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República dos Recalcados

Por João Wainer*

Nos áudios vazados em que o deputado estadual Arthur do Val vomita para seus “amigos do futebol” uma série de declarações repugnantes sobre mulheres ucranianas refugiadas de guerra e em situação de vulnerabilidade, uma frase chama a atenção. Em determinado momento, pouco depois de dizer que na Ucrânia elas são mais fáceis porque são pobres, o parlamentar diz: “Essas minas em São Paulo se você dá bom dia elas iam cuspir na sua cara”.

Além de orgulho das mulheres paulistas, que hoje são capazes de cuspir na cara tipos como esse que até outro dia eram endeusados por ai, dá pra sentir nessa afirmação o quanto a rejeição ao homem hétero e branco, acostumado a ser tratado como o dono do mundo, pode estar contribuindo para o momento político deplorável que vivemos. Essa rejeição simboliza a perda do protagonismo masculino exercido desde que o mundo é mundo, e isso é combustível para o ressentimento e a misoginia que muitos políticos apresentam quando se expressam em público ou em círculos privados.

Desacostumados a perder, eles respondem à rejeição com ódio, o mesmo sentimento que uniu ressentidos e insatisfeitos do mundo inteiro em torno de um projeto de poder representado por homens pequenos como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Nesse caldeirão de raiva eles comungam seu ódio com nazistas, fascistas e racistas sem nenhuma vergonha, funcionando como um catalisador de tudo de ruim que a humanidade já produziu.

Tudo porque a masculinidade de uma parcela significativa da população se mostrou frágil e tóxica a ponto de ser incapaz de suportar o resultado de uma mísera década de políticas de inclusão em que mulheres, gays, pessoas trans, negros e outros grupos que depois de séculos de invisibilidade, ganharam algum protagonismo.

Se Freud estiver certo e a origem de todos os impulsos na vida for mesmo sexual, deve ser esse lugar de rejeição que faz com que pessoas comuns se transformem nessas figuras nefastas que nos assombram na política e nas ruas.

Uma subcultura virtual que vem sendo muito estudada são os “incels” (involuntary celibates), cujos membros se definem como incapazes de encontrar um parceiro sexual ou afetivo apesar de desejarem. O resultado dessa frustração é manifestado nos fóruns sobre o tema em forma de misoginia, machismo, misantropia e autopiedade. Pelo menos quatro assassinatos em massa foram cometidos nos Estados Unidos por criminosos que se consideravam “incels”, o que mostra o perigo que corremos. Vivemos sob a égide de um governo de ressentidos e ineptos e as consequências disso serão sentidas durante muito tempo.

Levando em conta que o mesmo deputado autor dos ataques machistas às mulheres ucranianas invadiu uma exposição de arte em 2017 porque ela continha temática LGBTQIA+, e em 2018 atacou um grupo de mulheres da Faculdade de Medicina da USP vestido de vagina, qualquer psicólogo de botequim é capaz de interpretar esses sinais e identificar de onde vem essa sanha moralizadora.

Idiotas com mandato sempre existiram, mas na rebarba da eleição de Bolsonaro em 2018 eles se multiplicaram e atingiram um nível de infantilidade nunca visto. O problema é que na democracia os políticos são um reflexo da sociedade que os hospeda. Se existe tanta gente como Arthur do Val hoje na política é porque devemos estar muito doentes enquanto nação. Não são poucos os sintomas que nos apontam isso.

Quando o voo que trazia o deputado estadual e até então candidato de Sérgio Moro ao governo do estado ainda taxiava na pista do aeroporto de Cumbica e ele ligou o celular esperando colher os louros de sua missão “humanitária”, deve ter se assustado e percebido pela enxurrada de mensagens que caíram em seu celular que ainda que de forma muito lenta, o mundo está mudando. Uma dessas mensagens era da namorada do parlamentar, a bacharel em enfermagem Giulia Blagitz, 25, através de uma rede social colocando um ponto final no relacionamento dos dois a partir daquele momento.

Nesse novo contexto em que as mulheres não aceitam mais certas atitudes masculinas, a rejeição feminina a Arthur do Val, que agora está solteiro, deve aumentar ainda mais. Espero que dessa vez ele transforme isso na lição que todo homem deveria aprender, não em mais do mesmo ódio que nos trouxe até aqui.

*É Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários “Junho” e “PIXO”.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

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Casal flagrado transando no teatro e os “mamãe falei” de Mossoró

O Brasil ainda estava (e está) chocado com os áudios vazados do deputado estadual paulista Arthur do Val (Podemos), conhecido como “mamãe falei” (no minúsculo mesmo), que foi a Ucrânia fazer propaganda de que estaria ajudando na resistência a invasão russa, mas no final das contas estava de olho nas refugiadas loiras e pobres.

Quem conhece a peça sabe que era marketing político de quinta categoria. Os áudios que todo mundo já deve ter ouvido mostram que faz um comentário tosco sobre as refugiadas que considerou “fáceis” por serem pobres.

Um show de horrores do mais puro machismo e falta de empatia.

Distante dos holofotes nacionais, Mossoró ganhou um plus de espanto no final de semana com a história do casal flagrado transando no Teatro Municipal Dix-huit Rosado. Quem já foi jovem um dia sabe que isso é menos incomum do que se imagina tanto que é tipificado como crime.

Aqui não se trata de passar pano. O casal foi flagrado com um vídeo vazado que chegou as autoridades policiais. Não sou pudico, mas a lei é para todos, para o homem e para a mulher.

Justamente por ser dispensável discutir se é crime ou não que quero me ater as questões comportamentais neste texto.

Vi um show de horrores nas redes sociais com comentários totalmente voltados para a mulher. Tive o desprazer de assistir um vídeo em que um rapaz faz pouco caso da jovem quando ela chegava a uma famosa lanchonete do Centro de Mossoró.

Sim. Entre o ato e a ida a lanchonete com o namorado o vídeo já estava rodando nos grupos.

O assunto não era o casal, mas a mulher. Ela foi alvo de chacota e de análises nos comentários. O homem é mero detalhe.

Já li coisas como “ela não se dá valor” ou “uma moça tão bonita se expondo assim” sem contar os julgamentos sobre a conduta moral da jovem.

Se você criticou “mamãe falei” e pensou essas coisas sobre a garota mossoroense saiba que é tão escroto quanto o moleque do MBL.

No dia seguinte a garota fez um desabafo nas redes sociais dizendo que a vida dela foi destruída. Afinal de contas é ela quem está sendo responsabilizada sozinha pelo ato como se a decisão fosse meramente individual.

Que a lei seja cumprida, não discuto isso. Mas que essa jovem receba todo o apoio psicossocial e acolhimento de seus familiares/amigos.

Que essa jovem supere o rancor de gente não transante e o preconceito com pitadas de inveja de outros que adorariam estar naquele lugar.

Amanhã é Dia Internacional da Mulher e se você agiu nesta história como um “mamãe falei” de Mossoró pense duas vezes antes de prestar qualquer homenagem. Recicle o seu machismo para quem sabe em 2023 tratar essa data de uma forma diferente.

Vamos amar, ser feliz e parar de julgar as mulheres em situações como essa.

Não seja uma pessoa como “mamãe falei”.