abuso do cargo público para difundir, em benefício próprio, desinformação contra as urnas eletrônicas.

Naquele julgamento, a Justiça Eleitoral reconheceu que o uso das redes sociais para difundir desinformação contra o sistema eleitoral constitui “abuso de meio de comunicação”.

Aplicou-se, naquela oportunidade, o artigo 22 da Lei Complementar 64/90.

Lembro o caput daquele artigo de Lei:

“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997).”

O presidente da República está no mesmo caso. Ele usou a comunicação social de um canal de televisão pública, um prédio público, para fazer uma declaração “eleitoreira”, sem provas, de que o sistema de voto eletrônico no Brasil não e confiável.

Como noticiou o jornal O Globo, em 19 de julho, o presidente Jair Bolsonaro usou a reunião com embaixadores na tarde daquele dia, sem provas, repita-se, para fazer ataques às urnas eletrônicas e colocar em dúvida o processo eleitoral brasileiro para representantes diplomáticos.

Ali foi dito:

“Em seu discurso, Bolsonaro voltou a fazer acusações infundadas sobre a segurança e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. O presidente também criticou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

— Quando se fala em eleições, vem à nossa cabeça transparência. E o senhor Barroso (Luís Roberto Barroso, ex-presidente do TSE) , também como senhor Edson Fachin (presidente do TSE), começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe. É exatamente o contrário o que está acontecendo — afirmou Bolsonaro.

— Não é o TSE que conta os votos, é uma empresa terceirizada. Acho que nem precisava continuar essa explanação aqui. Nós queremos obviamente, estamos lutando para apresentar uma saída para isso tudo. Nós queremos confiança e transparência no sistema eleitoral brasileiro — disse o presidente.

Bolsonaro decidiu se encontrar com embaixadores depois que o ministro Edson Fachin fez uma reunião com algumas representações e, segundo o presidente, ter atacado à presidência da República de forma indireta. Ele chegou a chamar a iniciativa do ministro de “estupro à democracia”.

— Aqui uma reunião do ministro Fachin com alguns dos senhores ou representantes alertando-os contra acusações levianas. O que eu estou falando aqui não tem nada de leviano.”

São mentiras contra o processo eleitoral.

Mas há, por outro lado, a chamada PEC que trouxe uma série de benesses, em afronta a regras fiscais e ainda a ditames normativos quanto ao Direito Eleitoral.

De acordo com José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 2017) [é] intuitivo que a máquina administrativa não possa ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação estatal, além de desequilibrar o pleito – ferindo de morte a isonomia que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas ou classes sociais.

Trata-se de abuso do poder econômico e político de candidatura, conduta vedada pela Lei Complementar 64/90 e ainda pela Lei das Eleições que proíbe, à luz do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei Eleitoral tal conduta, que é vedada no pleito. Ele diz que não pode haver “instituição” de novos gastos no período anterior às eleições.

O Tribunal Superior Eleitoral já assentou que (i) “o abuso de poder político é “condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República” (TSE – ARO no 718/DF – DJ 17-6-2005); (ii) “Caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato” (TSE – REspe no 25.074/RS – DJ 28-10-2005).

Isso se comprovaria independente de dolo ou culpa da parte do agente público.

[…] A aferição do abuso do poder econômico, político ou do uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos. […]” (Ac. de 7.2.2017 no RO nº 138069, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)

É conduta vedada ao agente público aquela tendente a afetar a igualdade entre os candidatos durante as eleições: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006).”

Isso leva ainda ao cancelamento do registro do candidato.

O chamado aditivo no benefício que substituiu e rebatizou o Bolsa Família vem a pouco mais de 100 dias das eleições. Trata-se de clara burla à vedação da lei eleitoral que impede novos gastos a menos de seis meses do pleito.

Dir-se-ia que tal seria permitido por uma futura emenda constitucional que assim permitiria esse novo gasto.

Dita ademais o artigo 237 do Código Eleitoral:

“Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público. Inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.

2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.

3º O Corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes fôr aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.”

Caso isso seja concretizado estar-se-ia diante de um abuso de poder econômico.

Como disse Pinto Ferreira (Código Eleitoral Comentado, terceira edição, 1991, pág. 233) “quando disse que “a interferência do poder econômico e o desvio u abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto serão coibidos e punidos.”

Bem ensinou Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pág. 525) que “o abuso de poder econômico e político são hipóteses causadores de inelegibilidade, e, como tais previstas na Lei Complementar 64/90. Destarte, se ocorrerem antes do registro, e não forem suscitadas quando da AIRC, precluirá a faculdade de vergastá-las por meio de AIJE, eis que não são causa de inelegibilidades decorrentes de preceito constitucional.”

A Lei das Eleições proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior como se disse.

Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato.

Por outro lado, abuso de poder político pode ser visto como atuação ímproba do administrador, com a finalidade de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando a disputa. Adriano Soares da Costa(Instituições de direito eleitoral, 5ª edição, pág. 530) já entendeu que “ a AIJE apenas pode ser proposta após o pedido de registro de candidatura e antes da diplomação dos eleitos”.

A ação(AIJE) pode ser exercitada depois do dia da eleição.

Lembro que os arts. 1º, II e parágrafo único, e 14, § 9º, da CF/88, além dos arts. 19 e 22 da LC 64/90 revelam como bens jurídicos tutelados a paridade de armas e a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições. Não há margem para dúvida de que constitui ato abusivo, a atrair as sanções cabíveis, a promoção de ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à própria democracia, incutindo-se nos eleitores a falsa ideia de fraude em contexto no qual candidato sobrevenha como beneficiário dessa prática.

Trata-se de uma conduta que não pode ser tolerada, independentemente de quem a pratique, pois atenta contra o Poder Judiciário Eleitoral, colocando em risco a independência e a harmonia dos Poderes da República Federativa do Brasil e o próprio Estado Democrático de Direito. Aí cabe a intervenção do Judiciário na tutela da Constituição e do regime democrático de direito.

Por outro lado, fala-se em inelegibilidade por parte do atual presidente da República para o pleito de 2022.

Segundo informa José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 334) as inelegibilidades têm um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado (E.Constitucional nº 1 à Constituição de 1967).

Ainda a Lei Complementar nº 64/90, conhecida como Lei das Inelegibilidades, com a redação alterada pela Lei da Ficha Limpa diz que são inelegíveis aqueles arrolados como tal no artigo 1º daquela importante norma eleitoral.

Um caminho para discutir em juízo essas condutas, uma vez que há, por conta do atual presidente, uma clara conduta de abuso de poder político e eleitoral, será o ajuizamento de ação pertinente perante o Tribunal Superior Eleitoral, por parte dos legitimados nominados no artigo 22 da LC 64/90, apresentando-se provas para tanto.

Esse remédio processual do Direito Eleitoral pode ser aplicado independentemente de qualquer medida envolvendo processo de impeachment ou investigação criminal contra o presidente da República no Supremo Tribunal Federal por parte da procuradoria-geral da República.

Aguardemos o desenrolar dos fatos.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

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