Para o advogado Jules Queiroz caso a Prefeitura de Mossoró tente tomar o valor máximo de R$ 150 milhões previstos no Projeto de Lei no 1.214, aprovado na quarta-feira pela Câmara Municipal, não teria condições de pagar a conta.
O quadro é simples: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não permite que um gestor deixe uma Antecipação de Receitas Orçamentárias (ARO) para o sucessor pagar. Trocando em miúdos: a prefeita Rosalba Ciarlini (PP) teria que pagar o empréstimo antes do final do mandato que se encerra em 31 de dezembro de 2020.
O problema é que ela deu no projeto o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como garantia. Ano passado esses recursos totalizaram R$ 92.994.776,20. Já em 2019 foram transferidos R$ 76.588.784,56 dos R$ 81.835.505,00 previsto para o atual exercício orçamentário.
“Isso pode provocar de maneira indireta a violação também ao art. 38, inciso IV, alínea “b”, da LRF, posto que comprometerá a receita de FPM atribuível ao mandatário que assuma a municipalidade em 1º de janeiro de 2021”, diz Jules Queiroz.
Ele reforça que a ilegalidade não está em se fazer empréstimo, mas na modalidade escolhida vinculando receitas correntes como garantia. “O que é vedado é a vinculação de receitas orçamentárias a essa atividade, em especial quando a amortização da operação arrisca as receitas financeiras não apenas dos exercícios de 2019 e 2020, mas também de 2021, quando haverá novo mandato de prefeito no Município”, explicou.
A Prefeita Rosalba Ciarlini (PP) pediu e recebeu autorização da Câmara Municipal para contrair empréstimo de R$ 150 milhões através do Programa de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (FINISA). Foi dado como garantia o FPM.
Nota do Blog: o advogado consultado na reportagem é doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da USP, ex-procurador da Fazenda Nacional e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público.
A conta do empréstimo não bate com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Foto: arquivo)
O Blog do Barreto consultou o advogado Jules Queiroz para analisar os pontos em aberto do Projeto de Lei no 1.214 que pede autorização para empréstimo de até R$ 150 milhões junto à Caixa Econômica Federal aprovado na última quarta-feira pela Câmara Municipal de Mossoró (ver AQUI).
Os recursos são provenientes do Programa de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (FINISA).
O Blog já tinha apontado algumas situações que carecem de esclarecimento (ver AQUI).
Um dos pontos questionáveis é a ausência de ações orçamentárias (obras a serem realizadas) e o detalhamento dos encargos a serem pagos ao financiamento a ser feito. “Não constam da Mensagem encaminhada ao Poder Legislativo quais serão os juros e encargos devidos no decorrer da operação. O art. 38, inciso III, da LRF, prevê que não será autorizada a ARO se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir. Como a autorização da ARO depende do Poder Legislativo, seria necessário que essa informação constasse expressamente da Mensagem encaminhada, ou mesmo do respectivo Projeto de Lei, o que não ocorreu”, explicou.
Outro problema é que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), usado para pagamento da folha de servidores, foi dado como garantia de pagamento. Na prática é uma Antecipação de Receitas Orçamentárias (ARO) que se caracteriza pela vinculação do empréstimo a uma fonte de receita. “A operação de crédito é proposta à véspera de um ano eleitoral. A conduta da Representada visa pôr em risco as já combalidas finanças municipais com a exclusiva finalidade de render a si dividendos eleitorais, em prejuízo da legalidade e, em última instância, do povo mossoroense”, acrescenta Jules Queiroz.
A medida descumpre o art. 38 da lei de responsabilidade fiscal porque a prefeita está entrando no último ano de mandato e teria que quitar a ARO ainda na gestão.
Confira o que diz a lei:
“Art. 38.A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
I – realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;
II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;
III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;
IV – estará proibida:
a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.
1º As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.
2oAs operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.”
3oO Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.”
Para o advogado a ilegadade está na vinculação de receitas. “O Município de Mossoró não pode contrair operações de crédito, notadamente o FINISA? Sim, pode. O que é vedado é a vinculação de receitas orçamentárias a essa atividade, em especial quando a amortização da operação arrisca as receitas financeiras não apenas dos exercícios de 2019 e 2020, mas também de 2021, quando haverá novo mandato de Prefeito no Município”, declarou.
Nota do Blog: o advogado consultado na reportagem é doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da USP, ex-procurador da Fazenda Nacional e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público.