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Uma aventura jurídica no município de Natal

Por Rogério Tadeu Romano*  

I – O FATO

O atual prefeito de Natal decretou a não obrigatoriedade do chamado “passe sanitário”, na cidade. Certamente agiu atendendo apelos do empresariado, desses grupos que atuam em corporações ligadas ao comércio de bares e restaurantes, aos shopping centers, etc.

Em primeiro grau, os efeitos do decreto foram suspensos, em correta decisão do juízo de primeiro grau, da Fazenda Pública. Ele deu prazo para cumprimento e determinou, em caso de não cumprimento, a aplicação de medidas de caráter coercitivo.

Ocorre que, em meio a alardes, o Município de Natal, por seu prefeito, agravou da decisão interlocutória que concedeu a tutela antecipada para o Ministério Público e a Defensoria Pública, que, no âmbito da tutela coletiva, ajuizaram uma ação civil pública.

Na lição de Chiovenda(Princípios de direito processual civil) há as chamadas sentenças interlocutórias em sentido próprio, que são aquelas que provêm sobre a formação do material de cognição e, portanto, tocam mais de perto ao mérito. Uma sentença interlocutória pode decidir definitivamente um artigo da demanda, tendo-se uma sentença, em parte interlocutória, em parte definitiva. As interlocutórias, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de modo provisório. Daí a relevância de distinguirem-se, dentre as decisões não finais, as verdadeiras interlocutórias e as que, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de forma provisória quando decide sobre provimentos de caráter satisfativo provisórios de urgência, como foi o caso daquela liminar ainda que em um juízo de verossimilhança, execução-para-segurança, dada a satisfatividade provisória da medida.

O governo do Estado do Rio Grande do Norte tem um decreto pela adoção, correta e obrigatória do passe sanitário. Entre os dois decretos(o estadual e o municipal) vale e vigora aquele que adota as providências mais graves e acautelatórias para a população. No caso a adoção do passe sanitário. Essa a posição da jurisprudência a partir de julgados do STF. Vigora, pois, na antinomia das normas, em seu concurso, diante da competência constitucional concorrente para a matéria de saúde, o decreto do Estado do Rio Grande do Norte.

Um aviso: vem crescendo o número de pessoas que apoiam o bolsonarismo em Natal e que adotam o negacionismo. São assustadores os novos casos de infecção por covid-19 na capital do Estado. A manchete da Tribuna do Norte, ainda, em 5 de fevereiro de 2022 é autoexplicativa: “No RN, internações por covid, crescem 296% em 30 dias”.

Segundo a prefeitura, o decreto foi editado após uma reunião realizada na noite do dia 24 de janeiro com o Comitê Científico Municipal, visando controlar a disseminação do vírus e, ao mesmo tempo, “assegurar o livre funcionamento do comércio, pensando na geração de empregos e de renda e na manutenção da atividade econômica na cidade”, como se lê do G1. Com o devido respeito a obrigação primacial do Município é com a saúde da população.

Pois bem.

Publicou o site de notícias da Tribuna da Imprensa, na tarde do dia 4 de fevereiro de 2022, sexta-feira:

“A Prefeitura do Natal publicou, em edição extra do Diário Oficial do Município desta sexta-feira (4), a revogação do decreto que desobrigava estabelecimentos comerciais a exigirem passaporte vacinal de clientes para entrada. A revogação atende decisão judicial que dava prazo até esta sexta-feira para o cumprimento.

Pela publicação desta sexta, fica suspensa a eficácia do trecho do decreto 12.428, que havia sido publicado no dia 25 de janeiro. O artigo assegurava à população “o acesso a todo o comércio e aos serviços em geral no âmbito do Município do Natal, independentemente de comprovação do esquema vacinal, desde que observadas as regras de distanciamento social, uso obrigatório de máscara de proteção facial e higienização das mãos com álcool 70º INPM”.

Apesar de tudo isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte resolveu por acatar, monocraticamente, as razões do Município de Natal no agravo de instrumento noticiado.

Ainda disse a Tribuna do Norte, em seu site de notícias:

“O desembargador Virgílio Macedo Jr., do Tribunal de Justiça do RN, acatou o recurso da Prefeitura e suspendeu a exigência do passaporte vacinal nos estabelecimentos comerciais acima de 100 pessoas, centros comerciais, shoppings, bares e restaurantes em Natal.

A determinação do desembargador suspende os efeitos de uma decisão do juiz Airton Pinheiro, da 1ª Vara da Fazenda Pública, que estabelecia a validade do decreto estadual com a exigência da comprovação de vacinação para acesso nestes locais.

…..

Na decisão, o desembargador afirma que “inexiste comprovação de que a medida estadual seja capaz de arrefecer os efeitos da pandemia no sistema de saúde, na medida em que os documentos trazidos pelo MP, com chancela da Secretaria estadual de Saúde, demonstram um crescente e vertiginoso aumento do número de casos e internação, mesmo com mais de 70% da população completamente vacinada”.

Virgílio Macedo aponta também risco de grave lesão foi demonstrado “diante de inequívoco risco de prejuízo ao comércio, que teria que arcar com os altos custos relativos à conferência de documentos dos respectivos clientes”.

“Agiu certo o município ao citar o decreto cujo art. 4º assegura o livre acesso da população ao comércio e serviço em geral, independente da cobrança do esquema vacinal”, destaca Virgílio Fernandes.”

Data vênia essa última decisão historiada deve ser objeto de suspensão através de uma suspensão de liminar a ser ajuizada pelo Ministério Público e ou pela Defensoria Pública perante o Supremo Tribunal Federal.

II – PASSE SANITÁRIO NO DIREITO COMPARADO

Na França, o Conselho Constitucional, a mais alta corte da França, julgou que a lei que visa a estimular o aumento da vacinação contra a Covid-19 no país, incluindo o controverso passe sanitário, está, na maioria de seus artigos, de acordo com a Constituição francesa.

Os juízes decidiram a favor da imposição, a partir de 9 de agosto, de um passe sanitário para ter acesso a bares, cafés, restaurantes, aviões, trens, ônibus e estabelecimentos médicos. Desde o último dia 21, o documento de saúde é necessário para frequentadores de lugares de lazer com capacidade para mais de 50 pessoas, como museus, piscinas públicas, cinemas e casas noturnas.

O Conselho Constitucional validou também a obrigatoriedade do passe sanitário em shoppings centers quando sua lotação ultrapassar “um determinado limiar definido por decreto” e se “a gravidade do risco de contaminação”, decidida em nível departamental, o justificar.

A Austrália seguiu várias nações como a França, a Itália, os Estados Unidos, e várias outras nações civilizadas, adotando o passe sanitário. Veja-se, para tanto, o caso do tenista Djokovic, que foi deportado daquele país.

 Em interessante trabalho publicado na “Public Law and Legal Theory Paper Series da University of Virginia School of Law”, nos Estados Unidos, há a informação de que as ações judiciais que tramitaram naquele país (analisadas até agosto de 2021), debatendo a constitucionalidade das normas que obrigavam as pessoas a se vacinarem ou que exigiam a comprovação da vacinação, inclusive por universidades públicas, foram julgadas improcedentes.

III – A VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA

Richard Pae Kim e Georghio Alessandro Tomelin (Passaporte de vacinação e questões de inconstitucionalidade, in Consultor Jurídico, em 6 de janeiro de 2022) assim nos ensinaram naquela obra:

“Na clássica decisão de 1905, em Jacobson v. Massachusetts (197 U.S. 11,12 — 1905), a Suprema Corte de Massachusetts reconheceu a constitucionalidade de lei estadual que autorizava a imposição de vacinação obrigatória contra a varíola para quase todos os residentes da cidade de Cambridge, Massachusetts. O tribunal decidiu que tais normativas faziam parte do “poder de polícia” do Estado e que, dessa forma, não violariam o direito à liberdade protegido pela cláusula do devido processo previsto na 14ª emenda da Constituição norte-americana.

Embora, na época, a lei admitisse o pagamento de multa aos que optassem por não se vacinar, o ponto central da decisão judicial foi no sentido de que o Estado tinha o poder de submeter todos à obrigação de se vacinar; eventual exceção admitida para a obrigação seria se o indivíduo não estivesse no grupo eletivo ou se houvesse prova de que a vacinação prejudicaria seriamente sua saúde ou poderia causar sua morte. Para o tribunal, a obrigatoriedade de se vacinar e a exigência do passaporte da vacina não daria origem a problemas de natureza constitucional, a menos que envolvesse alguma discriminação “inconstitucional” com base em características ilegítimas como raça, sexo ou religião.

Em interessante trabalho publicado na “Public Law and Legal Theory Paper Series da University of Virginia School of Law”, nos Estados Unidos, há a informação de que as ações judiciais que tramitaram naquele país (analisadas até agosto de 2021), debatendo a constitucionalidade das normas que obrigavam as pessoas a se vacinarem ou que exigiam a comprovação da vacinação, inclusive por universidades públicas, foram julgadas improcedentes.”

No Brasil, enfrentando o tema do passaporte vacinal, no julgamento da ADPF 913, lembrou que o Supremo Tribunal Federal tem obrigação constitucional de proteger os direitos fundamentais à vida e à saúde. “Já são mais de 600 mil vidas perdidas e ainda persistem atitudes negacionistas”, completou. Ele lembrou das diversas decisões já tomadas pelo STF durante a pandemia, como a que estipulou vacinação obrigatória com possibilidade de impor restrições a quem se recusar.

Lembraram Richard Pae Kim e Georghio Alessandro Tomelin (A constitucionalidade do passaporte da vacinação) que a Excelsa Corte, ao conhecer e julgar as ADIs, deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: “(A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, entre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.

O ministro Barroso lembrou que jurisprudência do STF é no sentido de que é válida a vacinação obrigatória – descartada a vacinação com uso da força – , por meio de instrumentos indiretos, como, por exemplo, a exigência de comprovante de vacinação, de quarentena ou de teste de contágio para ingresso em determinados locais ou para a prática de certas atividades (CF, art. 5º, 6º e 196). Nesse mesmo sentido: ADPF 898 MC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 12.11.2021, monocrática; ARE 1.267.879, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 17.12.2020; ADIs 6.586 e 6.587, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j, 17.12.2020.

Disse ainda o ministro Barroso que há jurisprudência firme na Corte segundo a qual decisões em matéria de proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente devem ser orientadas pelos princípios da precaução e da prevenção, de modo a que, sempre que haja dúvida sobre eventuais efeitos danosos de uma providência, deve-se adotar a medida mais conservadora necessária a evitar o dano (CF, arts. 196 e 225). Nesse sentido: ADI 6421, Rel. Luís Roberto Barroso, j. 21.05.2020; ADI 5592, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 11.02.2019; RE 627189, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 08.06.2016.

Nesse ponto trago à colação a lição de Gustavo Binenbojm (Uma teoria do direito administrativo, São Paulo, Renovar, 2ª edição, pág. 114. 9RT, 515:316) quando diz que as prerrogativas da Administração vistas como desequiparações entre o Poder Público e os particulares, não podem ser justificadas à luz de uma regra de prevalência apriorística e absoluta dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais.

Afigura-se como legítimo entender que as hipóteses de tratamento diferenciado conferido pelo Poder Público em relação aos particulares devem obedecer aos rígidos critérios estabelecidos pela lógica do princípio constitucional da igualdade.

Para que um privilégio estabelecido em favor da Administração Pública seja constitucionalmente legítimo, será necessário que:

a) a discriminação criada em desfavor dos particulares seja apta a viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins que lhe foram conferidos pela Constituição e pela Lei;

b) a extensão da discriminação criada em desfavor dos particulares deve observar o limite do estritamente necessário e exigível para viabilizar o compromisso que a Constituição e a Lei dão ao Estado para o caso;

c) o grau de medida de sacrifício imposto à isonomia deve ser compensado pela importância da utilidade gerada em termos de benefício para a sociedade.

Ora, será proporcional uma medida que vise a induzir à população a vacinação, de forma a trazer algumas restrições a direitos caso não se vacine. Será o caso de impedir a possibilidade de emissões de passaporte, ficar impedido de participar de licitações, ficar impedido de receber benefícios do Estado, etc.

A vacinação contra o vírus da covid-19 e todas as suas consequências é obrigatória dentro de um contexto de proporcionalidade e razoabilidade.

Estamos, pois, no sentido da plena constitucionalidade da possibilidade de vacinação obrigatória, inserida em lei, e pautada nos limites da proporcionalidade.

Sendo assim a vacinação obrigatória é situação de normalidade constitucional, onde a Administração, no pleno exercício de um poder de polícia, conduzirá tarefas visando a implementação de um direito constitucional pleno de saúde a todos, nos limites do Estado de Direito e sob o apanágio da proporcionalidade.

Basta a aplicação de meios coercitivos, indutivos, para que se tenha a aplicação da medida aqui comentada. Para muitos, aliás, esse passe sanitário é meio indutivo da população vacinar-se em prol de todos.

Isso sem olvidar da necessária responsabilidade penal por crime previsto no artigo 268, por infringência dolosa a determinações do Poder Público destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa. Isso se não se puder falar em crime de epidemia, crime de perigo e que exige o dolo na contaminação da população.

Nesse ponto há lugar para os verdadeiros liberais, pois não é verdade que os verdadeiros liberais sejam a favor da facultatividade da vacinação no Brasil, antes uma questão de conscientização. Os verdadeiros liberais não negam o acesso ao Judiciário para a implementação de políticas públicas.

Lembro, por fim, o filósofo americano Jason Brennan, que é um libertário sério, que já demonstrou que o respeito à liberdade individual não é incompatível com vacinação compulsória. Ele invoca o “princípio das mãos limpas”, segundo o qual todo indivíduo tem a obrigação de se abster de opções que, agregadas, causam danos. Uma pessoa que deixa de se vacinar parece ser irrelevante. Mas tomados em conjunto, os indivíduos que não se imunizam quando poderiam fazê-lo aumentam o risco de uma doença se espalhar e causar vítimas. Ao se omitir, eles “sujam as mãos”.

Os liberais apoiam veementemente, com suas razões, a livre iniciativa, a atividade de empreender, que deverá ser levada a efeito com respeito à saúde da população.

Esse é contexto que se tem na matéria.

V – O PASSE SANITÁRIO COMO MEIO COMPROBATÓRIO DE VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA

Mas, há os que entendem que a vacinação é providência facultativa. Ora, isso é uma falácia diante de tudo que se produziu sobre o tema desde a eclosão da pandemia em 2020. Dizem ainda que esse passe vacinal seria uma medida destinada a induzir a pessoa a ser vacinada, pois ela não estaria obrigada a ser vacinada. Ouso discordar.

Bem disseram J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada) que há assim uma democracia de Estado de direito e um Estado de Direito de Democracia.

Não se trata de falar em medidas restritivas próprias de estado de exceção. Trata-se sim de incentivar o exercício democrático do direito à saúde, que é de todos.

Esse exercício encontra expressão em regras e princípios, quais sejam: o princípio da constitucionalidade; o princípio da controle judicial da constitucionalidade de atos normativos; o princípio da legalidade da Administração; o princípio da responsabilidade do Estado por danos causados ao cidadão; o princípio da independência dos juízes; os princípios da proporcionalidade e da tipicidade no âmbito das medidas de polícia, dentre outros.

Estamos, pois, no sentido da plena constitucionalidade da possibilidade de vacinação obrigatória, inserida em lei, e pautada nos limites da proporcionalidade.

Sendo assim a vacinação obrigatória é situação de normalidade constitucional, onde a Administração, no pleno exercício de um poder de polícia, conduzirá tarefas visando a implementação de um direito constitucional pleno de saúde a todos, nos limites do Estado de Direito e sob o apanágio da proporcionalidade.

Se tudo isso não bastasse não há, para a vacinação compulsória, obrigatória, qualquer situação de conflituosidade social que leva às medidas de emergência e, muito menos, a necessidade de utilização das forças armadas contra os cidadãos, para a efetividade da medida enfocada.

Promulgada em 1975, a lei 6.259, que instituiu o Programa Nacional de Imunizações, já ressaltava a obrigação de se vacinar. Nela, há previsão até mesmo da edição de medidas estaduais — com audiência prévia do Ministério da Saúde — para o cumprimento das vacinações.

Essa obrigatoriedade, explica Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo), implica sanções como as previstas na Portaria nº 597, de 2004, que instituiu o calendário nacional de vacinação. Ali, é apontado que o indivíduo, não tendo completado o calendário, não poderá se matricular em creches e instituições de ensino, efetuar o alistamento militar ou receber benefícios sociais do governo.

As medidas tomadas a partir da edição da Lei nº 13.979/2020, serão aplicadas no contexto do poder de polícia. Portanto, não são meras medidas indicativas ou educativas, mas impositivas. Sendo assim os atos administrativos dele emanados são dotados: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.

A Administração assim agindo exerce um verdadeiro poder de polícia, dentro do contexto de uma medida autoexecutória baseadas em lei, princípio da legalidade, sob reserva de lei formal emanada do Poder Legislativo.

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

……

d) vacinação e outras medidas profiláticas;

Tratando-se de uma pandemia de alcance mundial, é mister recordar que nos Estados Unidos, por exemplo, a U.S. Equal Employment Opportunity Commission – EEOC Issues Updated Covid-19 Tecnical Assistance concluiu que as leis federais de igualdade oportunidade de emprego não impedem um empregador de exigir que todos os seus funcionários que tenham de estar presentes fisicamente no local de trabalho estejam vacinados contra o coronavírus, como aduziram Richard Pae Kim e Georghio Alessandro Tomelin (obra citada).

Se isso não bastasse, dentro de um contexto metajurídico, é mister que se tenha em conta que uma decisão de uma pessoa de não se vacinar não impõe riscos somente a si mesma. Isso porque, como se sabe, algumas vacinas previnem a infecção sintomática a níveis que podem chegar a 95% dos casos (Estudo científico denominado”Covid-19 Vaccines and Vaccination, CDC (July 27, 2021)”. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/science/science-briefs/fully-vaccinated-people.html. Acesso em 20.11.2021) .

 Vem à mente a conclusão sábia de Roberto DaMatta: “O direito de não se vacinar é moralmente equivalente ao direito de pular de um abismo.”

Alguns veem o passe sanitário como medida indutiva, meio de coerção, objetivando a vacinação; para outros, é meio de prova documental a ser apresentada comprovando a vacinação.

 VI – O DESTINO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO AJUIZADO E AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS

Fala-se da existência de um agravo de instrumento ajuizado pelo Município de Natal, pelo prefeito que o representa e presenta, objetivando julgar facultativo a utilização desse passe sanitário.

Diante da noticiada revogação do decreto esse agravo de instrumento ajuizado contra decisões interlocutórias, de caráter provisório, deverá ser julgado prejudicado, sem objeto, uma vez que lhe faltará interesse de recorrer(necessidade, utilidade).

Isso não foi adotado e reconhecido em segundo grau.

A decisão do TJRN, por um de seus órgãos, tem nítido caráter negacionista, data maxima venia, e respeitosamente.

Será caso de ajuizamento de pedido de suspensão de liminar ao presidente do STF.

A suspensão de liminar é instituto tipicamente processual civil.

A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo 4º, determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

Na visão de Celso Agrícola Barbi, trata-se de providência de caráter cautelar aquela que, na classificação de Calamandrei, diz respeito a medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva.

O certo é que, diante da concessão de liminares de cunho satisfativo ou cautelar em ações civis públicas, a pessoa jurídica de direito público tem se valido do remédio para suspendê-la. Essas liminares teriam o caráter de providência executiva lato sensu ou ainda mandamentais, exigindo da Administração o ajuizamento dos remédios autônomos correspondentes ao recurso de agravo de instrumento e a suspensão de liminar.

Contra a liminar concedida a favor do pleito trazido pela pessoa requerente em ação civil pública tem a entidade pública duas saídas: o recurso de agravo de instrumento em face de decisão de caráter interlocutória, e a suspensão de liminar.

Trata-se de providência de cunho cautelar e de natureza metajurídica.

 VI – O DESTINO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO AJUIZADO E AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS

Fala-se da existência de um agravo de instrumento ajuizado pelo Município de Natal, pelo prefeito que o representa e presenta, objetivando julgar facultativo a utilização desse passe sanitário.

Diante da noticiada revogação do decreto esse agravo de instrumento ajuizado contra decisões interlocutórias, de caráter provisório, deverá ser julgado prejudicado, sem objeto, uma vez que lhe faltará interesse de recorrer(necessidade, utilidade).

Isso não foi adotado e reconhecido em segundo grau.

A decisão do TJRN, por um de seus órgãos, tem nítido caráter negacionista.

Será caso de ajuizamento de pedido de suspensão de liminar ao presidente do STF.

Afinal, a saúde da população não pode ficar subordinada a interesses econômicos.

 Cito o exemplo ocorrido na cidade do Rio de Janeiro.

O ministro Fux, presidente do STF, aceitou o pedido da prefeitura do Rio e reestabeleceu a”eficácia plena”do decreto municipal que estabelece o passaporte da vacina na cidade.

Disse o presidente do STF em acertada decisão (STP 824 MC / RJ) o que segue:

“Acolho o pedido de extensão formulado e determino a suspensão da decisão liminar proferida nos autos do Habeas Corpus nº 0070957-89.2021.8.19.0000, em curso perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de modo a restabelecer a plena eficácia do Decreto nº 49.335, de 26 de agosto de 2021, do Prefeito do Rio de Janeiro, até ulterior decisão nestes autos.”

A exigência de apresentação do “passaporte da vacina” contra a Covid-19 para ingresso em determinados estabelecimentos e locais de uso coletivo é medida de combate à epidemia autorizada pelo artigo 3º da Lei federal 13.979/2020. E o município é competente para implementar essa obrigação, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Fux ainda destacou o perigo da demora a justificar a liminar. “Inegável, lado outro, que a decisão atacada representa potencial risco de violação à ordem público-administrativa, no âmbito do município do Rio de Janeiro, dados seu potencial efeito multiplicador e a real possibilidade de que venha a desestruturar o planejamento adotado pelas autoridades municipais como forma de fazer frente à pandemia em seu território, contribuindo para a disseminação do vírus e retardando a imunização coletiva pelo desestímulo à vacinação”.

 Aguardemos os próximos passos desse litígio.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

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