Por Rogério Tadeu Romano*
I – O FATO
Observo o noticiário da BBC NEWS BRASIL, em 17.8.23:
“O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno são foco de uma investigação da Polícia Federal (PF) que apura um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.
Segundo a PF, os itens de alto valor foram omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer o ex-presidente.
A revista Veja publicou nesta quinta-feira (17/8) que o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos principais envolvidos no caso, pretende confessar em breve que teria negociado a venda das joias a mando do ex-presidente. Cid está preso.
A intenção de confessar foi revelada à revista pelo advogado de Cid, Cezar Bitencourt, que posteriormente confirmou também a informação ao jornal Folha de S. Paulo e à TV Globo.”
Segundo o que informou o site da Folha, em 13.8.23, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), da base do governo na CPI do 8 de Janeiro, contestou o presidente da comissão, Arthur Maia (União-BA), e afirmou que as investigações sobre o suposto desvio de joias e presentes dados por autoridades de outros países a Jair Bolsonaro (PL) têm conexão com os trabalhos do colegiado.
Segundo artigo 76 do Código de Processo Penal, a competência será determinada pela conexão em três hipóteses: se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas ou em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas, e quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Há realmente conexão entre os atos investigados com relação ao 8 de janeiro de 2023, onde se tentou dar um golpe na democracia brasileira, e essa venda de joias noticiada?
II – A CONEXÃO
O Supremo Tribunal Federal entendeu ser competente para instruir e julgar crimes contra a democracia cometidos no Brasil, em 8 de janeiro do corrente ano, e delitos conexos.
Os artigos 76 a 82 do Código de Processo Penal apresentam previsão de normas sobre conexão e continência. Estas não são causas determinantes da fixação de competência, como são o lugar do crime, o domicílio do réu, etc, pois são, em verdade, motivos que determinam a sua alteração, atraindo para a competência de um juízo o crime que seria de competência de outro.
Trago a conclusão de Pazzaglini Filho (Conexão e continência em processo penal, Justitia 72/23 – 52.) para quem motivando a reunião em um processo e consequentemente a unidade de julgamento, a conexão e a continência ¨tem por finalidade a adequação unitária e a reconstrução crítica única das provas a fim de que haja, através de um único quadro de provas mais amplo e completo, melhor conhecimento dos fatos e maior firmeza e justiça nas decisões, evitando-se a discrepância e contradição entre os julgados.”
Aliás, é possível que da existência de um dos crimes conexos dependa a existência do outro (a do crime acessório com relação ao principal), onde uma verdadeira dependência prévia que aconselha a união dos processos.
Essa interligação entre duas ou mais infrações leva a que sejam julgadas pelo mesmo órgão judicial.
O art. 76 do CPP explica, por exemplo, por que todos os casos de atos antidemocráticos foram distribuídos no STF ao ministro Alexandre de Moraes. Ele era o juiz competente, a quem deviam ser encaminhados tais delitos para apreciação.
Por certo, discute-se por que razão o mesmo relator estaria com competência para julgar o chamado caso das “joias”, envolvendo o ex-presidente da República. Estaria ele prevento para tal?
Na lição de Magalhães Noronha (Curso de direito processual penal. São Paulo, Saraiva, 1978, pág. 52), a palavra prevenção vem do verbo prevenire, chegar antes, conhecer antes ou antecipar-se.
Nos termos do RISTF, é o ato da distribuição da causa ou do recurso, e não decisão eventual do Relator sorteado, que o torna prevento para todos os demais processos relacionados por conexão ou continência, como está nítido no art. 69, caput:
“A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todos os processos a eles vinculados por conexão ou continência.”
Por fim, conforme orientação desta Presidência, a distribuição de ação ou recurso gera prevenção para todos os processos posteriores vinculados por conexão ou continência, e somente não se caracterizará a prevenção, se o relator, sem apreciar pedido de liminar, nem o mérito da causa, negar-lhe seguimento, não conhecer ou julgar prejudicado o pedido, declinar da competência, ou homologar pedido de desistência por decisão transitada em julgado, nos termos do artigo 69, § 2º, do RISTF.
Estudemos as formas de conexão:
Conexão intersubjetiva (artigo 76, I, Código de Processo Penal), onde há infrações penais interligadas que devem ser praticadas por 2 (duas) ou mais pessoas:
Conexão intersubjetiva por simultaneidade: na hipótese, ocorrem várias infrações praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas que não estão de forma prévia acordadas;
Conexão intersubjetiva concursal: ocorre quando várias pessoas, previamente acordadas, praticam várias infrações embora diverso o tempo e o lugar;
Conexão intersubjetiva por reciprocidade: ocorre quando várias infrações são praticadas, por diversas pessoas, umas contra as outras, havendo o que se chama de reciprocidade na violação de vínculo jurídico, algo que se distancia do crime de rixa, crime único.
Conexão objetiva, material, teleológica ou finalística (artigo 76, II, do Código de Processo Penal): ocorre quando uma infração é praticada para facilitar ou ocultar outra, ou para conseguir impunidade ou vantagem;
Conexão instrumental ou probatória (artigo 76, III, do Código de Processo Penal): ocorre quando a prova de uma infração ou de seus elementares influir na prova de outra infração.
A chamada conexão na fase preliminar investigatória nada mais é que uma forma de conexão instrumental, quando se dá a reunião dos inquéritos, na Polícia, com o objetivo de obter a verdade real e a melhor forma de acompanhar a investigação.
Há, sem dúvida, a aplicação da chamada conexão instrumental entre os atos que envolvem a tentativa de golpe de estado, fulcradas no artigo 359 – L, do CP, conduta contra a ordem democrática brasileira, e os crimes de peculato, organização criminosa, e lavagem de dinheiro que envolvem a “venda de joias pertencentes ao patrimônio público brasileiro”.
Essas condutas estão umbilicalmente ligadas? A ideia é seguir o dinheiro para verificar possíveis conexões. Ou seja: a apuração da venda fraudulenta de joias pertencentes ao patrimônio público e sua possível ligação com relação ao financiamento daqueles atos que agrediram a democracia no Brasil.
A prova da infração com relação aos chamados crimes envolvendo às joias poderá influenciar na apuração daqueles crimes cometidos contra o estado democrático de direito.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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