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RN: o Estado da classe política sem assuntos relevantes a tratar

Uma classe político cujo noticiário gira em torno de eventos sociais não traz resultados

Há alguns anos sinto um profundo incômodo quando acesso algumas páginas na Internet cujo assunto mais relevante são os eventos sociais envolvendo os políticos. Pior: as assessorias de imprensa dessa turma alimentam isso em doses cavalares enchendo nossas caixas de e-mail com um monte de nada.

Até quando nossa classe política vai querer converter em notícia almoços em casas de prefeitos onde nada foi decidido ou se é não interessa divulgar, participações em procissões, batizados de meninos, velórios e festas profanas. Casamentos também são recorrentes.

Importa mais mandar recados para aliados e adversários por meio de fotos sem legendas do que dar declarações sobre assunto relevantes.

Isso não é assunto de interesse público e por consequência não deve ser fruto de exploração jornalística. No máximo uma notinha em colunas sociais ou fotos no “face” e “insta”.

Nem no Twitter isso faz sentido.

O máximo de interesse jornalístico (e público) que nossa classe política produz são escândalos que ela insiste em abafar por meio de intimidação sobre jornalistas e ameaças de cortes de verbas publicitárias feitas aos patrões.

Outro ponto, este mais simplório, que nossos representantes apresentam de relevante são os conchavos políticos de vésperas de eleições, mas isso só tem interesse público de fato em ano eleitoral. Antes disso, ganha contornos de fofoca frívola.

Por detrás disso tudo, está um interesse velado em deixar o que importa em segundo plano.

Então vejamos:

Você saberia dizer qual a bandeira de luta do senador José Agripino (DEM)? Saberia informar o que sai de relevante para o Estado através do mandato do senador Garibaldi Alves Filho (MDB)? A gente sabe que nossa outra senadora, Fátima Bezerra (PT), tem como bandeira a educação, mas não vemos ela tratar desse assunto com a mesma relevância que fala de Lula, Golpe e Temer?

E o nosso governador? Você certamente sabe que ele está em busca de um vice, que terá o apoio de Geraldo Melo (PSDB) e dos tucanos. Mas saberia dizer o que Robinson Faria pensa para solucionar os problemas do Estado?

O Rio Grande do Norte insiste num modelo econômico firmado nos anos 1970 por Cortez Pereira, no auge da ditadura militar. Este foi tão bom governador que ao final do mandato foi cassado pelos militares e ficou sem direitos políticos por dez anos.

Ninguém inovou e após 40 anos é inevitável que este modelo não se torne ultrapassado.

Neste século só vi o Rio Grande do Norte ter perdas. Perdemos indústrias, a Petrobras está de partida, nossos portos estão sucateados, as estradas são do “tempo do ronca”, não conquistamos a refinariam nem o badalado Hub da TAM.

Tudo culpa de uma crônica falta de infraestrutura.

Vivemos de um turismo confinado à reta tabajara, esmolas do Governo Federal e emendinhas para prefeitos de pires na mão.

O que ganhamos? Uma escalada incontrolável de violência e uma sensação interminável de pessimismo.

O pior disso tudo é saber que ninguém consegue encarnar a esperança na eleição que se avizinha e nossa classe política subestima (com certa dose de razão) o senso crítico do povo com alianças que são verdadeiras distopias políticas.

Não é por acaso que ninguém de nossa bancada de deputados federais pega um tema de interesse para si e transforma em causa. Ficam mudos e saem calados com a certeza de no ano eleitoral contornar o problemas com as estratégias de sempre: formar um “chapão” com poucos concorrentes, montar um exército de prefeitos e fazer dobradinhas com caciques regionais travestidos de deputados estaduais.

Esse modelo gera um comodismo e uma bancada tão filhotista quanto inoperante.

Então vejamos:

Rogério Marinho (PSDB) passa mais tempo falando mal do PT do que propondo algo. Quando decidiu fazer alguma de destaque foi ser relator da reforma trabalhista que lhe rendeu uma imagem negativa junto ao grosso da sociedade. E olhe que ele teve a atuação mais relevante no último quadriênio.

Zenaide Maia (PHS) se limitou alinhar-se com esquerda no combate as reformas de Michel Temer. Não foi além, mas somente por fazer o mínimo se tornou um nome competitivo para o Senado.

Fábio Faria (PSD) é mais conhecido pelas celebridades que namorou no passado (casou com a filha de Sílvio Santos) e chegou a ficar meses sem pôr os pés no Rio Grande do Norte. Felipe Maia (DEM) não consegue ser mais do que o filho de José Agripino. Walter Alves (MDB) é o menino de Garibaldi. Este até tem potencial, mas nem chegou perto ao desempenho dos tempos de Assembleia Legislativa. Rafael Motta (PSB) vai no mesmo sentido dos jovens citados. Beto Rosado (PP) assumiu as pautas do pai, Betinho, em defesa do agronegócio da venda dos campos maduros de petróleo. Mas acabou aparecendo muito mais por assumir causas impopulares do presidente Temer.

Antônio Jácome (PODE) também faz uma atuação apagada.

Dos nossos oito deputados, cinco são filhos de políticos das antigas.

Uma é irmã de outro.

Só dois chegaram lá sem apadrinhamento de sobrenome, mas um, Jácome, já esboça formar um clã colocando um filho deputado estadual e um irmão vereador.

Nossa Assembleia Legislativa é uma terra de onde brotam escândalos. Nosso Tribunal de Justiça não fica atrás. Só hoje tivemos dois desembargadores condenados ao xilindró.

Nosso Ministério Público e o nosso Tribunal de Contas são lugares manchados por contradições.

Enquanto isso, nossa elite política segue lépida e fagueira tirando fotos nas procissões, almoços, batizados de meninos e prestando solidariedade em velórios. Produzir algo que traga desenvolvimento que é bom é lenda. Nos discursos a velha tática de prometer saúde, educação e segurança sem dizer como nem de onde virão os recursos.

Esse jogo interessa a todos os citados acima e a ausência de senso crítico em relação a esses fatos produz um noticiário que esconde a mediocridade de nossos políticos que sequer se preocupam em nos dar alguma satisfação.

Estamos na reta final da pré-campanha e o nosso noticiário segue escasso de propostas e potente nos conchavos. O problema está no primeiro aspecto e não no seguindo que é natural ter maior impacto nesse período.

Mas o problema maior está em você, leitor. És também culpado por achar que seu compromisso com a política é apenas ir a urna votar.

Não. Não é!

Você precisa cobrar e fiscalizar a atuação dos políticos. Se não tem tempo ao menos acompanhe o noticiário sem dar audiência ao que é irrelevante nem tenha preguiça de buscar informações sobre nomes novos.

Sua indolência política coloca Carlos Eduardo Alves (PDT) como alternativa ao Governo e deixa Garibaldi e Geraldo Melo liderando as pesquisas para o Senado. São os mesmos sobrenomes de sempre. Nada contra eles, mas se você deseja mudança precisa fazer sua parte.

A mudança na política acontece de fora para dentro e não no sentido inverso. É um processo histórico que exige paciência e sabedoria para lidar com os erros quando arrisca.

Mossoró é um exemplo disso. Apostou novo e não deu certo. Preferiu voltar para o velho quando poderia ter tentado outro novo.

Pelo andar da carruagem puxada pelo sofrido elefante se tivermos alguma mudança em 2019 será só de partido político, pelos políticos.

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A história do Brazil segundo os cidadãos de bem

Goodcitizennovember1926

Por Ricardo Luis Reiter*

Não é segredo o apelo social de uma determinada classe social – que cada vez tem ganhando mais voz – pela volta (ou quem sabe uma nova oportunidade?) a um regime autoritário no Brasil. Defendendo bandeiras ultraconservadoras (desde pena de morte até proibição de pessoas LGBT), um pequeno grupo de brasileiros – que tem se tornado maior a cada dia – proclama-se cidadão de bem e exige que justiça seja feita para que a paz e a prosperidade voltem a reinar em terras tupiniquins (perdoem o lapso, para este grupo, o correto é dizer brazilian lands). Porém, por mais legítimo que sejam as manifestações feitas – afinal de contas, vivemos em uma democracia -, parece-me que as bandeiras defendidas escondem questões mais profundas e enraizadas – como que feridas não cicatrizadas e que voltaram a abrir-se. E é sobre essas feridas que este texto irá tratar.

Mas, para tal abordagem, utilizarei-me de uma ferramenta não muito comum: Contarei uma história, o quão verídica ela é, fica ao critério de você, caro leitor, averiguar…

Capítulo 01: Uma história mal contada…

Nossa história começa errada. Começa com um determinado número de caravelas alcançando as praias paradisíacas de uma terra Tupiniquim. Bem, boa parte dessa história você já conhece. Mas, talvez o que você, caro leitor, tenha deixado despercebido durante todos estes anos é o que de mais crucial existe nela. Veja bem – não devemos perder nosso foco – a primeira ferida não cicatrizada de nosso cidadão de bem encontra-se naquele fatídico 22 de abril de 1500. Principalmente, porque nossos defensores da soberania nacional costumam comparar o Brazil com o exemplo de nação capitalista: os Estados Unidos da América. Acontece que fazer esta comparação é semelhante comparar peixes com pasta de amendoim. Não existe parâmetro para comparação. E nossos cidadãos de bem sabem disso. E isso é uma ferida terrível de suportar.

Ora, veja bem, destas nefastas linhas, onde começa a diferença entre o Brazil e os EUA? No maldito processo de colonização! Enquanto que nas terras do Tio Sam existem os cultuados pais colonizadores, aqui, nas terras tupiniquins temos um bando de mercenários portugueses que vieram fazer negócios com índios. Onde já se viu tamanho absurdo! Mas, graças ao bom Deus, nossos heróis bandeirantes deram um basta nessa suruba colonizante e erradicaram boa parte dos índios do Brazil, semelhante ao que os cowboys fizeram no velho oeste americano.

Ah, honramos tanto nossos bandeirantes que, em São Paulo – sede dos cidadãos de bem – várias das ruas que desembocam na Av. Dos Bandeirantes carregam nomes das tribos dizimadas pelas incursões dos cowboys brazileiros em território indígena. Dessa forma, encontramos a Alameda de Guaiós, a Alameda dos Ubiatans, a Alameda dos Tupinás, a Alameda dos Piratinins, a Alameda dos Guaicañas, a Alameda dos Guainumbis, a Alameda dos Araés, a Alameda Uapixana, a Alameda dos Guaramomis, a Alameda dos Aicás, a Alameda dos Anapurus, a Alameda dos Maracatins, a Alameda dos Jurupis, a Alameda dos Pamaris, a Alameda dos Arapanés, a Alameda dos Nhambiquaras… todas elas marcas de uma ferida que não foi esquecida.

Mas claro que esta é uma história não contada, ou que busca ao máximo ser esquecida. Quantos paulistas atravessam a av. Bandeirantes por dia e têm consciência de que estão cruzando por um marco que representa uma das fases mais bárbaras e cruéis de nossa história? Mas, não se iluda, caro leitor, não é esta a ferida que traz lágrimas de ódio aos olhos do cidadão de bem…. Não, a ferida é outra. Nosso cidadão de bem lamenta-se e chora pelo fracasso dos nossos cowboys brazileiros. Como puderam aqueles destemidos guerreiros, símbolos heroicos de nossa pátria, fracassar com a sua missão de exterminar todo e qualquer vestígio indígena das brazilian lands? Pois, é um absurdo que hoje, em pleno 2018, tenhamos territórios indígenas demarcados. É inconcebível termos um órgão como a FUNAI, mantida com os impostos do cidadão de bem, sustentando um sem número de vagabundos que se dizem índios, mas que vivem como todo cidadão brasileiro, que no entanto não pagam impostos e só atrasam a economia e o desenvolvimento de nossa nação. Afinal de contas, que direito têm os índios sobre essa terra? Foi o sangue dos heróis bandeirantes que permitiu ao Brazil desenvolver-se!

Capítulo 02: Muitos tons de negro…

Nosso cidadão de bem destaca-se entre os demais. Ele carrega o sangue nobre dos portugueses, alemães, italianos, holandeses que vieram tomar esta terra das mãos dos selvagens – índios ou negros. Depois do fracasso evidente dos utópicos jesuítas de colocarem juízo na cabeça dos índios – que provaram-se inúteis para o trabalho braçal dos canaviais – foi preciso recorrer a Coroa. Não, caro leitor, não me refiro a Coroa Portuguesa. Essa nunca governou economicamente nossas terras. Aliás, ela mais atrapalhou que ajudou. Refiro-me a nossa salvadora, a Coroa Inglesa! Ela forneceu-nos uma solução… a um pequeno custo, claro! Os negros mostraram-se muito mais dóceis – afinal de contas, eles não conheciam o território – e muito mais aptos ao trabalho. Porém, eles causaram uma ferida.

O que comecou com alguns poucos barcos trazendo algumas centenas de negros, logo tornou-se uma epidemia. E, segundo nosso cidadão de bem, uma epidemia que até hoje não conseguimos controlar. Afinal de contas, o negro só trouxe desgraça a esse país. Ele morreu nas plantações de cana-de-açúcar para que o seu senhor pudesse ter açúcar. Morreu nos campos do Rio Grande do Sul, para que seu senhor tivesse o charque. Hoje morre na sarjeta porque está cansado de carregar a parte mais pesada do sistema econômico deste país.

Mas o que nosso querido cidadão de bem vê? Ora, negro é sinônimo de bandido. Você não vê tantos negros chefiando empresas como brancos. E por quê? Porque negro é vagabundo, só quer vida fácil. Não dá para confiar em negro. Contudo, o que nosso cidadão esquece – perdoem-me o lapso, o que o cidadão de bem não perdoa – foi a atitude daquela patricinha da Princesa Isabel ter assinado a lei Áurea. Por mais que a história tenha mostrado duas coisas: primeiro, a Lei Áurea foi uma imposição da Coroa – sim, aquela mesma que comandava o tráfico negreiro – e segundo, a abolição da escravatura em nada melhorou a vida dos negros. Mas, para nosso cidadão de bem, o que importa são fatos. E os fatos são: Princesa Isabel não passava de uma petista, comunista, esquerdista que libertou os negros por dó; e hoje ele, o cidadão de bem, precisa pagar altas taxas de impostos – quando na verdade ele sonega boa parte e é privilegiado pelas leis fiscais do Brazil – para manter essas esmolas que o governo dá para os pobres – que são sinônimos de negros para o cidadão de bem – tais como Bolsa Família e cotas. Melhor nem falar de cotas, porque isso é um capítulo à parte.

Quer saber, vamos falar de cotas, sim! A história é minha e eu a conto do jeito que eu quiser. Afinal de contas, não sou um cidadão de bem, não costumo esconder os fatos. Acontece que nosso cidadão de bem acredita ser um desrespeito com sua pessoa o Brazil ter um sistema de cotas. Afinal de contas, os negros não são mais escravos. E os últimos escravos já morreram há décadas. Ou seja, essa é uma nova história. Os negros – assim como os índios – tiveram todas as possibilidades para superarem sua sina. Se continuam na base da pirâmide social, a culpa não é do cidadão de bem, mas apenas do Estado que o acostumou mal e do próprio negro que jamais tentou prosperar na vida. É um absurdo, para o cidadão de bem, perder sua vaga em uma universidade federal por causa de uma cota fundamentada sobre a comprovada dívida histórica desse país para com os negros e índios.

Afinal de contas, no branco ninguém pensa. Nosso cidadão de bem tem sofrido anos de racismo reverso – sério, não consigo pensar em um exemplo -, o que justificaria cotas para brancos. Mas não, o governo só pensa em pobre, negro e vagabundo. O cidadão de bem carrega – segundo ele mesmo – este país nas costas e ainda vê seu futuro prejudicado. Seu filho não pode cursar medicina na universidade pública. E ele, cidadão de bem, recusa-se a pagar uma universidade privada para seu filho. Afinal de contas, são seus impostos que mantêm a universidade pública!

Mas esse raciocínio serve apenas para as universidades. Porque ele, o cidadão de bem, é contra o SUS, contra o INSS, contra transporte público gratuito, contra escola pública – se bem que ela é útil para os pobres aprenderem a ler. Ou seja, o público, segundo o cidadão de bem, só é útil se ele for o utilizar, caso contrário não presta, tem desvios de recursos e deve ser privatizado. Afinal de contas, o EUA não possui SUS e ninguém morre – ao menos nenhum cidadão de bem morre, até sofrer de câncer.

Por hora, ficamos por aqui. Não é fácil encarar uma versão da história que poucos estão dispostos a propor.

*É Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).