Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga e Rossana Guerra de Sousa*
O termo ‘pós-verdade’ tem registro originário de seu uso em um artigo na revista The Nation em 1992, e é definida pela Oxford Dictionaries como “um adjetivo relacionado ou evidenciado por circunstâncias em que fatos objetivos têm menos poder de influência na formação da opinião pública do que apelos por emoções ou crenças pessoais”.
O conceito ganha relevância com impacto exponencial em um mundo dito também “pós pós-moderno” – onde a opinião pública é formada, paradoxalmente, em uma era de big data, mais baseada em razões sensitivas e emocionais do que em informações exatas e argumento lógicos, sem a consistência da análise detida, impelida pela rapidez e poder de influência das plataformas digitais.
O conceito de disseminação ou formação de opinião a partir de fatos não reais ou manipulados em seus contextos não é novo. No entanto, a forma e impacto de tais ‘não verdades’ sobre a tomada de decisão dos agentes tem sido amplificada, com destaque, em todo o mundo, para seus efeitos no segmento governamental. O exercício da função de auditoria interna no âmbito da gestão pública não pode passar ao largo desses elementos em seu contexto operacional e precisa considerar os possíveis impactos destes fatores na construção da opinião pública a partir da comunicação dos resultados do seu trabalho.
A Estrutura Internacional de Práticas Profissionais (IPPF) publicada pelo The IIA – The Institute of Internal Auditors, cuida dos impactos interpretativos e valorativos na formação e divulgação dos resultados da auditoria, mesmo antes da explosão das plataformas digitais e pós-verdades, por meio do conceito de objetividade. Citado 21 vezes no IPPF, o reforço à objetividade do auditor é destacado nos Princípios Fundamentais, nos Princípios do Código de Ética, nas Normas, com destaque para a responsabilidade do executivo chefe da auditoria no cuidado e reforço da objetividade.
Para assegurar resultados que agreguem valor à gestão pública, a auditoria pública precisa ser vigilante desde a seleção de trabalhos, partindo de um Planejamento institucionalizado para os trabalhos que devem seguir uma análise de riscos com critérios racionais e não motivados por aspectos circunstanciais ou midiáticos. A execução do processo deve ser conduzida com seleção de testes realizadas a partir de uma efetiva análise dos riscos, para a obtenção de evidências robustas, fortemente lastreada em dados, contextualizadas e, por fim, os resultados e conclusões do trabalho avaliados com objetividade e comunicados com a utilização de uma redação concisa e clara, evitando termos abstratos ou subjetivos em sua formatação.
A fase de comunicação é crítica, de modo que é necessário que se restrinjam as oportunidades de produção de versões distorcidas da realidade apurada pela auditoria, evitando uma visão de hipervalorização das desconformidades, de vieses na forma de apresentação e divulgação das questões no relatório, para que não se subverta a finalidade primária daquela avaliação na produção de melhorias para a gestão.
Os trabalhos de auditoria, mormente na área governamental, não devem incendiar arroubos de tentações de autopromoção, sob o risco de o relatório de auditoria passar a valer pelo efeito de sua versão, pelo impacto no emocional das pessoas, pelo seu aspecto semiótico.
Uma dissociação da racionalidade na auditoria governamental pode afastar a técnica, a evidência, a visão global natural da Auditoria, enfraquecer o princípio da objetividade, sustentáculo da confiabilidade da profissão. A atenção à objetividade no segmento da Auditoria Pública, em uma era de pós-verdade, recortes descontextualizados, velocidade das plataformas digitais de comunicação, vaidades e opiniões emocionais e intuitivas, próprias da pós-modernidade, pode evitar que o relato de auditoria seja recebido com uma visão distorcida.
O exercício da Auditoria Pública não deve se reverter em um dínamo de produção de desconfiança social dos aparelhos estatais, já combalidos em sua credibilidade, com generalizações e impactos alarmistas, que alimentam o medo que aprisiona e a estupefação que congela. Ao contrário, deve ser uma via de melhoria por meio do fornecimento de diagnósticos situacionais objetivos e de apresentação de propostas racionais de aprimoramento da gestão.
*Marcos Vinícius de Azevedo Braga é auditor governamental, doutorando em políticas públicas (UFRJ) e atua na CGE/RJ.
*Rossana Guerra de Sousa é auditora governamental, doutora em ciências contábeis, conselheira do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil) e atua no Tribunal de Justiça da Paraíba e na Universidade Federal da PB.