Poderia começar este texto citando a obra do sociólogo potiguar Jessé Souza, “A Elite do Atraso”, para me referir a dona de uma esfirraria de Ceará-Mirim, cidade dos arredores de Natal, Rafaela Ferreiro, que gravou um vídeo dizendo não gostar de pobres, ao reclamar da ausência de funcionários na quarta-feira de cinzas.
Mas vou com outra publicação do autor, “A Classe Média no Espelho”, porque Rafaela provavelmente não é rica, é no máximo uma integrante da classe média.
Jessé tem uma vasta obra sobre o comportamento político das nossas classes sociais em que descreve os sentimentos delas. Ao falar das camadas médias ele lembra que há um sentimento de empoderamento negativo de quem tem pouco, mas mais do que os pobres, como uma herança da escravidão.
Num dos dez países mais desiguais do mundo quem tem o mínimo se sente rico. Num lugar com forte herança da escravidão, como assinala Jessé, esse pouco faz uma diferença abissal no comportamento e na aporofobia.
Jessé Souza, em sua vasta obra, explica que o racismo se converte no ódio ao pobre por parte classe média que se acha no topo.
A dona esfirraria não suportou a ausência de funcionários em um dia de trabalho e achou que seria uma boa ideia desabafar nas redes sociais. O vídeo viralizou negativamente muito embora ela tenha celebrado ter ganho mais seguidores e reafirmado tudo que disse para em seguida reclamar que foi mal interpretada e tornar o perfil privado.
A verdade é que Rafaela, dona de um pequeno comércio numa cidade 73 mil habitantes está muito mais próxima dos seus funcionários do que Alberto Saraiva, dono da Rede Habib’s, maior rede de esfirrarias do Brasil.
Essa é uma das mazelas de um país tão desigual que faz quem é da classe média se sentir mais próxima dos ricos por ter o mínimo, mesmo que na realidade ela esteja muito mais perto dos pobres.
O chilique de Rafaela não é a de uma elite do atraso, mas de uma classe média que não consegue se olhar no espelho.