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Violência contra as mulheres jornalistas: é preciso denunciar para não se tornar a notícia

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Izaíra Thalita da Silva Lima*

No ano 2000, eu tinha 21 anos e à época trabalhava como repórter no Jornal Gazeta do Oeste em Mossoró. Naquele ano, já fazendo parte da entidade sindical da categoria, decidi participar da I Conferência Latino Americana de Mulheres Jornalistas, em Brasília (DF) evento promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) no auditório Dom João VI, no Museu da Imprensa. Nunca esqueci que ao entrar no espaço, um grupo de mulheres estendiam, em silêncio, uma faixa que dizia: “JUSTIÇA PARA SANDRA GOMIDE!”.

A jornalista Sandra Gomide aos 32 anos foi assassinada com dois tiros, pelas costas, naquele mesmo ano pelo seu ex-namorado, Antônio Marcos Pimenta Neves que, à época, era analista da área de Economia e Finanças e diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo, onde Sandra também trabalhava como repórter. Por não aceitar o fim da relação, Pimenta Neves assassinou Sandra Gomide em um haras em Ibiúna, interior de São Paulo. Antes do crime, Sandra havia recebido várias ameaças que registrou em boletins de ocorrência na polícia da capital paulista e por fim foi demitida da empresa jornalística. Pimenta Neves havia convencido a diretoria da empresa de que Sandra estava se valendo da relação com ele, para ascender profissionalmente, a atacou de forma misógina e pôs em cheque a competência dela como profissional. Dias depois ele tirou a vida da jornalista e virou um caso de ampla repercussão. A jornalista Sandra que noticiava, tornou-se a principal notícia na época.

O caso de Sandra por anos foi de impunidade e o seu assassino, foi preso somente 11 anos depois, conseguiu progressão, passou a pagar em regime semi-aberto e depois, regime aberto e como tantos outros casos em que homens matam suas esposas, namoradas, ex-namoradas, lembro de ouvir muito que a culpa era da vítima. A FENAJ se manifestou naquele congresso com o caso Sandra Gomide, mas, acabou por trazer à público uma discussão, até então silenciada pelas mulheres no interior das redações e veículos de mídia, não importando se eram do norte, nordeste, sul ou centro-oeste do país, se de veículos grandes ou pequenas empresas jornalísticas: a maioria das mulheres presentes no evento passaram a relatar que já haviam vivido situações de assédio moral e assédio sexual no ambiente de trabalho, por parte de colegas jornalistas, pelos diretores ou enquanto realizavam o trabalho junto à fontes.

No dia-a-dia da carreira, ao longo dos anos de atuação, era comum em rodas de cafezinhos e em outros espaços fora do ambiente de trabalho, ouvirmos das mulheres jornalistas a vivência de diversas situações de constrangimento, desde piadas machistas, tidas como ‘algo natural’ do ambiente profissional do jornalismo, assédios das mais diferentes formas, preconceito sobre que temas e assuntos em que as mulheres poderiam ou não cobrir (apurar jornalisticamente), sendo áreas quase que totalmente masculinas editorias como Política, Conteúdos Investigativos e de Esportes e dificuldades de ascenderem na profissão.

O mercado jornalístico passou por mudanças significativas nas últimas décadas, desde aquela primeira conferência, mas é importante ressaltar que mesmo se discutindo agora mais do que antes sobre violência e assédio nos veículos e empresas, as jornalistas ainda são vítimas recorrentes de assédios morais e sexuais nos ambientes de trabalho, porém por medo de perder os empregos, muitas vezes não denunciam.

As dificuldades de assumir postos de destaques na carreira também continuam. Esta semana, a FENAJ lembra a pesquisa feita sobre o Perfil dos Jornalistas no Brasil, onde afirma que as mulheres já são a maioria nas redações (64%), mas que ainda recebem salários menores que os seus colegas e não ascendem aos postos de comando. De acordo com a publicação ‘Mulheres Jornalistas e liberdade de expressão” elaborada pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), “as mulheres jornalistas estão duplamente expostas ao risco de sofrerem violências – por exercer a liberdade de expressão e por causa de seu gênero”. O documento foi lançado em 8 de março de 2019 – (Fonte: FENAJ).

Não bastasse as lutas internas, socialmente as profissionais também encontram outras batalhas. No atual cenário em que o jornalismo profissional como um todo tem sido alvo diário de ataques do Presidente da República, Jair Bolsonaro (atualmente sem partido), comprovadamente utilizador da indústria de fake news e responsável por 121 dos mais de 200 ataques contra jornalistas formalmente registrados pela FENAJ no ano passado, as mulheres jornalistas são duplamente afetadas. Antes mesmo de ocupar o cargo de maior importância do executivo, o atual presidente já colecionava episódios de machismo, sexismo, lgbtfobia e misoginia. Não por acaso, o número de feminicídios no país em 2019, teve um aumento de 12% em relação aos anos anteriores. Os agressores se sentem encorajados quando veem de autoridades, um reforço a todas essas práticas de violência. As declarações machistas e misóginas do presidente Bolsonaro foram novamente reforçadas quando em fevereiro deste ano, decidiu atacar a jornalista Paula Campos Mello, em pronunciamento com falas de conotação sexual, gravadas em vídeos transmitidos ao vivo. Uma rede de fake news entrou em campo para devassar a vida pessoal e profissional da jornalista, espalhar memes atrelando a atividade de mulheres jornalistas com conotação sexual (violência de gênero), gerando em toda a categoria profissional uma grande indignação.

Sabemos que a violência ainda está longe de cessar. Ainda lutamos pela própria vida, pelo direito à liberdade e respeito às nossas escolhas. No entanto, é preciso quebrar o silêncio que subnotifica, encobre as violências e dificuldades enfrentadas pelas mulheres jornalistas no fazer do seu trabalho cotidiano dentro e fora das redações, instituições e empresas. Além disso, se faz necessário repudiar veementemente declarações de autoridades, como as do presidente, que ferem não só as jornalistas, mas todas as mulheres brasileiras alvos dessa cultura machista.

Neste 08 de março é importante que se fale da luta de todas as mulheres, mas que as jornalistas possam pensar e dar ênfase às questões de gênero em nossa própria atividade profissional, para que não sejamos parte das estatísticas de violência e portanto, inseridas no contexto que tanto noticiamos. Que a comunicação e o jornalismo, tão bem utilizados para dar voz às denúncias e aos anseios da sociedade como um todo, possam ser também as áreas para suscitar o debate, a educação e a transformação dessa cultura do assédio e do machismo. Chega de silêncio!

jornalista com mais de vinte anos de atuação profissional, professora e mestre em Ciências Sociais e Humanas.