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Texto do Blog do Barreto é objeto de análise em livro de pesquisadora de nível internacional

O Blog do Barreto teve um texto analisado pela pesquisadora Mércia Regina S. Flannery no livro “Nós versus eles — discurso discriminatório, preconceito e linguagem agressiva na comunicação digital no Brasil”.

A obra a aborda a linguagem sobre os estereótipos que marcam o debate público na política brasileira nos últimos anos.

Ela analisa o texto “O Bolsominion” (ver AQUI) que integrou uma série de crônicas que escrevi em 2018 sobre os tipos da Internet. No texto destaco a postura intolerante dos bolsonaristas em relaçã à esquerda.

O Blog aparece no capítulo 9 cujo título é “Coxinhas, Esequerdopatas e Bolsominions: a intolerância no discurdo político no Brasil” no item 9.3 intitulado “O quadro aumenta: bolsominions e esquerdopatas”.

No texto ela trata sobre a linguagem de insulto do bolsonarismo contra mulheres, negros e comunidade LGBTQ (ainda sem o IA+). Ela cita a conceituação filológica que o Blog faz do termo “bolsominion” e em seguida comenta:

Em linha com a tendência a empregar uma linguagem e termos que aproximam a cultura popular das discussões políticas, o emprego do termo “bolsominion” pelos partidários e simpatizantes da esquerda brasileira salienta, como característica representativa dos eleitores da direita, a indiferença aos fatos, em uma adesão cega ao seu candidato, tal como os personagens do desenho animado (Minions), em indiscriminada obediência ao seu líder (Gru). O termo aparece com frequência nas discussões online, em redes sociais e em comentários em fóruns de notícias, marcando as diferenças entre esquerda e direita na troca de insultos prevalente nessa modalidade discursiva.

Em outro recorte Flannery aborda o trecho em que explicamos a estratégia usada pelos apoiadores de Jair Bolsonaro para neutralizar a esquerda em pautas indenitárias.

Empregando uma série de paralelismos, Barreto prossegue com a identificação dos chamados “bolsominions”, indicando, por exemplo, que eles reduzem a importância das reivindicações da esquerda (“para o Bolsominion tudo é ‘mimimi’”).

O termo “mimimi” (uma onomatopeia para representar o choro infantil) também tem sido amplamente usado nas discussões online para denotar falta de substância nas reclamações dos partidários da esquerda, ou uma excessiva atenção a um tema ou episódio específico. Ao serem etiquetadas como “mimimi”, destaca-se que as questões defendidas pelos esquerdistas seriam baseadas em interpretações negativas de fatos corriqueiros, motivadas por orientações políticas e ideológicas que, de outro modo, não mereceriam a importância e atenção recebidas. Com esse comentário, o autor do blog analisa o que identifica como a estratégia mais recorrente dos partidários da direita, que seria tentar enfraquecer os argumentos dos oponentes pela caracterização deles como falsos e desprovidos de mérito. Na sequência, o autor comenta a postura desse grupo em relação ao feminismo (“Feminismo é coisa de mulher feia”), indicando que é superficial, desprovida de justificativas razoáveis, e intolerante. De fato, a definição do feminismo para os “bolsominions”, de acordo com o autor do blog, constitui um ataque às mulheres, já que se trata de um insulto, pois apenas mulheres não atraentes seriam adeptas a esse movimento.

Ela ainda aborda outros temas (que você poderá conferir na íntegra abaixo) e conclui que o texto mostra a forma como o outro é vilificado. Na sequência ela traz um relato que confirma a conceituação feita pelo Blog em uma  trocas de insultos ocorrida no fórum de notícias da Rádio Jovem Pan (seguindo o artigo Bolsonaro fala em “ordem e hierarquia” durante inauguração do 3o colégio da PM do Rio de Janeiro).

O livro tem 13 capitulos distribuídos em 304 páginas e pode ser adquirido tanto em versão on line como física nos sites de vendas de livros.

Quem é?

A pesquisadora Mércia Regina S. Flannery é licenciada em Letras, mestre e doutora em Linguística, com especialização em Sociolinguística e Análise da Narrativa Oral. É diretora do Programa de Língua Portuguesa e Cultura Lusófona do Departamento de Estudos Hispânicos e Portugueses da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, Estados Unidos.

Nota do Blog: fiquei muito honrado em ter um texto meu analisado positivamente em uma obra desse nível. O texto que escrevi descreve a forma como o eleitor de Bolsonaro enxerga a esquerda e a autora trouxe fatos práticos que confirmam a nossa tese.

Leia o texto de Flannery na íntegra:

O quadro aumenta: bolsominions e esquerdopatas

                                                          

As eleições presidenciais no Brasil em 2018 foram marcadas por intensa polarização, supostamente em linha com as tendências que se verificavam em outras partes do mundo e da região. Depois das investigações de corrupção envolvendo vários líderes políticos importantes, inclusive o maior representante do Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o impedimento de Dilma Rousseff, a atmosfera política no Brasil encontrava-se ainda mais dividida. As discussões acerca do mérito do impedimento de Rousseff ou sobre a prisão de Lula ganharam cada vez mais atenção nos meses que precederam as eleições. Com a prisão de Lula, e sua inviabilidade como candidato, o Partido dos Trabalhadores escolheu Haddad como seu representante, enquanto o que se identificava como a extrema direita ganhou força e voz na figura de Jair Bolsonaro, então deputado, sem grandes referências políticas no que tange à implementação de leis e políticas públicas reconhecíveis no cenário brasileiro. A ascensão de Bolsonaro é explicada, em parte, como resultado do desgaste político que o Partido dos Trabalhadores sofreu, graças aos muitos escândalos de corrupção, inclusive a condenação de Lula à prisão, e ao contexto econômico e social do Brasil na época. Depois de um período de ascensão e mobilidade, motivados por uma fase de intenso desenvolvimento econômico no início dos anos 2000, o Brasil passa a enfrentar uma forte recessão econômica. O poder de compra da classe C cai, e o desemprego aumenta. Acresce-se a isso o aumento da violência, tendo o Rio de Janeiro, por exemplo, atravessado um período de intensificação de assassinatos e uma crise na segurança pública, de modo mais amplo. Bolsonaro se populariza com uma retórica, que à guisa do que aconteceu com Donald Trump, nos Estados Unidos, apelava a um discurso agressivo, e à condenação cabal e explícita de posições associadas à esquerda, atitudes politicamente incorretas. Como candidato, ele assume extremos, quer fazendo com as mãos a representação de uma arma — o que se transformou em uma espécie de signo identificador de seus apoiadores, que defendiam a facilitação do acesso ao porte de armas —, quer empregando linguagem que insultava mulheres, negros e membros da comunidade LGBTQ. Com Bolsonaro, a tendência para campanhas políticas ao modelo reality TV é levada a expoente máximo. Conforme a discussão de Marcelo Alves dos Santos Júnior (2017: 126), a conexão entre eleitores e políticos é semelhante à de fãs, havendo um alto grau de envolvimento afetivo por essas figuras, manifestando-se por meio de um engajamento coletivo intenso. No plano ideológico, as chamadas “guerras culturais” também eram travadas com cada vez mais intensidade. Se durante o governo progressista do PT as agendas das minorias recebiam mais atenção, com a deterioração da situação econômica e as mudanças políticas proporcionadas pela troca de governo quando do impedimento de Rousseff, todos os modelos de fazer política associados a esse governo passaram a ser vistos com suspeita. O PT passava de partido promotor dos ideais das minorias desprivilegiadas a agente da corrupção institucionalizada. Como a discussão nas seções precedentes já mostrava, as divisões entre esquerda e direita intensificaram-se e a polarização foi expressa por meio do uso de rótulos. Desprovidos de qualquer profundidade de conteúdo, os rótulos simplesmente evocavam as posições atribuídas aos respectivos rivais políticos. Apesar de ter havido 11 candidatos a presidente no Brasil em 2018, as discussões políticas eram expressas como um embate entre o PT e a oposição. Outros rótulos, expressivos de novos personagens e de novas posturas políticas, surgiram, tais como “bolsominions” e “esquerdopata” (que, apesar de não ser menos recente, cresceu em ocorrência, superando a utilização do “petralha” das discussões de 2014 e 2016), para se referir, respectivamente, aos eleitores de Jair Bolsonaro e do PT. Os próximos exemplos, extraídos também do Blog do Barreto, exemplificam o uso das demais etiquetas identificadoras dos membros da direita e da esquerda, empregadas como insultos, durante e após as eleições presidenciais de 2018. Tratar-se-á, primeiro, do termo “bolsominion”, amplamente empregado pelos partidários da esquerda para designar os eleitores e apoiadores de Jair Bolsonaro. No Blog do Barreto, há a seguinte explicação filológica sobre o termo “bolsominion”: Ex. 12: Os Minions são personagens do Desenho Meu Malvado Favorito. O termo Bolsominion é a junção dos Minions com o sobrenome do malvado favorito deles, o pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL/RJ). Em linha com a tendência a empregar uma linguagem e termos que aproximam a cultura popular das discussões políticas, o emprego do termo “bolsominion” pelos partidários e simpatizantes da esquerda brasileira salienta, como característica representativa dos eleitores da direita, a indiferença aos fatos, em uma adesão cega ao seu candidato, tal como os personagens do desenho animado (Minions), em indiscriminada obediência ao seu líder (Gru). O termo aparece com frequência nas discussões online, em redes sociais e em comentários em fóruns de notícias, marcando as diferenças entre esquerda e direita na troca de insultos prevalente nessa modalidade discursiva. De acordo com ao autor do blog, os chamados “bolsominions” podem ser identificados por tendências ideológicas específicas, conforme a seleção de excertos abaixo ilustra. No próximo exemplo, Barreto continua a caracterização dos eleitores de Bolsonaro, indicando algumas das suas posturas acerca de questões defendidas pela esquerda. Ex. 13: Aliás, para o Bolsominion tudo é “mimimi”. Feminismo é coisa de mulher feia, “mal-comida”. Lutar por justiça social é coisa de “vagabundo”. A causa dos negros é “vitimismo”. O LGBTQ+ que reclamar também é “vitimista” com um agravante: será acusado de querer impor a própria orientação sexual fazendo do Brasil uma “ditadura Gay”. Empregando uma série de paralelismos, Barreto prossegue com a identificação dos chamados “bolsominions”, indicando, por exemplo, que eles reduzem a importância das reivindicações da esquerda (“para o Bolsominion tudo é ‘mimimi’”). O termo “mimimi” (uma onomatopeia para representar o choro infantil) também tem sido amplamente usado nas discussões online para denotar falta de substância nas reclamações dos partidários da esquerda, ou uma excessiva atenção a um tema ou episódio específico. Ao serem etiquetadas como “mimimi”, destaca-se que as questões defendidas pelos esquerdistas seriam baseadas em interpretações negativas de fatos corriqueiros, motivadas por orientações políticas e ideológicas que, de outro modo, não mereceriam a importância e atenção recebidas. Com esse comentário, o autor do blog analisa o que identifica como a estratégia mais recorrente dos partidários da direita, que seria tentar enfraquecer os argumentos dos oponentes pela caracterização deles como falsos e desprovidos de mérito. Na sequência, o autor comenta a postura desse grupo em relação ao feminismo (“Feminismo é coisa de mulher feia”), indicando que é superficial, desprovida de justificativas razoáveis, e intolerante. De fato, a definição do feminismo para os “bolsominions”, de acordo com o autor do blog, constitui um ataque às mulheres, já que se trata de um insulto, pois apenas mulheres não atraentes seriam adeptas a esse movimento. Ao tratar dos supostos atributos dos chamados “bolsominions”, porém, o autor do blog parece empregar uma estratégia semelhante à que descreve, uma vez que usar uma frase-etiqueta, sem acrescentar qualquer informação contextual, serve como um insulto e contribui para universo de generalizações e estigmas criados em tais discussões. A sequência do comentário atribui mais uma característica aos “bolsominions”, desta vez identificando sua postura em relação a um dos projetos ou tendências da esquerda mais reconhecíveis, que é a “Lutar por justiça social” (“é coisa de vagabundo”). A seleção lexical nessa oração também auxilia na construção da definição negativa e discriminatória dos “bolsominions”, uma vez que eles generalizariam a busca por justiça social enquanto tendência (“coisa de”) indivíduos improdutivos. A sugestão talvez seja a de que, para os partidários da direita, a chamada busca por uma sociedade mais justa seria apenas um subterfúgio para se conseguir benesses do governo. A próxima frase-etiqueta definidora das posturas dos “bolsominions” no comentário diz respeito às questões relativas aos negros no Brasil, cujas reivindicações (“A causa dos negros”) seriam “vitimismo”. Essa posição destaca um caráter de intolerância e incompreensão atribuídos aos partidários da direita como mais uma forma de situá-los em uma posição negativa relativa à esquerda. O acúmulo de atributos negativos, assinalados aos partidários da direita nessa postagem, vão acentuando sua postura em um extremo no qual se encontrariam aqueles que se orientam por uma visão de mundo limitada, não razoável. Note-se que, para cada um dos grupos implicitamente citados até aqui (as mulheres, os que carecem de justiça social, populações pobres, os negros), a posição atribuída aos “bolsominions” é uma que não enxerga qualquer justificativa plausível para suas reivindicações. O comentário do bloguista acentua as diferenças entre os grupos, posicionando esquerda e direita em extremos. É interessante observar também que, enquanto os simpatizantes da esquerda são definidos por suas posições reconhecidamente meritórias de consideração (i.e., defesa da mulher, luta por justiça social, defesa dos direitos do negros), os da direita são referidos tanto pelo modo negativo em que figuram suas posições, como pela atribuição de utilização de insultos (“coisa de ‘mulher feia’”, “coisa de ‘vagabundos’”). Além disso, apesar de, como se viu na seção anterior, haver uma designação correspondente para os partidários da esquerda (“Petralhas”), apenas os simpatizantes da direita são aqui apontados por meio do apelido, “bolsominions”. A explicação apresentada no blog reforça o discurso sobre o outro, que, como visto nos exemplos anteriores, é vilificado e tem a si posições atribuídas que são em direta oposição às opiniões e orientações políticas direta ou indiretamente manifestadas pelo adversário. O emprego desses termos pode ser visto em embates travados assincronicamente, em diferentes plataformas e mídias sociais. Nos próximos excertos, observa-se a troca desses insultos em uma discussão em um fórum de notícias da Rádio Jovem Pan (seguindo o artigo Bolsonaro fala em “ordem e hierarquia” durante inauguração do 3o colégio da PM do Rio de Janeiro). O texto comenta o evento da inauguração de uma escola no qual o então presidente eleito fez um discurso, elogiando a instituição e sua orientação para a disciplina, que ele contrastou com o surgimento de novas ideologias, como a “de gênero”, e afirmou que haveria mais instituições do tipo. Na seção de comentários, os autores de posts fazem indagações sobre um possível escândalo envolvendo o presidente eleito e seu filho, incluindo o uso de recursos provenientes de doações suspeitas para a difusão de notícias falsas no Whatsapp, e, até então, uma investigação envolvendo o filho do presidente e o membro de uma das milícias no Rio de Janeiro. Um dos comentaristas reage a esses posts, com a seguinte mensagem: Ex. 14: TS: Esquerdopata fascista e analfabeto, esse discurso decorado dos petralhas para tentar encobrir as falcatruas de 16 anos roubando o Brasil, não convence ninguém, a não ser a manda de jumentos que segue o líder luladrão que está preso em Curitiba. Você, esquerdopata fascista, não quer saber de nada, quer apenas postar idiotices para mostrar que não gosta do novo governo e que defende uma quadrilha de bandidos. O choro é livre, babaca, chora mais, pode chorar muito mais. Esse post exemplifica o embate verbal característico das discussões políticas online, no qual a apresentação de uma posição contrária, ou qualquer questionamento de posturas, conduta e informação, conduz à troca de insultos e agressões verbais. Tais insultos, por sua vez, são reflexo das diferentes ideologias simplificadas em frases, etiquetas e apelidos construídos com base na percepção do outro grupo. No comentário de TS, o tom é agressivo desde a sua introdução, quando o autor do post dirige-se ao comentarista anterior, insultando-o (“Esquerdopata facista e analfabeto”). Os termos empregados por TS identificam o outro (ao qual são dirigidos) como inimigo político, uma vez que se trata de um “esquerdopata”, termo empregado pelos simpatizantes da direita (e especificamente de Jair Bolsonaro) para referir-se aos partidários da esquerda, eleitores do PT e defensores de Lula. O termo “esquerdopata” é uma combinação do radical da palavra “esquerda” e do prefixo grego “pato” (patologia), como a indicar uma tendência extrema, doentia, por parte dos partidários do PT. O autor acrescenta o termo “fascista”, reforçando o insulto, na medida em que associa os partidários da esquerda ao grupo extremista italiano de Mussolini. Essa combinação é, em si mesma, reveladora de uma outra tendência, associada à direita brasileira, que é a de afirmar que tanto o Nazismo como o Fascismo europeus foram tendências de esquerda. A tentativa de distorção dos fatos em favor da própria causa é digna de nota, pois histórica e academicamente as posições de intolerância estão associadas não à esquerda, mas à direita. Comparar a esquerda política brasileira aos movimentos extremistas europeus de finais da década de 1930, tal como TS faz no excerto em questão, visa ao objetivo de alterar a percepção sobre esses movimentos, alimentando a noção errônea de que são os partidários da esquerda os intolerantes. Esse ponto de vista é proposto sem qualquer problematização e apenas pela presunção de um valor limitado aos termos esquerda e direita, descontextualizados. Mesmo que o Nazismo e o Fascismo tivessem sido movimentos de esquerda, trata-se de partidos políticos de tendência e ideologia mais identificáveis com as novas manifestações de extremismo da direita, que enfatizavam e promoviam o nacionalismo exacerbado, às custas do bem-estar e até da vida de milhões de pessoas, incluindo minorias, e.g., judeus, ciganos, ou outros grupos considerados inferiores. De fato, foi entre os eleitores de partidos políticos atuais mais alinhados à direita e caracterizados por uma tendência de extremo nacionalismo, tanto nos Estados Unidos como na Europa, e até no Brasil, que houve manifestações próximas a ideologias nazistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, um resgate da simpatia por Hitler foi visto em manifestações públicas que incluíam, dentre outros reforços, a reconhecida saudação ao líder do partido alemão. Em Charlottesville, no estado da Virgínia, foi depois de uma marcha de simpatizantes do bem conhecido grupo extremista Ku Klux Klan, durante a qual era possível ouvir o canto “Os judeus não irão nos substituir”,5 que houve mais violência e confronto físico, posteriormente resultando na morte de uma pessoa, conforme matéria no jornal The New York Times, em 12 de agosto de 2017. São os simpatizantes dessas tendências também aqueles aos quais têm-se associado defensores de posições extremas em relação a outras minorias, incluindo negros e imigrantes. TS também acrescenta o termo “analfabeto” ao insulto no seu post, mais um indicativo de preconceito em relação aos membros da esquerda, associando-os a um baixo nível de instrução formal. Trata-se de um estereótipo associado à imagem do líder da esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele mesmo um indivíduo com poucos anos de educação formal. De fato, um dos insultos mais frequentemente endereçados ao ex-presidente relacionava-se aos erros gramaticais e aos desvios de registro (especificamente a utilização de linguagem excessivamente coloquial em situações que exigiriam uma expressão com maior nível de formalidade) que, frequentemente, eram marcas do seu discurso. Esses mesmos traços, curiosamente, eram parte do que tornava Lula tão acessível e atraente como candidato das massas, dada a facilidade com que sua mensagem poderia chegar a um tão largo grupo de eleitores, sobretudo àqueles nas camadas menos privilegiadas economicamente. Mais do que saber como atuar como um bom político popular, Lula era (ou é) um político cujas origens e narrativa de experiência pessoal alinhavam-se com as de muitos indivíduos nunca antes representados no universo político do Brasil. O ataque da direita, porém, visava a enfraquecer o apelo de Lula por salientar como fraqueza o seu relativo despreparo educacional. Na sequência, o autor do comentário endereça a reação do leitor anterior, atacando o mérito, ou a substância, da posição contrária ao governo eleito como mera oposição política (“esse discurso decorado dos petralhas”). Essa oposição, por sua vez, é interpretada por TS como uma estratégia para desviar a atenção da corrupção do PT (“para tentar encobrir as falcatruas de 16 anos roubando o Brasil”). A essência da defesa dos partidários da esquerda, de acordo com TS, porém, não teria qualquer credibilidade (“não convence ninguém”), senão dentre os eleitores do PT, que aqui são classificados com um insulto semelhante ao que é frequentemente empregado contra os eleitores do atual presidente, denotando adesão total e acrítica ao seu líder (“manada de jumentos que segue”). O insulto ao ex-presidente Lula também é exacerbado com a fusão do seu nome à palavra “ladrão” (“luladrão”), um recurso lúdico, mas que aqui tem a função de intensificar a caracterização do líder do PT como desonesto. A adição da informação de que o ex-presidente se encontrava preso (“que está preso em Curitiba”) também intensifica e reforça o caráter da sua suposta desonestidade, uma vez que nenhum outro dado sobre o contexto da prisão de Lula, em si um tópico controverso e gerador de polêmicas, é indicado. A sequência do comentário de TS, de modo direto, mais uma vez dirige-se ao autor do post anterior, retomando o insulto e agressão iniciais (“Você, esquerdopata fascista”), dessa vez enfraquecendo qualquer caráter de indagação ou dúvida propostos (“não quer saber de nada”), e afirmando que se trata apenas de oposição vazia (“quer apenas postar idiotices para mostrar que não gosta do novo governo”). Essa oposição infundada, na opinião de TS, é também causada pela preferência e defesa do PT, aqui referido com mais um insulto (“e que defende uma quadrilha de bandidos.”). TS, então, conclui o post com mais uma expressão de agressão e insulto, na qual expressa desprezo e falta de simpatia pela posição do antagonista (“O choro é livre, babaca”). A intensificação da posição de TS, de vitorioso, em face ao oponente derrotado é expressa pelo paralelismo das frases finais do post (“chora mais, pode chorar muito mais”), nas quais há também a implicação de que as condições não vão mudar, e consequentemente, manter-se-ão as respectivas situações de poder. Os exemplos analisados neste capítulo dão conta de uma pequena fração da manifestação de posições prejudiciais e agressivas no discurso político corrente no Brasil. O tema carece de uma consideração detida e detalhada, que talvez pudesse ser tema de um único livro, pois a cada dia surge uma riqueza de notícias, desenvolvimentos e fatos que impulsionam novas expressões de antagonismo no cenário político do país. O capítulo, porém, visava a dar conta das manifestações dessa linguagem agressiva, que apresenta traços de preconceito similares a outros tipos, analisados em outras seções. O objetivo era também descrever os mecanismos pelos quais as posições políticas ganham expressão online, esboçando uma riqueza de recursos, salientando a criatividade, o caráter lúdico, mas também intensa e expressamente antagônico, com que se tem travado o debate atual no Brasil.

Fonte: Flannery, Mércia Regina Santana. Nós versus eles . Cepe editora. Edição do Kindle.