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Consequências de uma condenação pelo TCU

 Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO 

Segundo o que noticiou o Brasil de Fato, em 12 de abril de 2022, “o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, nesta terça-feira (12), por unanimidade, responsabilizar Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba (PR), pelo pagamento de cerca de R$ 2 milhões em diárias e passagens a procuradores da força tarefa.

Segundo a denúncia do Ministério Público ligado ao TCU, outras opções mais econômicas poderiam ter sido utilizadas pela Lava Jato para custear a locomoção dos procuradores.

Eles recebiam ajuda para trabalhar em Curitiba, como se estivessem em situação transitória, em vez de serem transferidos definitivamente para a capital do Paraná, onde a maior parte do trabalho era feito.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-procurador-chefe do Paraná, João Vicente Romã, também foram responsabilizados.”

De acordo com o parecer do relator Bruno Dantas, que foi acompanhado pelos demais ministros da Corte, há indícios para caracterizar ao menos três irregularidades, que são: “falta de fundamentação adequada para a escolha do modelo de locomoção; violação ao princípio da economicidade; e ofensas ao princípio da impessoalidade”.

II – A CONDENAÇÃO DO TCU COMO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL 

Será caso de execução desses valores devidos ao Erário.

Rodrigo Melo do Nascimento (A execução judicial das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, in  Revista do TCU, 125) nos lembrou o que segue:

“A Constituição Federal de 1988 (CF) consolidou, no panorama institucional da República Federativa do Brasil, a posição ocupada pela instituição Tribunal de Contas, atribuindo-lhe relevantes competências no exercício do controle externo da Administração Pública, seja no âmbito da União, seja naquele de Estados e Municípios. Entre tais competências, avulta em importância àquela contida nos incisos II e VIII do art. 71 da Carta Cidadã, os quais preveem a atribuição do julgamento de contas, em cujo bojo são passíveis de prolação decisões pela irregularidade das contas, imputando débito ou cominando multa aos responsáveis pela aplicação de recursos públicos ou por eventual dano ao Erário. Tais decisões condenatórias, conforme estabelecido no § 3º do art. 71 da CF, têm eficácia de título executivo, prestando-se à propositura da competente ação de execução judicial, caso o responsável não recolha a dívida perante o próprio Tribunal de Contas que proferiu o acórdão condenatório, prolatado nos autos de processo administrativo em que são garantidos ao interessado o contraditório e a ampla defesa.”

Os valores condenatórios constantes das decisões dos Tribunais de Contas que julguem os responsáveis em alcance ou que lhes apliquem multa classificam-se como dívida ativa não tributária(artigo 39, parágrafo segundo, Lei nº 4.320/64).

A condenação pelo Tribunal de Contas da União perfaz um título executivo extrajudicial que se caracteriza pelos requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade.

A decisão do Tribunal de Contas da União poderá fazer título executivo extrajudicial, que servirá de instrumento para execução (art. 71, § 3º, da CF).

O art. 61 da Lei nº 8.443/1992 prevê a possibilidade de o Tribunal, por intermédio do MP/TCU, requerer à AGU (no caso de débitos imputados a responsáveis da administração direta) ou aos dirigentes das entidades que lhe sejam jurisdicionadas (no caso de débitos imputados a responsáveis por entidades da administração indireta) a adoção das medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito, devendo o Tribunal ser ouvido quanto à liberação dos bens arrestados e sua restituição.

Quanto a capacidade postulatória do Tribunal de Contas nessas execuções já decidiu o STF:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. 2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente. 3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido. (STF, Tribunal Pleno, RE 223037/SE. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 02/05/2002. Publicado no DJ de 02/08/2002).

Reitero que o acórdão do Tribunal de Contas da União constitui título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, se não recolhida no prazo pelo responsável.

III – A INELEGIBILIDADE 

Mas, independentemente dessa condenação e posterior execução, nos moldes estabelecidos pelo CPC de 2015, há a questão da inelegibilidade.

A Lei Complementar n.º 64/90 assim dispõe:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

  1. g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Para a incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º,I, g, da LC n.º 64/90, é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) prestação de contas relativa ao exercício de cargos ou funções públicas; ii) julgamento e rejeição das contas; iii) existência de irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure, em tese, ato doloso de improbidade administrativa (haja vista a incompetência desta Justiça Especializada para apreciação da improbidade administrativa em concreto); v) decisão irrecorrível do órgão competente; vi) inexistência de suspensão ou anulação da decisão pelo Poder Judiciário. (Recurso Especial Eleitoral nº 18725, rel. Min. Luiz Fux, DJE 29/06/2018, página 45-48).

Na matéria cito a Súmula-TSE nº 41:

“Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”.

Embora a Justiça Eleitoral possa extrair da fundamentação do decreto condenatório os requisitos para incidência da referida inelegibilidade, descabe, por outro vértice, alterar as respectivas premissas fáticas, sob pena de invadir a competência jurisdicional de outros órgãos do Poder Judiciário.

Por outro lado, Independe de Ação de Improbidade Administrativa, o processo e julgamento pela Justiça Eleitoral, de Registro de Candidatura, na apreciação de julgamento por Tribunais de Contas, de contas irregulares de gestores públicos, cabendo a esta Especializada averiguar, no caso concreto, a configuração de ato doloso de improbidade administrativa, a teor do art. 1º, I, a, da LC 135/2010.

Portanto, em linhas gerais, caso haja interesse em registro de candidatura por parte dos envolvidos, será ônus deles o ajuizamento de uma medida cautelar visando a suspensão daquela condenação no âmbito do Tribunal de Contas da União.

Certamente os legitimados, a seu tempo, ajuizarão Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) perante a Justiça Eleitoral, que é uma ação de cognição exauriente, podendo atacar qualquer das causas de inelegibilidade cominada (abuso de poder econômico, abuso de poder político, uso indevido de meios de comunicação, uso indevido dos meios de comunicação social, uso indevido de transportes etc). Como ensina Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pág. 388) quando disse que não tendo registrado a sua candidatura, por exemplo, não poderá o pré-candidato participar de propaganda gratuita eleitoral, vez que não tem registro. Desse modo, para evitar o perigo de dano irreparável à candidatura do nacional, poderá o juiz eleitoral, mediante requerimento da parte interessada, antecipar os efeitos da sentença de procedência da ação de pedido de registro de candidato, outorgando-lhe um registro provisório, que possibilite o exercício pleno de sua elegibilidade.

Isso quer dizer que Rodrigo Janot e o ex-coordenador da chamada Força Tarefa da Lava-Jato, em Curitiba, poderão ficar inelegíveis, caso o TCU confirme a condenação noticiada e não poderão concorrer à eleições de 2022, no Brasil.

IV – OUTRAS VERTENTES 

Por sua vez, o Ministério Público Federal poderá, após o devido inquérito civil, ajuizar a ação civil de improbidade administrativa, pautado nos artigos 9 e 10 da Lei n. 8.429/92  e suas mudanças.

O caso, pois, deverá se desenvolver, a seu tempo, em suas várias vertentes, no campo eleitoral e civil, podendo ser utilizados os diversos remédios acima descritos.