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Não há democracia na Venezuela

Por Rogério Tadeu Romano

Em depoimento infeliz o atual presidente da República, eleito por uma frente ampla democrática nas eleições de 2022, disse que considera a Venezuela “uma democracia relativa”.

Bem lembrou o jornal O Globo, em editorial, no dia 4.7.23:

“Nem um dia depois da declaração estapafúrdia de Lula, a ex-deputada venezuelana María Corina Machado, principal nome da oposição ao chavismo, foi inabilitada politicamente. Com mais de 50% das intenções de voto nas primárias, ficou inelegível por 15 anos sem ter feito nada que justificasse a punição. A Controladoria de Justiça, aparelhada pelo governo, tem se incumbido de abrir caminho à “democracia” de Maduro determinando a cassação de uma extensa lista de opositores, que inclui, além dela, Henrique Capriles e o ex-deputado Juan Guaidó.”

Destaca-se de reportagem do jornal O Globo, em 29.5.23 a seguinte opinião:

–  Separação de poderes, liberdade de expressão e de participação e liberdade civil não fazem parte do discurso nem da prática. A perspectiva é de controle social e político do poder. O discurso é de “democracia participativa”, mas na prática se exerce um controle vertical — diz Francine Jácome.

— O regime autoritário e personalista, com importante presença militar, aprofundou-se desde 2013 com Maduro, à medida que a crise econômica, social e política chegou a níveis de confronto interno importantes. Isso levou a um autoritarismo crescente, repressão e violação do Estado de Direito e dos direitos humanos — diz a especialista.

 Necessário pensar na amplitude do princípio da democracia e ainda nos meios de defendê-la.

O princípio da democracia destina-se, pois, a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, portanto, que somente podem pretender ter validade legítima leis juridicamente capazes de ter o assentimento de todos os parceiros de direito em um processo de normatização discursiva. O princípio da democracia contém, desta forma, o sentido performativo intersubjetivo necessário da prática da autodeterminação legítima dos membros do direito que se reconhecem como membros iguais e livres de uma associação intersubjetiva estabelecida livremente.

Na lição de Habermas, o princípio da democracia pressupõe preliminarmente e necessariamente a possibilidade da decisão racional de questões práticas a serem realizadas no discurso, da qual depende a legitimidade das leis.

Para Habermas, é equitativa a ação quando a sua máxima permite uma convivência entre a liberdade do arbítrio de cada um e a liberdade de todos conforme uma lei geral.

Na democracia há a permanente realidade dialógica. No totalitarismo rompe-se o diálogo, aniquilam-se as liberdades. Desconhecem-se direitos.

A Venezuela vive sob um regime ditatorial. Há, por lá, uma verdadeira autocracia

Duas semanas depois da visita da alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, a Caracas, um informe contundente assinado por ela e publicado ontem acusa o governo de Nicolás Maduro de “tentar neutralizar, reprimir e criminalizara oposição política e quem critica o governo”. O “aumento surpreendente” de execuções extrajudiciais supostamente cometidas pelas forças de segurança, a gradual militarização das instituições do Estado e as detenções arbitrárias de opositores são algumas das denúncias mais importantes do relatório, que foi festejado por ativistas de direitos humanos e rejeitado pelo governo.

O documento, produzido com base em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas de violações de direitos humanos e da crise econômica do país, afirma que muitos desses casos parecem ser execuções extrajudiciais.

Representantes da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas que estiveram em Caracas foram impedidos de verificar as condições dos presos políticos da cleptocracia venezuelana.

Sara Nuero Escobar e Carlos de La Torre, integrantes da equipe da comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, não conseguiram cumprir o roteiro de visitas aos porões do regime ditatorial liderado por Nicolás Maduro. Principalmente, as celas da Direção Geral de Contrainteligência Militar, onde permanecem mais de 160 militares considerados dissidentes — parte dos 630 presos políticos identificados por organizações humanitárias.

Consoante se noticiou, no dia 28 de junho de 2019, um dos militares aprisionados no porão da Contrainteligência Militar foi conduzido a um tribunal. O capitão de corveta Rafael Acosta Arévalo chegou em cadeira de rodas, incapaz de falar e com aparentes sinais de tortura. Ele havia sido sequestrado uma semana antes, sob acusação de “conspiração” contra Maduro. Incomunicável, chegou a ser dado como desaparecido por familiares.

Ao ver o capitão agonizante na cadeira de rodas, o juiz não teve alternativa: de imediato, mandou interná-lo. Horas depois, na madrugada de sábado, Arévalo morreu. “Apesar das várias solicitações, nem a família e nem o advogado tiveram acesso ao corpo”, confirmou a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. O chefe desse serviço secreto militar é o general Iván Hernández Dala, conhecido pelas relações íntimas com o ditador Maduro.

Como explicitou o jornal O Globo, em editorial, no dia 4 de julho de 2019, a morte do capitão torturado num dos porões militares de Caracas confirma a fragilização da liderança do ministro do Exército, Vladimir Padrino, até há pouco principal avalista de Maduro no poder.

Informou-se que, com 165.000 homens, 25.000 na reserva e outros milhares da chamada Milícia Popular, a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) está, atualmente, no comando de ministérios-chave, como o da Fazenda, o de Alimentação e Terras, o de Pesca e Aquicultura, Energia Elétrica e Moradia, entre outros.

Em fevereiro de 2017, Maduro, que governa o país de forma ditatorial com apoio das Forças Armadas, criou uma companhia militar de mineração, petróleo e gás, que se somou à lista de empresas controladas pela FANB, como um canal de televisão, um banco, uma montadora e uma construtora.

Mas há os interesses norte-americanos na região que são de grande monta. Os militares hoje se constituem na Venezuela em verdadeiros capitães de indústria, tendo altas participações financeiras na empresa de petróleo, em empresa de comunicação do governo. Esse é o preço que os militares têm para manter Maduro no poder e o sistema chavista já falido.

Consoante ainda divulgou a Folha, as forças de segurança da Venezuela estão usando esquadrões da morte para assassinar opositores, além de falsificarem situações que deem a entender que vítimas resistiram à prisão, disse a ONU em relatório divulgado nesta em 2019 pela chefe do Alto Comissariado para Direitos Humanos, Michelle Bachelet.

As mortes atribuídas a pessoas que resistiram à prisão totalizaram 5.287 em 2018 e 1.569 até 19 de maio de 2019, segundo dados do governo —mas 7.523 em 2018 e 2.124 até maio daquele ano, segundo ONG local.

Prossegue a ditadura na Venezuela em mais um triste capítulo de violência do poder governamental sobre o povo.

A matança nas ruas e os casos de tortura de civis e militares presos têm sido catalogados pela ONU e Organização dos Estados Americanos (OEA). Uma denúncia formal foi apresentada em Haia pelas chancelarias de Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Canadá, como ainda alinhou o Globo, no citado editorial de 13 de fevereiro de 2019.

Será necessário diante dessa situação calamitosa que se convoque o Tribunal Penal Internacional de Haia para investigar toda essa selvageria contra a população e a oposição que se formou.

Há crimes contra a humanidade que precisam ser objeto de apuração na órbita internacional. Há crimes de homicídios, perseguições, tortura etc que precisam ser desvendados, trazendo a nu a ditadura que se implantou na Venezuela.

São crimes contra a humanidade: o assassinato, o extermínio, a escravidão, a deportação e qualquer outro ato desumano contra a população civil, ou a perseguição por motivos religiosos, raciais ou políticos, quando esses atos ou perseguições ocorram em conexão com qualquer crime contra a paz ou em qualquer crime de guerra (cf. Parecer técnico firmado pelo Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade , coordenação de Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 372).

O Estatuto de Roma (que criou o TPI) admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos (assassinato, extermínio etc.), cometidos como parte de um ataque (conflito armado), generalizado ou sistemático contra uma população civil, com conhecimento do agente. Para além das quatro notas acima referidas (atos desumanos, contra a população civil, atos generalizados ou sistemáticos, durante conflito armado) o Estatuto de Roma agregou uma quinta nota: necessidade de conhecimento do agente (de todas as características anteriores).

Na lição de Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 841), a expressão “crimes contra a humanidade”, geralmente conota quaisquer atrocidades e violações de direitos humanos perpetrados no planeta em larga escala, para cuja punição é possível aplicar-se o princípio da jurisdição universal, como ainda dizia Ian Brownlie(Princípios de direito internacional, páginas 325 a 326).

Nos termos do artigo 7º, § 1º, da Convenção de Roma, entende-se por “crimes contra a humanidade”:

  1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
  2. a) Homicídio;
  3. b) Extermínio;
  4. c) Escravidão;
  5. d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
  6. e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
  7. f) Tortura;
  8. g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
  9. h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
  10. i) Desaparecimento forçado de pessoas;
  11. j) Crime de apartheid;
  12. k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
  13. Para efeitos do parágrafo 1o:
  14. a) Por “ataque contra uma população civil” entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
  15. b) O “extermínio” compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;
  16. c) Por “escravidão” entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;
  17. d) Por “deportação ou transferência à força de uma população” entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional;
  18. e) Por “tortura” entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;
  19. f) Por “gravidez à força” entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;
  20. g) Por “perseguição” entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;
  21. h) Por “crime de apartheid” entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime;
  22. i) Por “desaparecimento forçado de pessoas” entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.
  23. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo “gênero” abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.

O ditador Maduro tem encontro marcado com o Tribunal Penal Internacional.

São crimes contra a humanidade: o assassinato, o extermínio, a escravidão, a deportação e qualquer outro ato desumano contra a população civil, ou a perseguição por motivos religiosos, raciais ou políticos, quando esses atos ou perseguições ocorram em conexão com qualquer crime contra a paz ou em qualquer crime de guerra (cf. Parecer técnico firmado pelo Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade , coordenação de Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 372).

O Estatuto de Roma (que criou o TPI) admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos (assassinato, extermínio etc.), cometidos como parte de um ataque (conflito armado), generalizado ou sistemático contra uma população civil, com conhecimento do agente. Para além das quatro notas acima referidas (atos desumanos, contra a população civil, atos generalizados ou sistemáticos, durante conflito armado) o Estatuto de Roma agregou uma quinta nota: necessidade de conhecimento do agente (de todas as características anteriores).

Na lição de Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 841), a expressão “crimes contra a humanidade”, geralmente conota quaisquer atrocidades e violações de direitos humanos perpetrados no planeta em larga escala, para cuja punição é possível aplicar-se o princípio da jurisdição universal, como ainda dizia Ian Brownlie (Princípios de direito internacional, páginas 325 a 326).

A origem histórica dos crimes contra a humanidade está intimamente ligada ao massacre provocado pelos turcos contra os armênios, na Primeira Guerra Mundial.

A matéria é tratada no artigo 7º, § 1º, da Convenção de Roma, que fala em “crimes contra a humanidade”:

Se o atual presidente da República quer ver como aliados próximos países de esquerda, autocráticos, como Cuba, Venezuela, Nicarágua, péssimos exemplos para o continente, está no caminho errado.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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