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O que é o semipresidencialismo?

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que se diz em reportagem no Estadão, em 6.2.25:

“O deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) reuniu o número mínimo necessário de 171 assinaturas para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Semipresidencialismo seja protocolada na Câmara. O número de subscrições aumentou substancialmente após o novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), defender o modelo parlamentarista em entrevista anteontem. Hauly disse que vai protocolar a PEC quando chegar ao apoio de 300 deputados, para “mostrar força”. A proposta tinha 178 adesões até a tarde de ontem.

O semipresidencialismo é um modelo de governo em que o presidente da República divide o poder com um primeiro-ministro, eleito pelo Congresso Nacional – uma espécie de “meio-termo” entre o atual presidencialismo do Brasil e o parlamentarismo.

A proposta de Hauly daria ao premiê a capacidade de definir o plano de governo e o controle orçamentário, além de empoderar a Câmara, que poderia votar sozinha moções de confiança e censura. Pela PEC, o presidente da República é o chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, mas há também o primeiro-ministro, que é o chefe de governo.”

Ali, ainda se diz:

“Como mostrou a Coluna do Estadão, a discussão ganha força em momento de conflito entre os três Poderes sobre a execução do Orçamento da União. Nos últimos anos, principalmente durante a presidência de Arthur Lira (PPAL) na Câmara, os parlamentares ganharam ainda mais poder sobre a destinação de emendas, o que enfraqueceu o Executivo. Mas esse modelo de distribuição de recursos tem sido questionado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).”

Afinal, o que é o semipresidencialismo?

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semiprésidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina Faso, Geórgia (desde 2013), Lituânia, Madagascar, Mali, Mongólia, Níger, Polônia, Portugal, França, Romênia, Senegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha.

Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na Armênia, Moçambique, Namíbia, Rússia, Sri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Sabe-se da tramitação na Câmara dos Deputados da PEC 020, de 1995, cujo proponente foi o deputado Eduardo Jorge. Nessa proposta de emenda constitucional, adota-se um semipresidencialismo , com maior incumbência administrativa outorgada ao primeiro-ministro.

Este apresentará ao Congresso o programa de governo, podendo sofrer, após seis meses do início do governo, moção de censura, proposta por um quinto dos membros da Câmara e a ser aprovada pela maioria absoluta de ambas as Casas. A dissolução do Legislativo não ocorre ao ser negada a aprovação ao nome do primeiro-ministro, mas tão somente na hipótese de grave crise política e institucional.

Incumbe ao primeiro-ministro exercer a direção superior da administração federal; elaborar o programa de governo, submetê-lo à aprovação do presidente da República e ao Congresso; promover a unidade da ação governamental; elaborar planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento, submetendo-os ao Legislativo nacional. Nem por isso são de somenos as atribuições do presidente da República. Cabe a este sancionar ou vetar projetos de lei; presidir o Conselho de Ministros, no qual se aprovam decretos, propostas de lei, bem como o plano plurianual de investimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e as propostas dos orçamentos previstos na Constituição, além de manter relação com outros Estados.

A ação governamental incumbe, portanto, ao primeiro-ministro. Se o governo vai mal ou se envolve em falcatruas, a crise resolve-se por moção de censura. Há, também, forte comprometimento do Congresso com o plano de governo e sua execução.

Nessa emenda se propõe a adoção do semipresidencialismo apenas na próxima eleição, mas se instala, no mandato atual, forma de coparticipação entre os Poderes, com a criação da figura de ministro coordenador para entrosar ministérios, articular a ação político-administrativa e apresentar ao Legislativo a execução do plano de governo. A Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, pode solicitar ao presidente da República o afastamento do ministro coordenador.

No semipresidencialismo proposto, o presidente, conjuntamente com o ministro coordenador, exerce a direção da administração federal e dispõe sobre a estruturação e o funcionamento dos órgãos da administração federal. O presidente envia, veta ou sanciona projetos de lei. Todavia é importante a função do ministro coordenador, pois lhe cabe promover a unidade da ação governamental, coordenando a atuação dos ministérios e dos órgãos da administração com vista à execução do plano de governo, mantendo relação com o Legislativo.

O impasse na aprovação do ministro coordenador não se resolve, nesse modelo, pela dissolução da Câmara dos Deputados, pois se considera duro desafio, nas dimensões de um pleito nacional, impor novas eleições, com custos econômicos e políticos de monta. Todavia não se deixa de criar liame forte entre Executivo e Legislativo, este coparticipando da obra de governo.

Esse formato se aproxima do francês, editado na Constituição de 1958, no qual o presidente é eleito diretamente e divide com o primeiro-ministro ações governamentais. Mas o protagonismo do presidente é patente, especialmente se o primeiro-ministro for de sua ala política. Do contrário, ocorre a difícil, mas já bem sucedida, coabitação: presidente de um partido, primeiro-ministro de outro, como se deu entre Mitterrand, presidente, e Chirac, primeiro-ministro, pois pode ser eleita uma maioria parlamentar de oposição e dela vai provir o primeiro-ministro.

Recentemente, o Ministro Roberto Barroso fez a conferência de abertura no Congresso Nacional de Procuradores do Estado, na qual desenvolveu mais uma vez sua tese. Destacou que o sistema de governo adotado no Brasil tem o formato hiper-presidencialista da tradição latino-americana e lembrou que, em 2006, numa proposta de reforma política, defendeu a atenuação desse modelo, pela implantação do semipresidencialismo, como praticado na França e em Portugal.

A proposta é que ele passasse a vigorar oito anos depois, em 2014. Na ocasião, afirmou que “é em período de tempo bom que a gente conserta o telhado”, e disse que, se ela tivesse sido posta em prática, poderia ter minimizado alguns problemas atuais. “Preferia estar errado, mas era previsível que esse dia chegaria”, comentou na ocasião.

Barroso disse que gosta dessa fórmula por seu potencial para atenuar dois crônicos problemas que assinalam a nossa História: o autoritarismo do Executivo e a instabilidade institucional. “Se estivesse em vigor, não estaríamos passando pelo que estamos passando.

E não descarto que esse possa ser um caminho para um grande acordo que nos faça voltara andar na direção certa.”, comentou.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

A Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, pôr o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o semipresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo  voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Na França, temos um sistema presidencialista e um regime semi-presidencialista.

Na Polônia há um sistema parlamentarista (que se aproxima da Bélgica, Dinamarca, Itália, Países Baixos) e um regime semipresidencial, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

Em Portugal, assim como na Áustria, na Irlanda, na Islândia, temos um sistema governamentalista e um regime semipresidencialista. São seus traços estruturais, segundo J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 574):

  1. a) dois órgãos (presidente da República e o parlamento eleitos por sufrágio direto; b) dupla responsabilidade do governo (gabinete) perante o presidente da República e perante o parlamento; c) dissolução do parlamento por decisão e iniciativa autônomas do

 presidente da República (diferentemente do que existe quer no regime presidencial quer no regime parlamentar); d) configuração do gabinete como um órgão constitucional autônomo (diversamente do regime presidencial e anologamente ao regime parlamentar); e)presidente da República com poderes de direção política próprios (à semelhança do regime presidencial, mas diversamente do regime parlamentar).

Ainda na lição de Canotilho, o critério da posição jurídica e política do presidente da República no funcionamento das instituições assume no caso particular relevo. Em certas engenharias constitucionais, como é o caso da França e da Finlândia o complexo de

 poderes do presidente da República sugere uma base presidencial temperada pelas exigências da confiança parlamentar, significando uma atribuição de poderes políticos relevantes ao presidente da República uma correção de forma ao governo parlamentar, como disse Canotilho. Daí, na lição de M. Shugart e J. Carry (President and assemblies, pág. 24) com relação a forma caracterizadora “governo parlamentar com um correto presidencial”. Sendo então assim a fórmula mais abrangente será a de um sistema presidencial parlamentar ou parlamentar presidencial consoante a matriz dominante.

Fica a lição de Canotillho (obra citada, pág. 574), à luz de Aguilera de Prat e R. Martinez (Sistemas de Gobierno, pág. 103 e seguinte, dos regimes da Finlândia, França, Polônia, Portugal e Armênia), de que qualquer que seja a matriz, a forma de governo semipresidencial adquiriu contornos autônomos, não circunstanciais, justificadores de sua qualificação como uma forma de governo contemporâneo em que as dimensões funcionais e institucionais do sistema político desempenham um papel dinamicamente conformador. Por isso, disse ainda Canotilho, que um autor (Volpi) alude aqui a uma forma de governo como categoria a se stante em que se tem de atender não apenas aos elementos estruturais constitucionais, mas também aos elementos funcionais.

Lembremos que, em 1993, a população chamada a responder, escolheu o presidencialismo e não o parlamento.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Seria o semipresidencialismo uma solução?

Por Rogério Tadeu Romano*

Alguns anos atrás, em reportagem da Veja, colhia-se:

“Ministro do Supremo com maior atuação na seara política, Mendes retomou a defesa do semipresidencialismo em reuniões com parlamentares nas últimas semanas. Ele alega que o Brasil enfrenta crises de forma cíclica e que a instabilidade dos governos parece algo intrínseco ao regime presidencialista.”

Argumenta ainda que, após a redemocratização, dois dos quatro presidentes eleitos antes de Bolsonaro não chegaram ao fim do mandato: Dilma e Fenando Collor. Só esse dado seria suficiente para justificar o debate do tema.

Atualmente é visível o papel do Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Pautas como o marco temporal, supressão de poderes do STF, em que cada casa parlamentar é uma casa, se apresentam com um Legislativo que mais parece “uma locomotiva” em busca e obtenção de poder.

Tereza Cruvinel, em artigo para o portal 247, em 2.11.23, foi veemente.

Colho o que disse:

“Na terça-feira, 31, o senador Jacques Wagner, líder do Governo no Senado, cortou um dobrado na Comissão de Assuntos Econômicos para evitar que seus pares aprovassem um projeto estabelecendo como de execução obrigatória as emendas de comissões. Wagner conseguiu adiar mas não ainda barrar mais esse avanço do Congresso sobre o Orçamento da União. Em miúdos, o projeto era mais um passo para ampliar o poder do Legislativo e reduzir o poder do presidente da República.

O Brasil vem assistindo, com cara de paisagem, a uma marcha para a mudança do sistema de governo sem a realização de novo plebiscito ou a aprovação de uma PEC neste sentido, que alguns dizem não ser possível. Há quem entenda, inclusive no Supremo, que depois da confirmação do presidencialismo no plebiscito de 1993, só com outra consulta popular o sistema de governo pode ser alterado. Mas, na prática, isso vem acontecendo, com a adoção de um regime semi-presidencialista ou semi-parlamentarista, sem primeiro-ministro e desprovido de outros mecanismos do parlamentarismo, como a dissolução da Câmara e o chamado de novas eleições em determinadas situações de crise.”

É visível a atuação do Congresso na efetivação de um orçamento impositivo.

A legislação e a execução prática do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei orçamentária como uma “autorização para gastar”, e não como uma “obrigação de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.

A ideia de “orçamento impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.

“Orçamento impositivo” quer dizer que o gestor público é obrigado a executar a despesa que lhe foi confiada pelo Legislativo. Que apenas alguma coisa muito excepcional poderia liberá-lo desse dever.

O Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86, que criou o instituto do Orçamento impositivo peculiar, pois em vez de aprovar uma norma que realmente obrigasse o Poder Executivo a cumprir as leis orçamentárias, foi aprovada uma emenda constitucional que obriga o Poder executivo a cumprir as emendas parlamentares, que se caracterizam como uma pequena parte do orçamento, e vinculada a interesses eleitorais dos próprios parlamentares.

Fala-se que hoje o orçamento não é mais autorizativo, mas impositivo.

A matéria foi discutida em PEC cujo objetivo não foi tornar obrigatório a execução de toda a despesa do orçamento.

A Emenda 86, promulgada em 17 de março de 2015, basicamente altera e insere alguns parágrafos e incisos nos artigos 165 e 166, referentes à vinculação de recursos para a execução de emendas parlamentares individuais, e altera o artigo 198 da Constituição Federal para estabelecer 15% de vinculação de recursos da União para os programas e ações de saúde.

Com as Emendas Constitucionais 100/ 2019 e 102/2019, tornou-se literalmente obrigatória a execução plena do Orçamento, e não apenas as provenientes de emendas parlamentares individuais ou de bancada. O novo § 10 do art. 165 impõe à Administração, sem se limitar às emendas, o dever de executar obrigatoriamente as programações orçamentárias, para garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade. Em seguida, o § 11 estabelece as exceções ao Orçamento impositivo, a fim de assegurar o equilíbrio fiscal.

O Orçamento público impositivo é um instrumento democrático e fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira, e a execução orçamentária em sua plenitude, ressalvadas as limitações legais, financeiras ou técnicas, é um imperativo para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Do contrário, teríamos um Orçamento que seria mera “obra de ficção”.

Sendo insuperável o impedimento apontado, o Poder Legislativo em 30 dias indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação orçamentária daquela verba (artigo 166, parágrafo 14, II), o qual deverá encaminhar esta reprogramação como projeto de lei em até 30 dias, ou até a data de 30 de setembro (artigo 166, parágrafo 14, III).

Disse ainda Tereza Cruvinel, naquela oportunidade, que “agora o Congresso quer tornar impositivas as emendas de comissão, quer criar as emendas de liderança (para cada partido) e ainda fixar um calendário para a liberação de todas elas. O governo sequer poderá fazer a liberação na hora da busca de votos.”

Afinal, como é o semipresidencialismo?

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semi-présidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina Faso, Geórgia (desde 2013), Lituânia, Madagascar, Mali, Mongólia, Níger, Polônia, Portugal, França, Romênia, Senegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha. Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na Armênia, Moçambique, Namíbia, Rússia, Sri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

A Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, por o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o sempresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro. Na Polônia, há um misto de semipresidencialismo e parlamentarismo, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Aguardemos os passos que deverão ser dados pela classe política.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Semipresidencialismo: solução ou engodo?

Na França de Macron, o sistema é sempresidencialista (Foto: reprodução)

Por Ney Lopes*

Há um “cacoete” sobre as causas das constantes crises políticas no Brasil, ao responsabilizar o sistema de governo presidencialista.

O presidente da Câmara, Artur Lira, admite abrir discussão sobre a proposta do regime de governo semipresidencialista, como meio de reduzir a instabilidade política.

Apoiam essa tese, o ex-presidente Michel Temer e os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

O semipresidencialismo, denominação criada pelo cientista político Maurice Duverger, é uma mistura de presidencialismo e parlamentarismo.

Para os que defendem a reforma do presidencialismo, o novo sistema comportaria outros mecanismos, além do impeachment, para resolver crises entre Executivo e o Legislativo, ou para se livrar antes do prazo de um governo altamente impopular

O semipresidencialismo seria capaz de aperfeiçoar a separação de poderes, aplicando o princípio de freios e contrapesos (controle do poder pelo próprio poder).

O equilíbrio viria da competência do presidente da República com poderes amplos para dissolver o Parlamento, escolher o primeiro-ministro e o gabinete, desde que tenha apoio da maioria parlamentar e convocar eleições, em caso de crise.

Por outro lado, o Legislativo teria a responsabilidade de governar, através de um primeiro-ministro, podendo destituí-lo e equilibrar o jogo entre os poderes.

A possibilidade de dissolução do Parlamento obrigaria o Congresso a ser mais responsável.

O “chefe de estado” é o Presidente eleito pelo povo, com mandato fixo. O primeiro ministro é o “chefe do governo” e cuida da administração.

França, Finlândia e Portugal são exemplos atuais.

Observação fundamental é que na implantação de qualquer sistema de governo, quer seja presidencialista, parlamentarista, ou semipresidencialista, a governabilidade dependerá sempre da negociação com os partidos políticos, representados no Congresso.

Em razão dessa evidencia, o debate deveria partir prioritariamente da reformulação da legislação partidária brasileira, que é caótica.

Não se começa a construir uma casa pelo telhado, mas pelos alicerces.

Os partidos são o apoio da governança democrática.

A multiplicação de partidos no Brasil fez com que o atual chamado “presidencialismo de coalizão” se transformasse em nocivo arranjo político-institucional, pelo uso da “barganha” e do “toma lá me dá cá”, como métodos de obtenção da maioria parlamentar, até como meio dos governos fugirem dos riscos de impeachment.

Regra geral, os partidos brasileiros são como os morcegos, que se nutrem do sangue alheio e só enxergam o próprio umbigo.

Um ponto importante na atualização da legislação partidária seria a necessidade da democratização interna das siglas, assegurando direitos aos filiados.

De forma paradoxal, o atual sistema define as legendas como “entes privados”, concedendo-lhes autonomia para definirem a estrutura interna e receberem recursos públicos.

Durante o processo eleitoral, são comuns os casos de partidos ferirem direitos líquidos e certos de filiados-candidatos e a reparação não ser possível, tendo em vista a justiça aplicar o princípio da “decisão interna corporis”, com base no princípio constitucional da autonomia partidária (art. 17 § 1°).

Alega-se a autonomia para negar um direito fundamental da cidadania, que assegura a “inviolabilidade do direito à igualdade”, conforme o artigo 5°, inciso XXXV da Constituição (a lei não exclui da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de direito). Incrível que aconteça, mas se repete no país.

Por todas essas razões, não se justifica falar em “semipresidencialismo”, sem antes modernizar a lei partidária. Seria “colocar a carroça na frente e dos bois”.

Caso aprovado esse novo modelo de governança, sem a urgente reforma partidária, as pressões continuariam sobre os governos eleitos, partindo dos “oportunistas e fisiológicos de plantão”, em busca de cargos, funções e emendas orçamentárias.

As mudanças, portanto, devem começar pela recuperação da credibilidade dos partidos políticos, a fim de assegurar a governabilidade.

Somente assim, o semipresidencialismo transforma-se em solução capaz de dar maior estabilidade política.

Sem a aprovação dessa cirúrgica reforma partidária, política e eleitoral, será apenas mais um “engodo” e Tomasi di Lam­pedusa estaria certo, quando disse, que as vezes “tudo muda para continuar como está”.

*É jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN e advogado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Algumas anotações sobre o semipresidencialismo

O  primeiro-ministro de Portugal António Costa e o presidente Marcelo Rebelo de Sousa: exemplo de semipresidencialismo (Foto: reprodução)

Por Rogério Tadeu Romano

Noticiou o Estadão, em 18 de julho do corrente ano, que “disposto a esvaziar a pressão para autorizar o impeachment de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), articula com aliados a mudança no sistema de governo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). A um ano e três meses das eleições de 2022 e sob a justificativa de que o presidencialismo virou uma fonte inesgotável de crises, a ideia apoiada por Lira e nomes de peso do mundo político e jurídico prevê a adoção do regime semipresidencialista no Brasil.”

Ainda se diz que o modelo introduz no cenário político a figura do primeiro-ministro e aumenta o poder do Congresso. Embora a proposta determine que o novo sistema tenha início apenas no primeiro dia do “mandato presidencial subsequente” à promulgação da emenda, sem fixar datas, o presidente da Câmara, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidentes, como Fernando Henrique CardosoMichel Temer e José Sarney, defendem o ano de 2026 como ponto de partida.

Ainda disse o Estadão que a proposta de semipresidencialismo que reaparece agora como uma barreira para enfrentar arroubos­ – por enquanto retóricos – de Bolsonaro prevê um modelo híbrido. Ao mesmo tempo em que mantém o presidente da República, eleito pelo voto direto, delega a chefia de governo para o primeiro-ministro. É ele quem nomeia e comanda toda a equipe, o chamado “Conselho de Ministros”, incluindo nesse rol até mesmo o presidente do Banco Central.

Segundo o site da Carta Capital, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, usou as redes sociais na noite do dia 5 de julho de 2021 para elogiar a proposta de um ‘semipresidencialismo’ apresentada mais cedo pelo presidente do TSE e colega de Mendes no STF, Luis Roberto Barroso.

Ali se disse:

“Cumprimento o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, pela importante defesa da proposta de semipresidencialismo. Em conjunto com Michel Temer e o professor Manoel Gonçalves, desde 2017, cultivamos essa alternativa para a superação dos déficits de cultivamos essa alternativa para a superação dos déficits de governabilidade do modelo atual”, escreveu Gilmar Mendes.

“As sucessivas crises do nosso sistema – com incansáveis invocações de impeachment – reclamam uma reforma que garanta a corresponsabilidade do Congresso Nacional nos deveres de Governo. Representatividade e governabilidade podem andar juntas”, completou.

A discussão sobre o tema da introdução do semipresidencialismo em nossa Constituição é cada vez mais atual.

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semiprésidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina FasoGeórgia (desde 2013), LituâniaMadagascarMaliMongóliaNígerPolônia, PortugalFrançaRomêniaSenegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha. Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na ArmêniaMoçambiqueNamíbiaRússiaSri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Sabe-se da tramitação na Câmara dos Deputados da PEC 020, de 1995, cujo proponente foi o deputado Eduardo Jorge. Nessa proposta de emenda constitucional, adota-se um semipresidencialismo , com maior incumbência administrativa outorgada ao primeiro-ministro. Este apresentará ao Congresso o programa de governo, podendo sofrer, após seis meses do início do governo, moção de censura, proposta por um quinto dos membros da Câmara e a ser aprovada pela maioria absoluta de ambas as Casas. A dissolução do Legislativo não ocorre ao ser negada a aprovação ao nome do primeiro-ministro, mas tão somente na hipótese de grave crise política e institucional.

Incumbe ao primeiro-ministro exercer a direção superior da administração federal; elaborar o programa de governo, submetê-lo à aprovação do presidente da República e ao Congresso; promover a unidade da ação governamental; elaborar planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento, submetendo-os ao Legislativo nacional. Nem por isso são de somenos as atribuições do presidente da República. Cabe a este sancionar ou vetar projetos de lei; presidir o Conselho de Ministros, no qual se aprovam decretos, propostas de lei, bem como o plano plurianual de investimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e as propostas dos orçamentos previstos na Constituição, além de manter relação com outros Estados.

A ação governamental incumbe, portanto, ao primeiro-ministro. Se o governo vai mal ou se envolve em falcatruas, a crise resolve-se por moção de censura. Há, também, forte comprometimento do Congresso com o plano de governo e sua execução.

Nessa emenda se propõe a adoção do semipresidencialismo apenas na próxima eleição, mas se instala, no mandato atual, forma de coparticipação entre os Poderes, com a criação da figura de ministro coordenador para entrosar ministérios, articular a ação político-administrativa e apresentar ao Legislativo a execução do plano de governo. A Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, pode solicitar ao presidente da República o afastamento do ministro coordenador.

No semipresidencialismo proposto, o presidente, conjuntamente com o ministro coordenador, exerce a direção da administração federal e dispõe sobre a estruturação e o funcionamento dos órgãos da administração federal. O presidente envia, veta ou sanciona projetos de lei. Todavia é importante a função do ministro coordenador, pois lhe cabe promover a unidade da ação governamental, coordenando a atuação dos ministérios e dos órgãos da administração com vista à execução do plano de governo, mantendo relação com o Legislativo.

O impasse na aprovação do ministro coordenador não se resolve, nesse modelo, pela dissolução da Câmara dos Deputados, pois se considera duro desafio, nas dimensões de um pleito nacional, impor novas eleições, com custos econômicos e políticos de monta. Todavia não se deixa de criar liame forte entre Executivo e Legislativo, este coparticipando da obra de governo.

Esse formato se aproxima do francês, editado na Constituição de 1958, no qual o presidente é eleito diretamente e divide com o primeiro-ministro ações governamentais. Mas o protagonismo do presidente é patente, especialmente se o primeiro-ministro for de sua ala política. Do contrário, ocorre a difícil, mas já bem sucedida, coabitação: presidente de um partido, primeiro-ministro de outro, como se deu entre Mitterrand, presidente, e Chirac, primeiro-ministro, pois pode ser eleita uma maioria parlamentar de oposição e dela vai provir o primeiro-ministro.

Recentemente, o Ministro Roberto Barroso fez a conferência de abertura no Congresso Nacional de Procuradores do Estado, na qual desenvolveu mais uma vez sua tese. Destacou que o sistema de governo adotado no Brasil tem o formato hiper-presidencialista da tradição latino-americana e lembrou que, em 2006, numa proposta de reforma política, defendeu a atenuação desse modelo, pela implantação do semipresidencialismo, como praticado na França e em Portugal.

A proposta é que ele passasse a vigorar oito anos depois, em 2014. Na ocasião, afirmou que “é em período de tempo bom que a gente conserta o telhado”, e disse que, se ela tivesse sido posta em prática, poderia ter minimizado alguns problemas atuais. “Preferia estar errado, mas era previsível que esse dia chegaria”, comentou na ocasião.

Barroso disse que gosta dessa fórmula por seu potencial para atenuar dois crônicos problemas que assinalam a nossa História: o autoritarismo do Executivo e a instabilidade institucional. “Se estivesse em vigor, não estaríamos passando pelo que estamos passando. E não descarto que esse possa ser um caminho para um grande acordo que nos faça voltara andar na direção certa.”, comentou.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, por o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o semipresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Na França, temos um sistema presidencialista e um regime semipresidencialista.

Na Polônia há um sistema parlamentarista (que se aproxima da Bélgica, Dinamarca, Itália, Países Baixos) e um regime semipresidencial, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

Em Portugal, assim como na Áustria, na Irlanda, na Islândia, temos um sistema governamentalista e um regime semipresidencialista. São seus traços estruturais, segundo J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 574): a) dois órgãos (presidente da República e o parlamento eleitos por sufrágio direto; b) dupla responsabilidade do governo (gabinete) perante o presidente da República e perante o parlamento; c) dissolução do parlamento por decisão e iniciativa autônomas do presidente da República (diferentemente do que existe quer no regime presidencial quer no regime parlamentar); d) configuração do gabinete como um órgão constitucional autônomo (diversamente do regime presidencial e anologamente ao regime parlamentar); e) presidente da República com poderes de direção política próprios (à semelhança do regime presidencial, mas diversamente do regime parlamentar).

Ainda na lição de Canotilho, o critério da posição jurídica e política do presidente da República no funcionamento das instituições assume no caso particular relevo. Em certas engenharias constitucionais, como é o caso da França e da Finlândia o complexo de poderes do presidente da República sugere uma base presidencial temperada pelas exigências da confiança parlamentar, significando uma atribuição de poderes políticos relevantes ao presidente da República uma correção de forma ao governo parlamentar, como disse Canotilho. Daí, na lição de M. Shugart e J. Carry (President and assemblies, pág. 24) com relação a forma caracterizadora “governo parlamentar com um correto presidencial”. Sendo então assim a fórmula mais abrangente será a de um sistema presidencial parlamentar ou parlamentar presidencial consoante a matriz dominante.

Fica a lição de Canotillho (obra citada, pág. 574), à luz de Aguilera de Prat e R. Martinez (Sistemas de Gobierno, pág. 103 e seguinte, dos regimes da Finlândia, França, Polônia, Portugal e Armênia), de que qualquer que seja a matriz, a forma de governo semipresidencial adquiriu contornos autônomos, não circunstanciais, justificadores de sua qualificação como uma forma de governo contemporâneo em que as dimensões funcionais e institucionais do sistema político desempenham um papel dinamicamente conformador. Por isso, disse ainda Canotilho, que um autor (Volpi) alude aqui a uma forma de governo como categoria a se stante em que se tem de atender não apenas aos elementos estruturais constitucionais, mas também aos elementos funcionais.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

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