Categorias
Artigo

Uma concessão de graça inconstitucional 

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Noticiou o jornal O Globo, em 21 de abril do corrente ano, O presidente Jair Bolsonaro editou nesta quinta-feira um decreto que concede o instituto da graça ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a oito anos e nove meses de prisão.

Daniel Silveira foi condenado por ameaças e incitação à violência contra ministros do STF. A decisão foi tomada por dez votos a um.

“A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, diz o texto assinado por Bolsonaro. A medida “inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos”.

Ainda relatou o jornal O Globo, naquela notícia:

“O decreto afirma que a medida foi tomada considerando, entre outros pontos, “que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.

— É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade. É um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem, quando foi anunciada a prisão de oito anos e 10 meses (nove meses) ao deputado federal Daniel Silveira — declarou o presidente.”

II – A GRAÇA

Como revelou Guilherme de Souza Nucci(Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 532) graça ou indulto individuais é a clemência destinada a uma pessoa determinada, não dizendo respeito a fatos criminosos. A Lei de Execuções Penais passou a chama-la de indulto individual, como se lê dos artigos 188 a 193 .

É certo que o texto da Constituição, no artigo 5º, XLIII, utiliza o termo graça e no artigo 84, XII, refere-se a indulto.

A graça é um perdão concedido pelo presidente da República, dentro de sua avaliação de discricionariedade.

A graça é forma de extinção da pena e não do crime.

Ela pode ser total ou parcial conforme alcance todas as sanções impostas ao condenado (total) ou apenas alguns aspectos da condenação, quer reduzindo, quer substituindo a sanção. Nesse último caso será comutação, não extinguindo a punibilidade.

A graça é forma de extinção da punibilidade e instituto apropriado á execução da pena.

A graça, seja plena ou parcial, é medida de caráter excepcional, destinada a premiar atos meritórios e extraordinários praticados pelo sentenciado no cumprimento de sua reprimenda ou ainda atender a condições de natureza especial, bem como corrigir equívocos na aplicação da pena ou eventuais erros judiciários.

A graça pode ser provocada por petição do apenado (artigo 188 da LEP), por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. È mister o parecer do Conselho Penitenciário, seguindo, após ao Ministério da Justiça.  A graça é individual e solicitada e não restitui a primariedade.

Assim como o indulto coletivo o indulto individual pressupõe sentença condenatória com trânsito em julgado, servindo para apagar somente os efeitos executórios da condenação, mas não os secundários (reincidência, lançamento do réu no rol dos culpados).

Portanto, condição sine qua para a adoção dessa causa de extinção de punibilidade é o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Será o decreto levado, se for o caso, ao Judiciário, através da via própria para que se aprecie se o sentenciado (condenado, apenado) para merecimento ao indulto pessoal, graça. A declaração de extinção da punibilidade deverá ser lavrada pelo Juízo das Execuções Penais

Como forma de indulto, repita-se, pressupõe penas impostas. Assim discute-se se é possível a sua incidência nos casos de sentenças recorríveis. Para Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 21ª edição, pág. 388) a melhor solução é a de que está indultado o sentenciado quando a decisão tiver transitado em julgado para a acusação, hipótese em que não seria possível o aumento da pena e a consequente exclusão dessa causa de extinção da punibilidade.

 O indulto pessoal (graça) é um ato de clemência do Presidente da República e não forma de rescindir decisão oriunda do Poder Judiciário.

Como ensinou Hélio Tornaghi (Curso de Processo Penal, 1980, volume II, 1980, pág. 445), “ a graça se recomenda por ato e heroísmo, por serviço de alto valor, pela necessidade de amparar a família do condenado, por alguma razão de Estado e por inúmeros motivos de grande valor social”.

São motivos relevantes que os fundamentam.

III – A NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE MEDIDA PERANTE O STF

No caso concreto, há esses motivos relevantes?

Claro que não.

Segundo divulgado pelo Estadão, em seu site de notícias em 20 de abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quarta-feira, 20, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão por incitar agressões a ministros e atentar contra a democracia ao defender, em vídeos, o fechamento da Corte. Foram dez votos pela punição e um pela absolvição.

O STF decidiu ainda que seja declarada a perda de mandato do parlamentar, ato que ainda precisa passar pela chancela da Câmara.

A maioria do STF entendeu que a conduta do deputado foi criminosa e não estava protegida pela imunidade parlamentar, o instituto que dá direito ao congressista de não ser processado por discursos. Para os ministros, o que Silveira fez foi incitar a violência, estimular seguidores a invadir o Supremo e ainda agredir ministros.

“A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o estado de direito e a democracia”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação. “Não há dúvidas de que o réu agiu com dolo, em plena consciência de suas ações”, completou ao citar que Silveira confirmou as declarações em depoimento à Polícia Federal (PF).

“O que estamos aqui é julgando a defesa da democracia”, disse Dias Toffoli. “A engenharia do caos não vai parar, mas temos de atuar na defesa da Constituição”, completou.

O crime foi deveras grave. Onde estão as razões de heroísmo, por serviço de alto valor, motivos de grande valor social para a concessão da clemência, concedida, ao que parece, de oficio pelo presidente da República?

Será caso de ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional por parte dos legitimados pela Constituição Federal.

O ato do presidente da República foge ao rigores da proporcionalidade, foge à razoabilidade. Beneficia um correligionário do presidente da República, que afrontou o Judiciário, é clara agressão aos princípios da legalidade, da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa

Ademais, o ato do presidente da República é um desrespeito ao Supremo Tribunal Federal e por sua forma e conteúdo deve ser objeto de desconstituição, por ferir motivos e objeto do ato administrativo, permitindo ao Judiciário rever as razões de mérito que o impulsionaram.

Trata-se de um ato de enfrentamento ao Poder Judiciário que poderá trazer graves problemas institucionais. É uma afronta à ordem democrática.

*É procurador da república aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.